sexta-feira, 26 de julho de 2019
BAURU POR AÍ (166)
DIANTE DAS ATROCIDADES DO PAÍS, BEIRANDO ESTADO DE EXCEÇÃO, ME RESTA ESCREVINHAR DE PESSOAS, AS DE MINHA ALDEIA
1.) FÁBIO NEGRÃO É AROEIRA PURA NA DEFESA DOS SEUS IDEAIS Bate aquela pontada de dor mais que sentida quando sento aqui e tento escrevinhar algo para algum dileto amigo quando acamado. A vida é realmente muito curta e a gente vai tateando pela aí, tentando fazer dela o melhor possível, dando murros e murros em ponta de faca, driblando as tais adversidades que se colocam à nossa frente a todo instante. Uns conseguem se safar com mais habilidade e sorte, outros padecem mais e mesmo assim não esmorecem, continuam na lida, mesmo diante dos contratempos todos. A gente sabe muito bem quem sabe resistir mais que os outros, quem enfrenta os touros todos de peito aberto, os dragões da maldade com uma lança do tipo da usada pelo Cervantes e esses, mesmo que isso valha pouco nos tempos atuais, onde o individualismo é a flor do Lácio, a bola da vez, merecem um afago além da conta.
FÁBIO NEGRÃO FIGUEIRA PINTO é professor na UNESP Bauru, desses com décadas de baita experiência, intensa folha corrida no trato com alunos diversos e variados. Já viu de tudo dentro da estrutura unespiana, tendo graduação em Bacharelado em Comunicação Visual, curso ainda na antiga FEB – Fundação Educacional de Bauru em 1982 e mestrado em 1997. Atualmente é professor assistente, com capacidade reconhecida e sapiência idem para dar aula no escambau a quatro. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Teorias da Comunicação e Políticas e Sistemas de Informação. Áreas de atuação e pesquisa em Economia da Informação e Cultura Urbana; pensamento pós-moderno e produção cultural e midiática. Do lado de fora do campus, um pacato cidadão, morador das barrancas de Bauru, ali perto do antigo SESI, seu porto seguro para as incursões pelas quebradas desta terra, em busca de recarregar baterias e renovar expectativas. Com o passar dos anos a gente vai cansando dessa convivência dentro de estruturas arcaicas, corroídas e viciadas, todo ser normal cansa e busca refúgio em outras instâncias. Durante certo tempo, tudo segue seu caminho normal, procedimentos repetitivos, vida que segue, mas em outros, com os intransponíveis obstáculos colocados no caminho, alguns tropeços. Negrão teve mais um nessa semana quando adentrou um hospital, acometido por algo querendo minar suas forças, desta feita uma hemorragia cerebral de causa ainda não divulgada/identificada. Por enquanto, no estaleiro, resistindo para continuar a lida ao nosso lado, junto dos que resistem bravamente isso tudo sendo despejado diuturnamente em nossos costados. Estamos todos apreensivos, torcida unida e coesa, pois precisamos muito dele para as contendas todas que ainda virão pela frente e preparo igual ao seu, só com ele mesmo. Resistir é preciso e é isso que ele faz nesse momento, tentando dar a volta por cima e com uma legião de amigos e admiradores do lado de cá, unidos numa só torcida, por ele, com ele e para ele. Negrão é dos nossos, nossa cara e nosso jeito de tentar sobreviver neste insano mundo, esgrimando sempre munido com giz e canetas na mãos.
2.) DONA LAURA, COZINHEIRA DO BAR AEROPORTO SE FOI E NADA PREENCHE O VÁCUO DE TÃO PRECIOSA PESSOA
Eu prefiro escrever dos vivos, os muito vivos, os labutando para sobreviver nessa selva de pedra e de muita insensibilidade, mas vez ou outra tenho por obrigação de ofício sentar a bunda aqui na cadeira e me por a dolorosamente escrevinhar de alguém que partiu de forma inesperada ou por ser tão grandiosa pessoa, merecedora de algo de minha parte, um carinho a mais, uma lembrança como registro. Essa que hoje tento num curto relato descrever de sua grandiosidade, mora no coração de muitos, pois a convivência proporcionada pelas idas e vindas em bares, esses que escolhemos para bebericar algo, chorar as pitangas e matar a fome, reunir amigos, possibilita aproximações nunca vistas. Conto uma história de reverência, mas de muita tristeza pela partida de pessoa tão querida.
