MÁGICA E ENCANTADORA TARDE EM TIBIRIÇÁ
O distrito de Tibiriçá é um lugar mágico. Não existe vez que pra lá me dirijo em busca de algo e acabo encontrando outros, muitos algos a mais, todos envolventes, torando a estada no distrito distante 15 km de Bauru algo mais do que aprazível. Desta feita, tarde de domingo, eu e Ana Bia saímos de casa por volta das 16h e pra lá rumamos com destino a casa dos Baté, residência da matriarca Irene. A quadra estava fechada, cavaletes diziam que ali o samba iria tomar o quarteirão. Bom prenúncio. Nos achegamos e além do furdunço já instalado, barraca de bebida já funcionando, sopa já no fogo lá nos fundos, foram logo me informando que a Dulce, subprefeita do distrito estava junto do pessoal da SMC - Secretaria Municipal de Cultural, lá pelos lados da estação férrea e lá teria movimentação e agitos culturais.
A estação estava diferente e o prédio, que por muito tempo permaneceu num estado de abandono estava todo recuperado e com suas portas recolocadas, jardim todo repaginado, até com parquinho de exercícios físicos já ali disponibilizado pra população. Um visual de encher os olhos e junto deles o pessoal da Cultura em plena gestação de algo maravilhoso. Presenciei de forma teatralizada algo da história dessas plagas, desde seus primórdios com os índios, a ferrovia, o café, sob o enfoque o auge e do declínio. Um casal de atores encantadores e encantantes. Vou naquela região desde décadas e, confesso, nunca tinha reparado num casarão antigo ali localizado, fachada da mesma data da estação. Assunto com Dulce e ela me conta ali ter sido o local do primeiro cartório do local (hoje não existe mais nenhum por lá). Depois assunto com Sergio Losnak e descobrimos juntos ter ali ocorrido muitas décadas atrás o famoso incêndio de cartório. Um que legalizou terras de fazendeiros e tornou o lugar latifúndio de uns poucos. O incêndio esquentou de duas formas o lugarejo.
Na esquina de chegada da estação, no lugar de uma antiga venda, comércio fechado desde décadas, tudo recuperado e ali cedido para o bloco carnavalesco Estrela do Samba. Tudo até então era guardado num pequeno barracão nos fundos da casa da Dulce e agora tem um lugar pra chamar de seu. Com pintura colorida e um artefato/arranjo cultural montado em tijolos na calçada, a cara do lugar é outra e na porta de entrada da praça, tudo em novo formato, preservando o encanto existe na região. Do evento, a maior concentração de gente da Cultura, todos ali esparramados no gramado e além do trabalho, desfrutando do lugar. Foi uma tarde onde a conjunção entre o ofício se juntou ao deleite e tudo se deu de forma intensa, maravilhosa e perfeita. Ao final da apresentação teatral, o pessoal do bloco chegou e a bateria comandada pelo Markinhos Pires se fez presente, encantou a todos. Destaco um jovem na percussão, surdo e totalmente integrado no ritmo, sem deixar o tom cair. Tocam por osmose. Divinal presenciar o samba naquele espaço.
Dulce Cosmo fez uso do microfone na qualidade de administradora do lugar e Fábio Valério o fez como representante da Prefeitura. Falas integradas e coesas, felizes por estarem ali no momento onde a estação estava renascendo, vicejando novamente, linda e imponente, como dificilmente alguns acreditavam ser possível. Dulce em especial, pois o sonho do irmão, Zé Roberto, sub-prefeito do distrito até seu falecimento, antes de ver tudo concretizado estava ali materializado. Comento algo sobre as portas da estação, pois merecedoras de destaque. A estação foi objeto de emendas parlamentares para seu restauro, sendo a primeira delas do deputado federal Vicentinho PT, mais de dez anos atrás, ainda administração de Tuga Angerami. Os anos se passaram e na entrega ocorrida, a nítida percepção de tudo ter sido possível graças aos recursos e abnegação da equipe comandada pelo Orlando Alves. Imaginei dos recursos juntados para a recuperação das portas e fico sabendo tudo ter sido feito na oficina de marcenaria e afins montada na Estação da NOB, com reeducandos e outros profissionais, com sobra de madeira utilizada como assoalhos em outras instalações. Na Cultura, eu sempre soube, existe um pessoal abnegado, fazendo coisas que a gente duvida poderia ser feito nas circunstâncias propiciadas.
