domingo, 13 de outubro de 2019

FRASES DE UM LIVRO LIDO (145)


DONA ANJA, ENY, OS PUTEIROS TODOS PIPOCAM NA MINHA CABEÇA
Desço cedo na feira e sou inquerido por um amigo na Banca do Carioca:

- Você que escreve de tudo, qual vai ser a escrevinhação de hoje?

Como ainda não havia pensado nisso, antes de responder folheio alguns livros na banca, penso em algo, quando encontro um pelo qual me interesso:

- Tá aqui, vou escrever sobre DONA ANJA. Sabe quem é ela?, pergunto e eu mesmo respondo. Hoje é domingo, a danação do país continua de forma avassaladora rumo ao precipício e daí, nada melhor do que num dia como hoje, calor de rachar mamona, eu escrever sobre prostituição. Dona Anja foi um livro que li décadas atrás, quando editoras, como essa portoalegrense, a L&PM lançava livros com vários autores gaúchos e este em especial, Josué Guimarães, escritor de fina estampa, que lia também em crônicas semanais na página 2 da Folha de SP. A Folha tinha não só espaço para crônicas curtas de SP e do RJ, essas hoje escritas pelo Ruy Castro, mas tinha também uma gaúcha e quem a escrevia era o Josué. Gostava muito de sua verve, li seus livros quase todos, principalmente os catataus épicos sobre a história gaúcha. Nessa em especial, ele traça uma história singular de um prostíbulo de uma cidadezinha no interior gaúcho. Nele dava de tudo, todos os figurões da cidade, igual já ocorreu aqui em Bauru com a casa da Eny.

- Eu nunca frequentei a Eny, e tu já foi?, me pergunta o amigo.

- Para fornicar nunca. Era muito jovem e com pouca grana, mas fui em vários outros e é sobre isso que irei escrever hoje. Esse livro me despertou o desejo de rever algumas passagens de antanho. A história de dona Anja, que foi esposa de um coronel, o maior da cidadezinha e com sua morte, acabou reinando mais que ele, mas com o prostíbulo. Por ali, prefeito, delegado, juiz, vereadores, empresários, rufiões e gente de toda ordem e bandeira, todos inveterados defensores da moral e dos bons costumes, mas fornicadores às escondidas, como sempre se fez neste país. Se me lembro a narrativa se passa no exato dia em que o projeto do senador Nelson Carneiro estava em votação, o da aprovação do divórcio no Brasil e todos ali no salão principal do puteiro ouvindo pelo rádio, todos discutindo os grandes temas em questão na política, mas com a mão na massa, gastando óleo e azeite. Josué sabia conduzir uma boa prosa. Vou levar o livro para rever em detalhes a trama, depois de conto.

- Conte mais da Eny e dos puteiros que frequentou – me pede.

- Se você prometer que não espalha, eu conto. Fui um moleque safado, hoje sou um velhote desmemoriado, lembrança curta, mas conheci muitos, os das quebradas. A Eny era muito para o meu caminhãozinho. Frequentava a Zona do Meretrício, a do Redentor, após o Hipódromo, depois a Casa das Pedras e também a Lazinha, ali perto de onde foi o Country Clube. Lá pelos lados da vila Dutra tinha outro, numa estradinha de terra, hoje todo ocupado com um bairro que nem sei o nome direito, acho que Calabresa. A Casa das Máquinas, ali atrás do IBC, onde hoje passa a avenida que vai para vila Dutra foi outro famoso e de muita história. Outro dia o Pedroso me contou que, naquele tempo, acabava a sessão da Câmara e muitos dos edis iam continuar a discussão lá nas mesas da Calabresa, igualzinho a narrativa do livro, quando todos estão ouvindo qual vai ser a decisão sobre o divórcio. Na zona todos bonachões, mas depois em seus posicionamentos no dia a dia, alguns conservadores e moralistas, gente que não honra o lugar onde batia cartão. Até hoje o que mais tem é isso, os que aprontam todas às escondidas e depois, santos do pau oco, se mostram gente do bem, discursinho de doer os ouvidos. Ah, se os puteiros falassem.