Dona Laura é LAURA VIEIRA FERREIRA, tinha exatos 63 anos e conhecida de muitos anos, por mim e todos os frequentadores do Bar Aeroporto, o original e encravado no meio da Zona Sul desta cidade. Ela se foi há trinta dias, dia 25/6, deixando um vácuo sem possibilidade de preenchimento, não só para os abnegados do lugar, como para o Ico, o proprietário do bar, que hoje entre lágrimas me disse: "Tirei coisas do cardápio, pois só ela sabia fazer e nem sei se um dia alguém conseguirá. Tem momentos que penso em parar com tudo, são perdas calando fundo na gente, essa me dói demais". Nascida em Arealva, negra, solteira, morando lá nos altos do Jardim Ipiranga, numa rua paralela à avenida Castelo Branco, com a mãe viva, 92 anos e alguns irmãos, era o tudo do bar do Ico. Foi merendeira na Prefeitura e trabalhou em lugares outros, mas no Ico teve o reconhecimento de tudo e todos. Mandava na cozinha e no cardápio, se algo era introduzido, tinha obrigatoriamente que ter sido aprovado por ela, do contrário, nem pensar. Ela, como muitos, não reclamam dos seus problemas, estão no mundo parece que para resolver os dos outros e só foi acusar algo quando não mais conseguiu segurar as pontas. Baixou no Pronto Socorro, tentou voltar e só arriou definitivamente numa cama quando não conseguiu mais dela levantar. A causa de tudo apregoam ser uma diverticulite, com generalizada infecção. A bar sem ela nunca mais será a mesma coisa, pois era peça chave, aquela que dava o xeque mate no quesito atendimento e mais ainda no fino trato para com o resultado final da comida na mesa do freguês. Como comer o tradicional bauru ou o carpacio do lugar sem saber ter sido preparado por ela? Era de pouca conversa, mas na insistência proseava e tinha sempre boas histórias para contar. Ilda, a da banca de jornais na entrada do aeroporto, também quase chorando resume o que foi a vida de dona Laura: "Essa mulher só trabalhou". Mas foi também muito amada.
OBS.: Na foto tirada no dia da Festa da Aviação, ela de lenço protetor na cabeça é a primeira do lado esquerdo, junto de todo o staff do Bar Aeroporto.
3.) JORGE RESISTE NO SINDICATO DOS FERROVIÁRIOS DA FEPASA Num esforço reiniciado hoje, publicarei durante toda a semana mais cinco perfis de personagens Lado B, tentando atingir a meta do milésimo texto ainda este ano. Essa espécie de recomeço foi embalada e incentivada após a realização da exposição com fotos de alguns dos já retratados, ainda em curso lá no Bar do Genaro e com diversificada presença de pessoas, o que me injetou ânimo novo, no sentido de não esmorecer, muito menos interromper algo já feito com muito maior empolgação. Hoje, confesso, com tudo o que tem acontecido ao país, enveredei por outros caminhos na escrita, sem nunca abandonar os feitos com essa gente que vou encontrando e reencontrando a cada saída pelas ruas. Escrever de pessoas, suas histórias é o que me move, mas diante de tanta coisa com mais urgência, esse país de pernas para o ar, acabo deixando de lado essas histórias e ao olhar com mais carinho para as tantas a embolar minha cachola, não resisto e cá estou novamente envolvido nas escrevinhações delas, talvez para não mais parar.
JORGE LUIZ MARTINELO é esse bonachão senhor que nunca chega aos 60 anos, mesmo já tendo passado dos 50 há alguns anos. Os anos passam lentamente para esse ferroviário aposentado e quando na ativa, controlador de tráfego e encarregado de escalas na antiga Fepasa. Assumiu tempos depois um posto de diretor dentro do Sindicato dos Ferroviários, o localizado na rua Antonio Alves, centro de Bauru, onde está até hoje. Resiste ao tempo e mesmo hoje, com um sindicato quase sem associados, continua exercendo suas funções, batendo cartão por ali todos os dias e no atendimento de uma das categorias profissionais com idade mais avançada dentre as sindicalizadas. Morador do Geisel, pais de um casal de filhos, marido da Zani, seu lazer já foi o futebol, jogado até quando pode e o joelho deixou, num campo society preservado por antigos ferroviários lá dentro da estrutura férrea de Triagem Paulista, ao lado do jardim Guadalajara. Continua adorando andar de moto, mas hoje trocou o motor ligado pelas pedaladas e circula de bicicleta pela cidade, o que o mantém em forma. Um sujeito de bem com a vida, desses aposentados que não conseguem permanecer em casa e traz a alegria por onde passe, sorriso franco e sempre cheio de muitas histórias, para contar e também ouvir, pois fala muito, mas também sabe parar e escutar, algo raro hoje em dia. Jorge vai tocando a vida, sem deixar ela alterar além da conta os rumos da sua, traçados para que não chegue nunca aos tais 60.
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