quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

COMENTÁRIO QUALQUER (209)


SILVIO, NÃO EXISTE COMO, É A CARA DA DISCOTECA DE BAURU*
*Cada texto publicado hoje por este mafuento HPA tem que ser seguido de um guia de justificativas, no meu caso, devido à Covid, inevitavelmente, pois decidi me recolher e como continuo escrevendo de pessoas, como seu deu o reencontro.

Fui ao supermercado Confiança Nações dias atrás e na entrada, reconheço alguém por detrás da máscara, pois se trata de velho conhecido, convivência estreita de décadas atrás. Ele também me reconhece por detrás da necessária e obrigatória indumentária na face, o que não impede de nos cumprimentarmos com um leve toque de cotovelos. Na sequência a inevitável pergunta: "Como vai?" e a mais esperada resposta: "Tudo bem, sobrevivemos e cá estamos". Não passou disso e além da incontida vontade de conversar, assuntar mais, fiquei com algo encucado e aqui declaro: Vou logo mais atrás do SILVIO FARIA, para tentar gravar um bate papo com ele resgatando uma das histórias mais inebriantes destas plagas, a da loja de discos mais famosa da cidade, a DISCOTECA DE BAURU, que por perto de 50 anos, encrustada ali na Virgílio Malta foi o oásis do quesito musical da cidade.

É inevitável a cada reencontro com o Silvio, a lembrança da Discoteca, pois ele - pelo menos para mim e para legião de declarados fãs do que representou o lugar -, mesmo com a passar dos anos, tanto tempo já do seu fechamento, mas nunca perdendo o fascínio e a boa lembrança. Já contei aqui mesmo em alguns outros posts, algo sobre essas boas lembranças e ao reencontrá-lo, primeiro a alegria por vê-lo também como sobrevivente desses tempos de confinamento e depois, para agilizar a conversa sobre o que tem para contar sobre o que rolou por lá, desde os tempos de sua mãe, depois ele no comando da loja. Eis o link com o que já escrevi dele no blog Mafuá do HPA: https://mafuadohpa.blogspot.com/search?q=Discoteca+de+Bauru

Para mim, Bauru possui muitos marcantes personagens e de todos estes, poucos contaram, deixando registrado algo de sua participação na história desta cidade. Alguns já se foram e essa lacuna nunca mais será preenchida e dos que restam, muitos como o Silvio estão pela aí, com tudo guardadinho na memória e se ninguém for lá destrinchar, ajudá-lo a colocar pra fora, são histórias que se perderão com o passar do tempo. Inevitável eu ao olhar pro Silvio me ver lá vasculhando aqueles balcões de discos, principalmente de LPs e muitos deles ainda comigo, na coleção deste mafuento. O selo da loja, renovado a cada ano, sempre da cor prata, com o ano da inauguração e o do em curso, acrescido de quantos funcionando. Marcaram uma época e depois dele, algumas poucas lojas de discos continuaram resistindo, duas na Batista de Carvalho e a do Marcão lá no Bauru Shopping, todas já fechadas. Hoje, em algumas poucas, balcões com CDs e mesmo LPs, fora os sebos, estes com muita coisa da antiga. Dos áureos tempos, Silvio deve ter uma rica história para contar e verei com ele se logo para o início de janeiro, posso tentar dobrar, driblar sua timidez e fazer com que grave algo para a posteridade.

OBS.: A foto dele é minha e foi tirada em 2017 quando o segui, cerquei e fotografei zanzando pela Feira do Rolo, circulando pela Banca do Carioca, pasmem, em busca de LPs. O rei dos LPs estava em busca de algo mais por aquelas paragens.

SEU MARCOS E COMO VAI SER O NATAL DA IMENSA MAIORIA DOS BRASILEIROS*
* Tempos atrás, perto de uma década, a cada ano enviava um texto com esse espírito para o Jornal da Cidade e eles me publicavam com destaque no Primeiro Caderno. Fizeram isso por uns quatro anos seguidos, depois pararam com a alegação da mudança da diagramação e falta de espaços. Eu, cá do meu lado, continuo produzindo algo parecido, com o mesmo teor a cada final de ano. Eis minha história natalina para este final de 2020.

