domingo, 20 de outubro de 2019

MEMÓRIA ORAL (246)


GRADEARAM A MARQUISE*
* Crônica dominical de quem tirou algumas fotos e queria muito escrever algo a respeito delas. Sentei, matutei e sai isso:

Uma foto é uma foto. Ao registrar o que vejo acontecendo pelas ruas tento entender algo da resinificação no dia após dia, naquilo que dizemos ser um dia após o outro, enfim, hoje assim, amanhã nem tanto, depois tudo mudado. Passo diariamente pela Nações, subo e desço por ela várias vezes e os olhos não se cansam de observar as mudanças e transformações. Uma delas era o movimento ocorrendo debaixo de uma marquise na quadra 14, estabelecimento fechada há um bom tempo, onde já foi um dia padaria, depois loja de tintas automotivas, depois portas fechadas. Desde quando fechou, a crise tomando rumos e contornos cruéis, essa marquise passa a ser ocupada por população em situação de rua (nova denominação para os antigos moradores de rua), com esses a mobiliando fazendo uso ao seu modo e jeito.

desde então eu os observo à distância. Nunca me aproximei e nem tenho motivo para tanto. Sou um curioso social, assim me denomino. Marquises vazias, principalmente de pontos comerciais fechados em locais centrais da cidade sempre foram ocupadas rapidamente por gente em situação de rua. Ninguém gosta de dormir totalmente ao relento e ao sabor das intempéries todas, frio, chuva ou mesmo violência. Se o teto não existe na forma de uma casa, pelo menos se faz com uma cobertura, algo como tentativa de inaudita proteção. Principalmente à noite as marquises são quase totalmente disputadas e ocupadas. Nessa ira percebendo como seu deu a ocupação, sua rotatividade e a forma como as coisas iam se sucedendo. Dispor de um lugar é também lutar por ele. Ninguém chega assim do nada e vai ocupando um lugar onde já existam outras pessoas na mesma situação. Existe todo um conjunto de regras básicas a serem seguidas e quem não as cumpre, as penalidades são pagas no ato, sem direito à ampla defesa.

Em cada passada pelo lugar, a parada no semáforo da esquina ia tentando construir mentalmente algo sobre o império da lei do mais forte, muito presente nas ruas e por todos os lugares. Tempos atrás me foi dito por alguns desses para que observasse com atenção a existência de uma ampla população de rua no entorno da Câmara Municipal, quase ao lado do Plantão Policial, esse funcionando 24h por dia. "Aqui muitos se sentem mais seguros e a violência é bem menor que nos demais lugares onde possa encostar meu corpo e tentar descansar durante a noite", disseram. Num lugar com a marquise ali na Nações existiam lideranças e o domínio de uns sobre os demais se dá por variados motivos, sem tempo para enumerá-los no momento. A lei das ruas é bem diferente da conhecida pelos demais seres habitantes do espaço público. Não existe nada registrado em compêndios que a sedimentam, mas é assim e pronto, descumpriu, paga-se o preço. Poucos o fazem.

O lugar passou a ser não só ponto de pouco, mas também outros móveis, como sofás, poltronas e muitos colchões, além de vasta roupa de cama. O ajuntamento chamava a atenção. Deve ter incomoda e muito o dono do imóvel, tanto que, dias atrás ele contratou trabalhadores serralheiros e esses fixaram uma grade na calçada, isolando na parte interna o espaço debaixo da marquise. O que havia dentro desapareceu e não presenciei se foi colocado na calçada e dali cada um deu um destino. Um sofá eu vi logo depois na praça do Líbano, também ponto desses todos, que durante o dia ali se reúnem. Alguns deles ganharam fama tempos atrás por fazer churrasco ali na praça com carne ganha de populares. Desde então, uma marquise a menos para o descanso corporal necessário da carcaça desses já mais do que prejudicados ao longo de suas vidas. Não quero me ater dos motivos sociais dos aumentos desses em situação de rua, pois já são por demais conhecidos. Na qualidade de mero observador da variação populacional debaixo de marquises e pontes, constato a crueldade do sistema onde vivemos nos seus mínimos detalhes. Não discuto também dos motivos do dono do imóvel ter tomado a providência de ter fixado o gradil. Fico só observando, juntando dados mentais para construção de algo mental, uma sociedade onde isso não possa mais ocorrer e propiciar, como nesse momento, o gradativo aumento dos amontoados pelas ruas. Esse são só uma pequena amostragem de tudo o mais acontecendo pela aí.

PERGUNTAS E RESPOSTAS
Se me perguntarem qual o melhor técnico do Brasileirão, digo sem pestanejar: o Roger, do Bahia.
Se me perguntarem qual o time mais antenado com o país onde vivemos e além de um futebol pra frente vivencia de fato o que se passa no Brasil, respondo assim de bate pronto: Bahia.
E mais, na qualidade de corintiano, torço esse ano daqui por diante para o Bahia e os motivos são esses aqui expostos no texto abaixo e muito mais. Esse time cheira povo.
Primeiro o Roger deu a entrevista assumindo o racismo deste país, depois abriu o campo de treinamento para os meninos de rua vendedores de sinal assistirem o time ali no CT e agora no jogo deste domingo entram em campo com a camisa manchada de óleo. Sou Bahianense (enfim, quem torce pro Bahia é o que mesmo?) de carteirinha...

Eis o link: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/time-do-bahia-vai-jogar-com-camisa-manchada-de-oleo-em-protesto-a-desastre-ambiental/?fbclid=IwAR3ArFoJKzcjsmZapQPwC76SfBy_NYo61HZHk548Xhf_jP4ixYm2EL62Cf0

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