sábado, 29 de junho de 2019

DIÁRIO DE CUBA (109)


O BONÉ CUBANO
Fiz aniversário por esses dias e dentre os presentes ganhos dos amigos e parentes, cito um, algo merecedor de uma nota: Trata-se de um autêntico boné cubano, original da ilha caribenha e tendo como adorno, pendricalhos na sua parte fronteiriça bottons e pins em número de oito, adornando e enfeitando sobremaneira o mimo. Era algo prometido a mim há tempo pelo amigo Ze Canella e quando diante do presente, retruquei e lhe disse: "Zé, pelo amor, não mereço tanto. Isso tem um valor mais que inestimável, pode me emprestar, curto uns dias e te devolvo". Ele deu aquela sonora risada, só dada por ele e me disse: "É teu, serve para compensar as perdas do Mafuá e também sei, estará em ótimas mãos, digo, cabeça, daqui por diante, pois você não só representa, como encarna tudo o que precisamos tanto valorizar e defender no quesito Cuba". Lisonjeado e sem poder regatear (nem queria), aceitei e desde então juntei ao meu acervo de peças cubanas, creio que, o terceiro boné advindo da ilha comunista.

Tiramos fotos com o danado do boné na cabeça e diante de tantos amigos (as) querendo dar com os costados em Cuba, terei que juntar ao mesmo uma corrente e cadeado, para que não me levem o presente assim sem mais nem menos. Dizem um boné desta envergadura ser possuidor de tamanho poder, que mal o sujeito o use por alguns instantes, fica totalmente dominado pela força poderosa irradiada desde a ilha, que nem reza brava tem o poder de aquebrantar o feitiço. Como não tenho nenhuma intenção de quebrar o tal encanto, uso a maior parte do tempo, até pra ver se desta forma apresso o retorno para lugar tão cheio de encantos mil. Hoje mesmo senti sua força, pois ao descer logo cedo pras ruas, vejo adentrar o elevador onde me encontrava famoso médico, morador como eu deste logradouro. Entra sorridente e ao bater os olhos no que me cobria a cabeça, mudou o semblante, fechou a cara e não me dirigiu mais a palavra além do seco cumprimento.

Constatado o poder do boné, circulo com ele pelas ruas. No supermercado a mocinha do caixa, muito simpática, demonstra ter uma queda, não por mim, mas pelo adorno sob minha calvície e me pede para tocá-lo. Digo que, se quiser, posso tirar uma foto dela com ele sob seus cacheados cabelos. Ela recusa e me explica dos motivos: "Aqui tem câmera e eles enxergam tudo. Se o fizer, posso me dar mal". Já estava pronto para me habilitar a esperá-la no final do expediente, mas como não sei se tem namorado/marido bravo e achando que podia estar lhe assediando, fui simpático e o coloquei somente sob as compras, sendo o mesmo acariciado levemente por tão doce pessoa. Na próxima parada, esqueci o mesmo no para-brisas do carro, lado de dentro e fui pagar umas contas numa lotérica e ao voltar, vejo um sujeito rodeando o carro. "O senhor não tem receio de alguém quebrar seu vidro para roubar seu boné? Pode ser de alguém que não goste de Cuba ou de alguém que goste muito". Aproveitamos para conversar a respeito da ilha e foi quando percebo que nem todos são possuidores dessa bestialidade de por qualquer motivo ficar dizendo ao algoz esquerdista: "Por que não vai morar em Cuba?". Só faltou pedir o meu boné, mas como o mesmo anda me dando sorte, sai de fininho, dei uma de desentendido e sai rapidamente do lugar.

Isso de manter bem próximo de mim, algo a remeter assim de imediato em quem eu seja de fato, com a pessoa só de bater os olhos já ficar sabendo de minhas preferências é algo mantido desde sempre. No vidro traseiro do carro um adesivo deixa claro: "Cadê o Queiroz?". No lugar onde moro alguns me olham atravessado, mas sou parado dia desses no sinal por uma motociclista: "Onde arrumou? Queria um igual". Se tivesse teria dado. Deu tempo de explicar que achei a ilustração na internet, imprimi no computador de casa e colei com contact transparente, ou seja, eu mesmo fiz, peça única. Ainda bem nesse dia estava sem o boné cubano. Na caixa dos Correios do Mafuá colei o adesivo do tamanho de uma placa de rua com os dizeres "Rua Marielle Franco". A carteira gostou, parou para conversar e me perguntou se não tinha nenhum sobrando. Já tive, mas distribui todos, só me sobrando esse. Outra que se ver meu boné, terei que ser convincente na negativa de lhe doar.

Ando com bottons do Lula Livre e adesivos com os mesmos dizeres e vou distribuindo aos borbotões. Meu filho faz os bottons lá em Araraquara e sempre passando por Bauru deixa quantidade, repassada para o Núcleo DNA Petista, que os revende a preços módicos, tudo para ajudar a causa. Fico com alguns e sempre estou sem nenhum, pois não resisto a ninguém se aproximando e se interessando. Botton e adesivo (o PCO me arruma sempre alguns) eu distribuo, já meu boné, adianto, não adianta pedir, não dou, não empresto e só deixo tocar com as mãos pessoas confiáveis, dessas que sei não irão sair correndo. Como não ando lá muito ágil no alto dos meus vividos 59 anos, perdi um pouco o pique, me reservo a segurá-lo bem firme diante de pidonhos com aquele olhar de gula, tipo o Claudio Lago, um que já ameaçou arrebatar o mesmo e o qual não confio nem um pouco. É meu amigo, mas deseja meu boné. Tenho que ficar esperto com ele.

Após esse verdadeiro tratado sobre o boné cubano e suas especifidades, particularidades e curiosidades, vou procurar firma especializada para lavagem dele, pois não quero fazê-lo com um simples sabão de coco ou um relés Omo. Será que terei que importar algo mais consistente para não perder o vinco, a viscosidade e a imponência guerrilheira e revolucionária? Segunda que vem vou ao banco ver das possibilidades, se estão dentro do que posso arcar e farei um majestoso seguro, pois posso perdê-lo e para tanto, penso no ressarcimento, algo plausível diante de peça tão valiosa. Algo que não conto nem para a companheira de todas as horas, Ana Bia é onde o escondo nos momentos em que durmo ou me encontro debaixo do chuveiro, pois não quero e nem devo correr riscos desnecessários. Tenho certeza estar diante de peça única, rara e ninguém mais é possuidor dela na aldeia bauruense. Penso até em no futuro, quando estiver pra bater com a dez, fazer uma doação para o museu municipal, mas temo que possa ocorrer o mesmo com arma de um dos fundadores da cidade, que misteriosamente desapareceu. Enfim, o boné cubano, oferta do seu Zé para minha pessoa é um dos únicos bens materiais registrados como de minha propriedade e assim sendo, viro bicho se algo desvairoso acontecer. Estou tomando todas as providências para que nada lhe aconteça e se mantenha junto de mim por tempo indeterminado. Enfim, será envergando esse boné que estarei nas trincheiras revolucionárias daqui por diante, pois vejo trará sorte incomensurável para vencermos as contendas pela frente e, é claro, botando pra correr o conservadorismo e os bolsonaristas a destruir o país.

CARTA DO MAFUENTO HPA EM CARTA CAPITAL, EDIÇÃO DE HOJE, 29/06

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