Voltei a me fechar em copas, ou seja, saindo para o estritamente necessário e numa dessas escapulidas, como faço sempre, tento ter o mínimo de contato possível com as pessoas à minha volta. Adoro ruar e circular, conversar, prosear e conhecer gente nova, mas não está dando e o melhor é evitar riscos, pois o Covid não nos abandonou. Na segunda, 21/12 estaciono o carro na Batista, quadra de baixo da praça Rui Barbosa, pois numa olhada vi que não havia fila na Casa Lotérica ali existente. Quando ia descendo do carro, um senhor muito simpático me dirige a palavra e diz sobre o adesivo que tenho colado no vidro traseiro do carro, sobre a Defesa do SUS. "Gostei demais desse adesivo. Fui operado do coração pelo SUS e o atendimento foi excelente. Nada a reclamar, só a elogiar. Nota 20, tenho orgulho de falar disso, por isso parei só para te dizer isso", me diz. Puxa conversa, vejo que quer falar mais. E fala. Pergunto se não tem medo dos riscos todos de estar na rua. Passa a explicar sua situação pessoal. "Quer o que? Fui lá no Hospital Estadual buscar meu remédio, o Tramal, esse um deles e não tem em estoque. Não posso ficar sem ele e daí me ponho novamente nas ruas, saio em busca de alguma solução. Nada é por acaso e ao me deparar com o adesivo no seu carro te vejo como alguém sensível, parei para conversar".

MARCOS VIEIRA, 70 anos, casado há 43 anos e feliz no relacionamento, mas cheio de dificuldades. Mora num lugar privilegiado, perto do Bauru Shopping, na rua Saint Martin e com seus parcos recursos, faz pães, primeiro para consumo próprio, depois para aumentar seus ganhos e assim tentar cobrir suas despesas. "Velho tem muitos gastos, quase todos com medicamentos. Isso consome quase tudo que ganho e se não me virar não como", diz. Digo que posso ajudá-lo, mas estou indo para a Casa Lotérica pagar contas e na volta, com certeza terei algo. Ele pede se pode me esperar voltar e ao olhar dentro do carro vê uma edição daquele dia do Jornal da Cidade em cima do banco e não resiste: "Posso ficar lendo enquanto lhe aguardo?".

Vou e na volta ele ali diante do carro, me devolve o jornal e faz questão de mostrar a manchete que mais lhe chamou a atenção: "O povo todo numa miséria de dar gosto e o prefeito de São Paulo, Bruno Covas recebe de presente de Natal um aumento de 40% no seu salário. Isso é um insulto para gente como eu, fazendo das tripas coração para sobreviver". Falo que sou jornalista e que escreveria dele, peço permissão para as fotos e lhe digo se tem como ver o resultado. Ele levanta a camisa, mostra seu pequeno celular pendurado na cita e diz: "Meu filho, o meu só recebe, é dos antigos, não tenho dessas modernidades". Peço seu fone para anunciar dos pães e me passa, agradecendo pela atenção: 14.99837.1250.

A história do seu Marcos é a de muitos à minha volta e foi algo pescado num rio cheio de peixes de igual teor, todos com algo parecido para nos relatar. A dor que qualquer pessoa sensível sente nestes embates pelas ruas, dessas aproximações em forma de mão estendida, um clamor pela ajuda, algo feito com muito sofrimento é de doer na alma. São tantos e todos, cada qual com algo parecido, sem esperanças, fazendo de tudo e mais um pouco para tentar ir driblando as adversidades. Ele volta a insistir no "nada nessa vida é por acaso" e tenta dizer mais, contar mais, quer aproveitar a oportunidade, expor, mostrar e ser ouvido. Eu, cheio de não me toques, não consigo ser indiferente e mesmo demonstrando a necessidade do distanciamento, ali permaneço. Ele fala, mantemos distância, ambos mascarados e saio dali arrasado, reflexos alterados e de lá vou direto para casa, contar pra Ana do ocorrido. Ela me chama de louco, me faz tomar banho - como sempre faz a cada retorno meu da rua - e também sensibilizada, estamos cada vez mais cientes de que, este país tomou um rumo na descendente, caminho sem volta, cabeças e atitudes no desalinho, desGoverno insano em todos os níveis e o povo cada vez mais no desespero, clamando por migalhas que os possibilite continuar obtendo um mínimo, estes não só para alimentação, mas comprando seus remédios. Como passar um Natal, mesmo que entre duas pessoas como farei eu e Ana, feliz diante de tudo isto à nossa volta?