Junto tudo o que vi, presenciei e pude ir conversando, assuntando pessoalmente, junto de outros amigos ali presentes e percebo o quanto é salutar botar o bloco na rua, ir ver in loco essas transformações possíveis e impossíveis em curso em determinados lugares dentro da administração pública municipal. Eu nunca vivi só de críticas, mesmo a exercitando com afinco, também nunca me esquivando quando se faz necessário o justo elogio. Para culminar com o teatro, o samba, a estação e a praça, enfim, o momento transpirando bons fluidos, eis que na curva da esquina surge um trem, um desses de trabalho nas linhas, passa pelo local, puxa seu apito, devolve e envolve tudo e todos com aquele outro velho sonho, o de ter até ali levado o passeio férreo do projeto Ferrovia para Todos com a imponente Maria Fumaça. Todos ali presentes saíram do local em estaço de graça, pois a tarde ali propiciada foi algo único dentre tudo o que acontecia em Bauru no dia de domingo. Tibiriçá não é só lúdica, mas tem uma luz mais que própria das mais intensas. Eu me recarrego frequentando o lugar.
A REALIDADE DA VIDA NOS TEMPOS BOLSONARIANOS
A REALIDADE DA VIDA NOS TEMPOS BOLSONARIANOS
"NO SEU TEMPO O TRABALHADOR ERA REGISTRADO, NÉ!", ME DISSE O JOVEM VIZINHO EM ESTADO DE QUASE DESILUSÃO
Um dos vizinhos lá do Mafuá, cercanias das barrancas do rio Bauru, entre a Disbauto e o CIPS é um jovem oriundo de Bariri e dividindo uma modesta residência de fundos, cada qual arcando com metade do aluguel. Esse vio recentemente para Bauru em busca da realização do seu sonho, o de viver de música. Tem uma pick-up furgão da Fiat, toda adesivada com sua foto junto do violão e seus fones de contato bem expostos. Conseguiu algum trabalho na cidade tocando o que sabe e gosta, sertanejo universitário. Cava apresentações pelos quatro cantos da cidade, desde canjas para se tornar mais conhecido, como as manjadas por couvert, onde ganha somente sobre as pessoas que comparecem ao local.
Dias atrás estava desolado, buscando forças para conseguir na lida. Ouvi seu desabafo e tentei lhe dizer algo de como éramos e no que este país se transformou. Triste ouvir ter cantado em casas por couvert, valor de R$ 4 reais, para público de doze pessoas. Foi o que ganhou naquela noite e em outras, me diz, a paga pelo show nos bares gira para ele, desconhecido e em busca de reconhecimento, algo em torno de R$ 100 a R$ 150 por noite. E elas não são tantas, talvez quatro, cinco no máximo na semana, tendo também os deslocamentos quando essas ocorrem em cidades da região. Ganha para pagar o aluguel e comer, nada mais, seu lamento.
Diante do momento nada auspicioso, tentou ir em busca de empregos. Sem qualificação definida, segundo grau concluído, tentou se colocar como vendedor em dois segmentos, consórcio e produtos de beleza. Em ambos, preencheu ficha, foi entrevistado, cumpriu todos os requisitos pedidos e quando chegou a hora de ir a campo, eis a surpresa, em nenhum mais existia o registro em carteira. Ele só ganharia comissão sobre as vendas realizadas, ou seja, poderia sair por aí, gastar o que não tem, investir em algo pelo qual o retorno, até por desconhecer ambas atividades, seria muito incerto. Não quis lhe desanimar, mas disse que o momento é difícil e, para alguém comprar um consórcio, precisa estar mesmo muito dele necessitando, ou seja, tempos nada fáceis. Conclui comparando as relações trabalhistas do atual momento, quando a Justiça do Trabalho está numa triste encruzilhada, com trabalhador perdendo a maioria dos seus direitos, o que não ocorria tempos atrás.
