quarta-feira, 5 de agosto de 2020

AMIGOS DO PEITO (176)


BAURU DESCONHECIDA DE MUITOS: MISTURAM TERRA COM ÁGUA PARA DAR AOS FILHOS
Ontem ouvi um relato me passado e gravado por Tatiana Calmon, capitaneando um lindo projeto social, o “De grão em grão”, que junta e leva alimento para as beiradas esquecidas desta cidade, enfrentando de peito aberto, não só a pandemia, como o descaso público e tantas outras deficiências enfrentadas pelos ditos invisíveis deste país. O que ouvi me fez dar um breque em tudo o que fazia, coloquei mais de uma vez gravação e paralisei. Diante de algo assim, impossível querer voltar ao normal, pois tudo é tão anormal:

“Boa tarde gente, eu fiz uma postagem hoje, não passei para todos, depois vejo se vou passar. Sábado, quando a gente terminou de fazer a entrega no Manchester uma mulher me chamou de lado para agradecer e disse que era muito grata pela cesta. Pediu pra deus dar em dobro e me falou da refeição mais inusitada que eu já vi na minha vida até agora. De tudo o que eu já vi as pessoas dizerem que comeu ou deu pro filho comer para enganar a fome, ela falou que seu menino estava com muita fome e colocou um pouquinho de terra na água para fingir que tinha alguma coisa, pra dar uma colorida na água. O menino tomou a água e dormiu.

Eu não precisei ir para nenhum lugar conhecido como miserável. Eu não precisei ir pro Nordeste, nem pra lugar nenhum pra presenciar uma das cenas mais doloridas da minha vida. Água e terra foram a alimentação dessa criança. Terrível. Estou com isso na cabeça. Sei que a atitude da gente levar algo esporadicamente é muito bom pra quem recebe é pouco, muito pouco. A miséria é muito grande. A gente pensa, como que essas pessoas não se organizam, não lutam.? Essas pessoas estão colocando terra na água. Isso é muito sério, isso é muito grave. Isso é mais do que distanciamento e isolamento social. Isso é uma tragédia, uma tragédia do sistema. O sistema é louco, o bagulho é louco, muito louco.

A casa, debaixo das arvores, com brinquedos recolhidos no lixo, e tudo bem limpinho em volta tem tanto pra contar da nossa realidade. Quando falo da dor da fome e da necessidade da constância de doação é por causa desses e tantos outros relatos, de quem convive todo dia com a necessidade. Um pacote de arroz e de feijão, faz muita diferença para quem nada tem. De grão em grão sempre! Doe.


Tinha colocado inclusive a foto da casa da pessoa onde aconteceu isso, mas removi essa foto, porque tive numa outra postagem, um dia falando de uma criança que sonhava ter uma coca-cola. Postei a casa e as pessoas foram lá levar coca-cola para aquela criança e as outras crianças não receberam. Aí, as outras mulheres que moram lá, que tem o nosso contato, pediram pra gente não fazer mais isso não. Não dar nada escondido pros outros. Nós deixamos lá no Manchester cestas para sessenta famílias, mais ou menos. Entre o Manchester, um pedaço que a gente chama de Angola e o Barreirinho, mas, é difícil, viu gente. Fico falando das pessoas acompanharem a gente nessas entregas. É importante expandir essa realidade tão próxima da gente pra outras pessoas. Beijo e vamos em frente”.

Pouco depois, leio relato de outra participante do grupo, Priscila Lellis Krupelis:


“Sabe quando acordamos de madrugada com fome? Abrimos a geladeira, o armário, beliscamos algo e voltamos a dormir. O Kauan, uma criança, acordou com fome de madrugada. Mas não tinha nada na geladeira nem no armário. Para enganar a fome ele tomou água com um pouco de terra. Sim, TERRA! Isso não aconteceu em um país distante, conhecido pela tristeza da miséria. Aconteceu aqui. Brasil, São Paulo, Bauru. Semana passada. Uma das famílias que ajudamos. De cortar o coração. Nos ajude a ajudar. Doe. Toda contribuição é bem vinda. O que pode ser pouco pra nós, pode ser tudo para outros. De grão em grão...”.

Cada um vive no seu mundinho e com infinidade de problemas, de toda ordem e tipo, dribles diários, contínuos, mas existem os em muito pior situação que a nossa. São frutos de descaso secular para com os desvalidos deste país, renegados em viver num apartado mundo, onde quase não temos contato. Quem tem, como Tatiana e Priscila, Faneco e seu grupo, alguns outros nos trazem relatos aterradores e assim tomamos conhecimento do que se passa nas rebarbas da cidade. Pressionar os poderes públicos, todos eles, municipal, estadual e federal, para fazer o que lhes é obrigação, lutar por política pública contemplando esse olhar e ação social, mas também, na ausência destes, fazer algo de imediato, já, agora, neste exato momento. O contato do “De Grão em Grão” está num banner publicado junto a este texto. Ficar estarrecido não basta...