Saio de lá com o livro debaixo do braço e no Bar do Barba não encontro ninguém para continuar a contenda. O calor está demais e fui esquecer meu chapéu. Vou pra casa e enquanto ajudo na preparação do almoço não consigo pensar em outra coisa, os puteiros dessa terra varonil. Dias atrás, minha mana diz ter um lá perto da casa dela, uma casa onde moram muitas moças. Já disse a ela que isso não é puteiro e sim, residência das mulheres e trans, tipo pensionato, moradia coletiva e dali saem para os programas. Nos pensionatos, sempre uma matrona tomando conta, cobrando diárias e tudo o mais, comida, banho, ganhando sobre tudo. Virou febre dos tempos atuais, quando os puteiros à moda antiga caíram no descrédito. Desconheço puteiro ainda abertos nos dias de hoje por essas plagas. Hoje, pelo que sei, nas ruas os pontos todos são dominados pelas trans e pelos sites de relacionamento, tem para todos os gostos e preferências, esse o novo formato. As novidades chegam e vão nesses pensionatos e em hotéis da cidade, mas um lugar específico onde o sujeito vai, tipo boate, creio não mais existir. Ou seja, vejo um, o Cabaré, lá na beirada da rodovia Bauru/Jaú, que vez ou outra traz nomes famosos para shows de strip. Como nunca fui e nem nunca irei, não sei o que rola por lá.

Jorge Amado descreveu em seus romances puteiros de luxo, onde além do sexo normal com as mulheres do lugar, acontecia de tudo, quando os coronéis abusavam de seu poder e queriam menores, pagavam alto e sempre estiveram acima das leis. Aqui em Bauru, a cafetina mór do Brasil, dona Eny, dizem fez muito disso. Tinha as meninas normais lá e por fora atendia esses pedidos excêntricos, criminosos. Desconheço se algum deles deu polícia e seu deu, não deu em nada, como no caso na Mara Lucia. O meu negócio, dentro de minhas possibilidades era ver as meninas em puteiros de ponta de vila. Conheci putas por quem nutro o maior carinho, mulheres de fibra e todas ótimas contadoras de histórias. Eu nunca tive muitas histórias nesses lugares, mas em todos guardo boas recordações pelas histórias ali ouvidas. Elas movimentam no meu cérebro a saudade que sinto hoje desses lugares, revividas nesse momento com a releitura de Dona Anja. Eu era um jovem solteiro, um tanto tímido e nesses lugares, mesmo se você não fosse muito atirado, elas se aproximavam e na maioria das vezes, creio ter mais ganho do que perdido pelo fato de não ser muito falador, pois quietinho nunca passei fome. Nesse momento, paro a leitura da revista, não vejo o futebol na TV, não presto a atenção no que rola do pega pra capar no Facebook, esqueço por momentos de Bolsonaro, pois quero continuar a viagem começada no livro e 200 páginas, creio eu, pelo interesse despertado, devoro antes de chegar a segunda-feira.

OUTRA COISA
ENCONTRO DOS DOIS ÚNICOS TÉCNICOS NEGROS DA SÉRIE A DO BRASILEIRÃO DE FUTEBOL

De um lado o ROGER, técnico do Bahia e do outro MARCÃO, técnico do Fluminense, ambos negros e dirigindo duas grandes equipes do futebol brasileiro. Os únicos negros na mesma condição na Série A1 do Brasileirão. Emocionante a cena do abraço fraterno antes da partida e mais ainda, ao final, quando da entrevista no Canal Sport TV, Roger dá uma aula de cidadania, de conhecimento do que vem a ser de fato o racismo e o feminicídio no país. Sei que em breve vou encontrar a gravação da fala dele divulgada por aí, mas pela lucidez do que ouvi, numa resposta prolongada, longa, sentida e lúcida, parei tudo e fiquei ali de boca aberta, pois não tinha ouvido até agora nada parecido da boca de nenhum boleiro em atuação. Não ouvi a entrevista com o Marcão, mas pela fala da de Roger, escancarado todo o padecer de um negro, sua trajetória até onde está e o escancaramento de que o racismo está enraizado entre nós, quer queiram ou não alguns. Num certo momento ele diz: "Algumas vezes me dizem que o racismo não existe por estar aqui onde estou, ser um técnico consagrado num time grande. Digo o contrário, que o racismo reside exatamente aí, em sermos tão poucos, quase únicos nesses lugares, sendo tão numerosos". Ele foi demais.

Em tempo: O Fluminense ganhou do Bahia de 2 x 0, mas o resultado, mesmo importante para quem ganhou, nesse momento, diante do que ouvi é o que menos importa. Eis o link da fala do Roger: https://www.facebook.com/watch/?v=1367007220127586

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