MAS ENFIM, QUEM É SEU MARCOS?
- "Apenas para ilustrar: Esse senhor é o Marcos Litivac, ex-funcionário do Banco do Brasil, que já teve posição bem mais confortável da que vive hoje, precisando vender pães para complementação da renda", Nelson Redondo Arjonas.
- "Recebo ligação de amigo, me contando a história do seu Marcos, dono de várias propriedades na cidade, dos tempos quando ele estudava na faculdade e era inquilino dele. Daí em diante, hoje se mantém somente com a casa onde mora, seu único refúgio. São as voltas dessa vida e ele, fez questão de pousar para as duas fotos, uma tirou a máscara diante do adesivo do carro e pediu para que divulgasse seu fone para a revenda dos pães, HPA.
- "Conheci o Marcus nos tempos áureos... Comprava carros numa revendedora onde eu era caixa... Nunca... Jamais se o visse na rua o reconheceria!! Me lembro que um dia me chamou a atenção por chamá-lo de Marcos.!!É Marcus Litivac.. Descendente de suecos, por favor! Boa sorte a ele!!Trabalho digno não desonra ninguém...!!", Maria Veras Prestes Pereira.
- "Esse senhor sempre teve muitos bens na região central de Bauru, mas mesmo assim sempre dando golpes nas pessoas, meu pai foi um deles, na emoção, pois sempre com o mesmo argumento, que a esposa está doente com câncer.....se está desse jeito hoje e por merecer, pois o golpe ele dava nas pessoas que de alguma forma o conhecia", Ana Monteiro.
- "Vi sua publicação. Esse senhor já foi na Unesp e eu e muitos docentes já compraram os pães dele, principalmente pela sensibilização após a história que ele conta de que sua esposa está com câncer e vende os pães para ajuda-la. Eu comprei muitos pães após isso, principalmente porque minha mãe teve câncer e faleceu disso e sei bem como é caro e complicado. O problema é que descobrimos que a esposa dele não era doente e após isso ele nunca mais voltou na Unesp para vender os pães. Acho que por ele nunca mais voltar essa história se confirma. Não posso confirmar para você que ele mentiu em tudo e nem quero julgar ninguém, mas ele mesmo confirmou o caso não indo mais lá, até porque comprávamos muitos pães e o ganho era bom...enfim, espero que eu esteja errada, ou que talvez a história verdadeira apareça. Abraços!", servidora da Unesp Bauru.
- "Leio os vários relatos, inclusive alguns pelo reservado e tiro minhas próprias conclusões. De tudo o que ouvi, nada desmerece minha história, meu relato, após o que ouvi do seu Marcus. Ele me sensibilizou e isso me basta. Sua história me encantou e não existe mentira no que me contou. Ele hoje, mora num bom lugar da cidade, o último imóvel que lhe restou e quase sem recursos, busca medicamentos no Hospital Estadual e vende pães. Li relatos dele vendendo pães em muitos lugares, da redação do JC ao campus da Unesp. De seu passado, leio e não me arrependo do escrito, pois fiz algo sentido e ele idem, ao meu lado relatando suas necessidades atuais. Se fez e aconteceu no passado, quem sou eu para julgar e o ignorar. Enfim, vivemos no país dos golpes, onde eles se sucedem a cada instante e muitos não causam nenhum rubor. Junto tudo, o passado e o presente no mesmo balaio e cada um traça sua história como consegue. Adoraria reencontrá-lo e se me permitisse escrever algo a mais. Talvez o faça, se ele assim permitir, mas sem culpabilizá-lo por nada, mas produzindo um relato de vida. Essas histórias quando contadas num todo, com começo, meio e fim são inebriantes. Quem não possui uma história cheia de altos e baixos para relatar e vivendo onde vivemos, não viveu nada de inebriante na vida. Cada um carrega seus feitos e também as culpas. Toquemos o barco", HPA.

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