quinta-feira, 24 de outubro de 2019

O PRIMEIRO A RIR DAS ÚLTIMAS (78)


ELA DEIXOU DE IR COM O CIRCO E EU ME VOU, PRESENCIAR DE PERTO A TRANSFORMAÇÃO ALI NO CONE SUL

Primeiro conto uma história, depois vou a cerne da questão. Essa mulher da foto foi amiga de minha mãe, nem sei de onde, mas sei que se viam regularmente. A foto deve ter mais ou menos uns dez anos, talvez mais, talvez menos, nem sei se ela é viva e ao menos me lembro do seu nome, o que fazia. O que não me sai da cabeça foi algo dito certa vez por minha mãe, isso já há uns trinta anos pelos menos. Sabe aquilo que sua mãe te diz uma vez na vida e aquilo fica marcado a ferro e fogo na sua mente? Pois é isso o que acontecia entre mim e toda vez a cruzar com essa senhora pelas ruas. Um dia a vi cruzando a Nações e tirei as fotos. Fuçando em busca de fotos de mulheres para minha última exposição, a Mulheres Lado B me deparei com essa e novamente a história me martelou o cerebelo. Nem sei se devia publicá-la ou menos contá-la, mas o farei, pois ela está entalada aqui na garganta e não é assim tão séria a ponto de abalar estruturas e alicerces. Eu também conversava com ela nas ruas e sempre perguntava por minha mãe, conversas rápidas, pueris. Algumas vezes a vi lá na casa dos pais e se me perguntarem não me lembro onde morava. Paro de enrolar e conto a tal história. Ela era solteira, viveu a vida inteira assim e perdeu uma grande chance em sua vida. Certa feita, isso ela contou para minha mãe, um circo foi montado perto de sua casa e um homem do circo se engraçou com ela, queria porque queria que ela abandonasse tudo e fosse embora com ele. Ela foi se confidenciar com minha mãe e ambas chegaram à conclusão de que, ela é quem teria que decidir, juntando os prós e contras. Se desse certo, seguiria com o circo e conheceria o outro lado da vida, bem diferente do que levava até então, se não, voltaria e enfrentaria Bauru de frente, peito aberto. Matutando muito, decidiu por ficar e passado um certo tempo, sempre a via mais triste, macambuzia, cabisbaixa. Perguntei pra minha mãe dos motivos e se tinha alguma coisa a ver com a decisão de não ter ido embora com o circo. Nem sei o que ela me respondeu, mas o fato é que, enquanto a vi pelas ruas, a primeira e única coisa que me vinha à mente era a tal história e da chance que teve em botar o pé na estrada e não o fez.

Fui me lembrar dela agora quando me vejo preparado para embarcar numa viagem rumo à Argentina, quando irei com conhecidos, amigos e outros tanto de inquietos, tudo para ver de perto, presenciar a eleição que dará cabo no neoliberal Maurício Macri na Argentina. Eu bem que gostaria de agir ao modo de um Apolônio de Carvalho, revolucionário por instinto dos anos 20/30, que não podia ver movimento social e o povo sendo maltratado que já juntava os trapos e ia defendê-los junto a quem o fazia de fato. Ficou famoso, pois certa feita esteve até na Guerra Civil Espanhola contra o generalíssimo Franco, ao lado dos revolucionários e contra a ditadura. Mais perdeu que ganhou, mas isso movia sua vida. Outro foi seu Alberto, o personagem principal do livro do Arthur Monteiro. Esse também, igual Apolônio se engajou em tudo quanto é revolução ou movimento conspiratório contra a ordem estabelecida, uma vez que essa sempre foi contra os interesses dos trabalhadores. Seu engajamento na Coluna Prestes se deu dessa forma e jeito, era pegar ou largar: pegou. Pessoas como eles possuem algo dentro de si, inquietos por natureza, desbravadores e desfraldadores da bandeira da defesa dos fracos e oprimidos. Eles também o são, mas mais conscientes, lutavam contra o mal maior, esse usando da força para se impor contra a maioria. Quantos agem como eles hoje em dia? Poucos, cada vez menos pessoas. Dentro de mim tem um bichinho se remoendo, revirando minhas entranhas e querendo estar em todas lutas pela aí. Agora mesmo, primeiro no Equador, queria tanto ter entrado em Quito junto dos povos indígenas, depois no Chile, estar junto desses querendo conquistar direitos nunca conseguidos por lá e resistindo bravamente nas ruas. E por fim, a defesa do Evo Morales na Bolívia me transporta para as ruas daquele país, como se estivesse sonhando estar nas praças garantindo junto da população sua posse e seu Governo, hoje no país que mais cresce economicamente em toda América Latina e mesmo assim algo da ganância de inescrupulosos gendarmes capitalistas. Aqui mesmo, com meus quase 60 anos, não conseguirei permanecer trancado dentro de casa por muito tempo vendo Bozo & Cia aprontando tanto com o Brasil.

Conseguirei neste momento ir é pra Argentina e lá estarei nos próximos dias vendo de perto a eleição a jogar na lata do lixo da História esse basura do Macri e todos os seus. Portanto, ao se depararem comigo lá na frente, posso até estar desanimado, mas já sai daqui anos atrás só para assistir um comício de Hugo Chávez, também em Buenos Aires e agora vou estar cinco dias novamente nas ruas argentinas acompanhando de perto algumas das transformações tão necessárias para todos nós latinos. Isso me recarrega e não tenho do que me arrepender. Não me verão nunca como a mulher que deixou de ir com o circo...

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