"Essa forma de tratar o trabalhador, não lhe dando garantia nenhuma é algo inerente aos novos tempos, escrachado neoliberalismo nos costados do pobre, chamado por seus próceres de modernidade. Nem os que trabalham com Uber, nem esses com caixas nos costados, cortando a cidade possuem nenhum vínculo trabalhista com seu empregador. Entende isso como modernidade?", disse. Esse vizinho, desde já está sentindo na pele o que vem a ser a tal modernidade pros lados de quem busca colocação no mercado de trabalho. Ele encerra a conversa com uma obervação comparativa das mais cruéis dentro do atual momento, quando o fundo do poço se aproxima a largos passos: "No seu tempo o trabalhador era registrado, né!". É...
OBS: Texto ilustrado por charges dos amigos, o carioca Carlos Latuff e o lençoense Décio de Souza.
Um dos vizinhos lá do Mafuá, cercanias das barrancas do rio Bauru, entre a Disbauto e o CIPS é um jovem oriundo de Bariri e dividindo uma modesta residência de fundos, cada qual arcando com metade do aluguel. Esse vio recentemente para Bauru em busca da realização do seu sonho, o de viver de música. Tem uma pick-up furgão da Fiat, toda adesivada com sua foto junto do violão e seus fones de contato bem expostos. Conseguiu algum trabalho na cidade tocando o que sabe e gosta, sertanejo universitário. Cava apresentações pelos quatro cantos da cidade, desde canjas para se tornar mais conhecido, como as manjadas por couvert, onde ganha somente sobre as pessoas que comparecem ao local.
Dias atrás estava desolado, buscando forças para conseguir na lida. Ouvi seu desabafo e tentei lhe dizer algo de como éramos e no que este país se transformou. Triste ouvir ter cantado em casas por couvert, valor de R$ 4 reais, para público de doze pessoas. Foi o que ganhou naquela noite e em outras, me diz, a paga pelo show nos bares gira para ele, desconhecido e em busca de reconhecimento, algo em torno de R$ 100 a R$ 150 por noite. E elas não são tantas, talvez quatro, cinco no máximo na semana, tendo também os deslocamentos quando essas ocorrem em cidades da região. Ganha para pagar o aluguel e comer, nada mais, seu lamento.
Diante do momento nada auspicioso, tentou ir em busca de empregos. Sem qualificação definida, segundo grau concluído, tentou se colocar como vendedor em dois segmentos, consórcio e produtos de beleza. Em ambos, preencheu ficha, foi entrevistado, cumpriu todos os requisitos pedidos e quando chegou a hora de ir a campo, eis a surpresa, em nenhum mais existia o registro em carteira. Ele só ganharia comissão sobre as vendas realizadas, ou seja, poderia sair por aí, gastar o que não tem, investir em algo pelo qual o retorno, até por desconhecer ambas atividades, seria muito incerto. Não quis lhe desanimar, mas disse que o momento é difícil e, para alguém comprar um consórcio, precisa estar mesmo muito dele necessitando, ou seja, tempos nada fáceis. Conclui comparando as relações trabalhistas do atual momento, quando a Justiça do Trabalho está numa triste encruzilhada, com trabalhador perdendo a maioria dos seus direitos, o que não ocorria tempos atrás.
"Essa forma de tratar o trabalhador, não lhe dando garantia nenhuma é algo inerente aos novos tempos, escrachado neoliberalismo nos costados do pobre, chamado por seus próceres de modernidade. Nem os que trabalham com Uber, nem esses com caixas nos costados, cortando a cidade possuem nenhum vínculo trabalhista com seu empregador. Entende isso como modernidade?", disse. Esse vizinho, desde já está sentindo na pele o que vem a ser a tal modernidade pros lados de quem busca colocação no mercado de trabalho. Ele encerra a conversa com uma obervação comparativa das mais cruéis dentro do atual momento, quando o fundo do poço se aproxima a largos passos: "No seu tempo o trabalhador era registrado, né!". É...
OBS: Texto ilustrado por charges dos amigos, o carioca Carlos Latuff e o lençoense Décio de Souza.
Além de tê-lo como amigo, tenho o Henrique Perazzi de Aquino como meu escritor predileto aqui no FB (o que me motiva à continuar por aqui, apesar de tanta porcaria contida no FB); adoro ler seus textos, de fácil leitura e entendimento, e também salutar para espantar a chatice do dia e do próprio FB.
ResponderExcluirMuito grato por compartilhar conosco tantas vivências e palavras! Forte abraço, meu caro!
Valério Marques Viana