BEIRUTE, LÍBANO – BAURU, BRASIL
Escolho uma única foto para representar o que sinto neste momento com a destruição do porto e parte considerável de Beirute, Líbano. Escolho uma das tantas fotos do facebook de Christina Assis, Foto-Editora na empresa AFP News Agency, amiga de meu amigo chipriota Alex Mita. Tenho pelo Líbano um desejo incontido de por lá algum dia poder ir bater perna e perambular pelas ruas, algo possível diante de um Oriente Médio obscuro e cada vez mais inacessível. Por lá, ainda convivem todas as tribos e com alguma compreensão entre elas. Ali ao lado, parede meia, Israel, que na situação atual não quero conhecer nem de graça. Já Beirute, desde os tempos da guerra que a destruiu e depois todo o processo de recuperação, algo lento, mas conseguido com sangue, suor e lágrimas. Teve momentos alvissareiros depois de já recuperada, mas decaiu e a classe política sempre tem muito a ver com a decrepitude e caminhos escolhidos e percorridos. Como sempre gostei de ruelas cheias de povo, mercados populares e conversa fiada nas ruas, via ali essa rara possibilidade por aquelas bandas e isso me atraia consideravelmente. Tenho uma infinidade de baita amigos de origem libanesa, a maioria trabalhando no comércio, vendedores natos, conversadores como poucos, bons de lábia. Pelo menos os de minha proximidade, sem muita decepção. Conheço outros pelos quais nem quero chegar perto, mas isso não é exclusividade deles, existindo esses em qualquer nacionalidade e agrupamento humano.

Um que me recordo agora, gosto muito é o Hamilton Suaiden, batalhador demais da conta, hoje enfrentando o corona com a cara e a coragem com sua lanchonete vendendo espetinhos ali na Primeiro de Agosto, quase esquina com a Treze de Maio. Ele descobriu um nicho de mercado para conseguir ir pagando suas contas, os hóspedes dos hotéis a lotar o centro da cidade e para estes abre suas portas até mais tarde, ele ali na beirada da calçada, com avental fixo na cintura e suando, entrando e saindo, batendo um bolão, assando, servindo, recebendo e depois faxinando o lugar. Eu o chamo de Turco, como são chamados por nós quase todos os libaneses e todos os demais daquela região do mundo. Neste momento eu olho para ele, seu narigão, lembro do ocorrido e queria ir lá hoje, não para comer um churrasquinho ali na calçada, mas para abraçá-lo, assim sem que ele saiba dos motivos. Ele deve estar um bocado ferido por dentro e daí junto da foto do homem ensanguentado lá em Beirute, posto uma dele, o Turquinho, de Pompéia, mas já mais que bauruense, um libanês de responsa. Com esse abraço virtual, rendo meus sinceros sentimentos para os libaneses, todos entristecidos, primeiro com a situação atual do seu país, como o nosso, um tanto encalacrado e depois, diante do ontem ocorrido, mais acabrunhados impossível. Turco, eu te amo, meu caro. Estamos juntos, mesmo distantes.

2 comentários:

  1. COMENTÁRIOS FACEBOOK BEIRUTE BAURU:
    Ezequiel Rosa - querem acabar com a nossa fé em dias melhores, que mentes maldosas cometem essas coisas terrivéis?

    Helena Aquino - Meu abraço aos libaneses que por aqui vivem.
    Força Turco, Hamilton Suaiden

    Jose Fernandes - Os libaneses sao os lendários fenícios mercadores por natureza sempre comprando e vendendo pelo que ja li eles estiverem no Brasil antes de Cabral no Rio de Janeiro na pedra da gavea tem indícios dos mesmos com palavras árabes
    Nos anos de chumbo ainda em 1975 conheci um companheiro de esquerda o mustafinha e ele dizia vou detonar os caras do ccc kkkkkkk e eu não me esqueço desse companheiro de luta descendente de libaneses

    Fernanda Farias Lima - Meus sinceros pesar à tds os Libaneses desse triste acontecimento q tanto nos comoveu.😢
    E um grande abraço a essa pessoa querida q tenho muita. consideração: Turquinho, Hamilton Suaiden!!

    Luiz Antonio Colpani - Meus queridos amigos libaneses,o que nao lhe falta e garra.irao superar mais esta terrivel,e dolorosa situaçao.tamo junto.

    Edgar Madalena - Quase chorei com esse depoimento. Meu amigo turquinho fazendo amigos em todos lugares. Um abração meu querido. Esse desastre é mais uma faceta do descaso que o governo, não importa o país faz com o seu povo.

    Terezinha Ramos - Que linda declaração de amor por esse nosso amigo, o Caçulinha, o turquinho, filho de um casal que admiro muito Nossas orações aos irmãos libaneses.

    Eliane Suaiden Dario - Meu irmão que Amo

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  2. COMENTÁRIOS FACEBOOK TERRA AOS FILHOS:
    Vilma Padilha - Uns tanto, outros nada.... triste isso...

    Carla Lisboa Porto - Doeu de ouvir...

    Cláudia Guaraldo - quando entregamos cestas naquela ação que fizemos de alimentos e kit higiênico vimos muitas famílias assim inclusive entregamos no Manchester também é de cortar o coração, porque não temos noção o que é isso, é disso que eu estava falando naquela minha postagem os 600.00 que o governo libera vai pra pessoas que não precisam e fazem festa, os de bem estão literalmente comendo terra...

    Priscila Lellis Krupelis - O abismo social é enorme. Alguns com tanto, outros com nada. Cada pequeno gesto faz a diferença. O certo seria que eles não precisassem dessa ajuda, mas não conseguem, pois quem poderia fazer algo mais efetivo, não faz... Tapamos buracos, apagamos incêndios, damos um pouco de alívio...

    Denise Amaral - Fiquei muito triste com tudo isso...estou muito triste com tudo isso.😥

    Juliana Barquilha - Pior de tudo é saber que é verdade. Ter visto essa cena. "Água de chocolate tia" falavam sorrindo! 😪

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