quarta-feira, 26 de maio de 2021

CARTAS (228)


BAURU VIVE MUITO DO “QUASE” – E O PROJETO ESTAÇÃO EDUCAÇÃO, ONDE FOI ENFURNADO?
O ex-prefeito Clodoaldo Gazzetta pode ser criticado por um monte de coisas, muitas pelas quais deixou de fazer, outras pela falta de empenho, noutras por não ter lutado a contento, em alguns casos por desinteresse em algumas questões e assim por diante. Eu mesmo já o critiquei inúmeras vezes por aqui e na maioria das vezes pelo seu envolvimento neoliberal, aliado dos tucanos, os quais sempre manteve relações próximas e, por fim, se filiou e com estes foi até o final do seu mandato. Críticas não faltaram, mas de algo não se pode negar, ele sempre esteve aberto ao diálogo. Ele podia não nos convencer e nem nós a eles, mas a conversa fluía. Muitos o anunciaram como um dos piores prefeitos da História de Bauru. Mensurar isso é difícil, discussão inócua e irrelevante. Hoje, passados uns 130 dias do desgoverno fundamentalista da novíssima (sic) prefeita Suéllen Rosim, já deu para se perceber que algo mudou no quesito relacionamento cidade/prefeito e para muito pior. Diria, imensamente pior. Diálogo é algo impensável, pois depois de três anos de mandato de Bolsonaro, ela sendo da mesma estipe e alinhamento político, o que se espera dela é o mesmo que dele, ou seja, NADA DE BOM.

Hoje mesmo vejo um deputado bolsonarista carioca apresentando projeto para extinguir uma universidade conceituada. As alegações são as mais bestiais e todas, uma por uma, se enquadram em como esse segmento miliciano, sectário de ultradireita enxerga tudo o que possa contribuir para educar e melhorar o discernimento da população. Manter tudo dentro de um padrão de emburrecimento é o natural, pois assim se prolongam no poder e ninguém fica sabendo de fato de como estão se dando o desenrolar dos acontecimentos. Aqui em Bauru, com a chegada deste pessoal ligado umbilicalmente ao Patriotas, a Bolsonaro e a ultradireita, tudo o que podia ter sido encaminhado e concretizado, tudo bem, ótimo. Agora, tudo o que ainda estava pelo caminho, muitas vezes até bem encaminhado, pode esquecer, pois ao passar pelo crivo dos novos administradores, visão estreita e tacanha diante das necessidades de desenvolvimento, tudo brecado, jogado na lata do lixo. A novíssima sentou na poltrona do poder, ou melhor sentou em cima de tudo o que estava encaminhado. Na área da Cultura todos tomaram conhecimento do corte, sem dó e piedade, nos projetos em andamento para fazer caminhar boa parte da classe artística.

Aqui conto outro e tenho que citar o ex-prefeito Gazzetta, pois ao menos o projeto existe, estava tentando ter tramitação normal. Trata-se de algo realmente revolucionário para Bauru, a “Estação Educação – Projeto de Reforma e Restauro da Antiga Estação Ferroviária da NOB”, ali junto da praça Machado de Mello. A grandiosidade do projeto envolvia não só a estação, mas todo o quarteirão do lado de cima da praça, quase todo deteriorado e, assim como a estação, chaga aberta no centro velho da cidade. Um baita estudo e projeto foram realizados e estavam em andamento, com a Secretaria da Educação tendo adquirido a área envolvendo o quarteirão entre a praça e a avenida Rodrigues Alves, possibilitando também o restauro de imóveis/hotéis tombados pela patrimônio histórico. Segundo Gazzetta, em depoimentos dados ano passado e também neste, “a coisa estava andando, tramites normais e lembrando que o dinheiro estava assegurado no QASE da Educação”. Havia um montante já disponibilizado e ele informa: “Deixei 23 milhões para essa finalidade”. Pelas fotos aqui apresentadas alguns dos 26 slides do projeto e grandiosidade da obra, o que seria contribuição primordial para revitalização do centro velho de Bauru.
Escrevo isso tudo e volto a dizer, projetos como esse estão acima de divergências políticas e não existindo possibilidades de desvio de função, superfaturamento, gastos desnecessários, desembolsos fora do combinado, aditivos despropositados, creio que, mesmo vindo de um adversário político, o mais sensato é sentar, conversar, debater e ajudar na viabilização. Penso desta forma e jeito. Olhei o projeto a fundo, vi como se daria o envolvimento do primo rico da Prefeitura, a Educação e achei tudo dentro de algo mais do que possível de acontecer. Bauru perdeu por preciosismo o restauro da Estação da Sorocabana e um conjunto de prédios residenciais no pátio junto da avenida Pedro de Toledo e agora, pelo que se percebe, está perdendo mais essa rica e única oportunidade. Se Gazzetta diz ter deixado reservado ou mesmo em caixa R$ 23 milhões para o pontapé inicial, devia existir no projeto o entendimento de como isso poderia se estender com mais recursos. 

E as perguntas que não querem calar agora, passados esses 130 dias de Suéllen são essas:
- por que não se fala mais neste projeto?
- ele vai ter solução de continuidade ou foi devidamente engavetado?
- e o que foi feito dos R$ 23 milhões a ele reservados?
Conclamo a Seplan, Obras, Jurídico, Finanças, Educação, setores de engenharia, arquitetura, ouvidoria, caladoria, “turma do amendoim”, faladores de plantão e tudo o mais para me ajudar a desvendar o que foi feito de tudo isso. Será perderemos mais essa chance de alavancar algo de louvável para Bauru? Não é possível. Sabemos por A + B que, com Suéllen a coisa precisa ser explicada didaticamente, convencimento para mastodontia, porém, diante dos fatos apresentados, até hoje não vi nenhuma justificativa, ou seja, não vi, li ou ouvi nada sobre esse projeto. Nem preciso dizer e me alongar nas possibilidades de tudo o que estava programado para ali acontecer, se de fato a coisa estivesse em curso, mas enfim, O QUE FOI FEITO DE DEVERA (De Vera)?

ADMIRAÇÃO PELO “CENTRO POP”
Nestes dias de angústia e onde estive devastando Bauru em busca do meu perdido cão, o Charles, felizmente já achado, vasculhei e revi muitos lugares. Conheci o CENTRO POP (Centro de Referência Especializado para população em situação de rua) quando estava na baixada da vila Falcão, naquela área que, infelizmente alaga, num amplo barracão, junto da rua Alfredo Maia. De todos os lugares da Prefeitura Municipal de Bauru este tem por mim uma admiração mais do que intensa e profunda. Tenho um especial carinho pela população vivendo em situação de rua. Dantes a gente denominava tudo e todos como “moradores de rua”, mas as nomenclaturas mudaram e hoje, dentro do politicamente correto, ficou acertado que o termo poderia denotar algo pejorativo e daí, os entendidos desses assuntos decidiram por “moradores em situação de rua”. Para mim tanto faz um ou outro nome, pois o que vale mesmo é a situação onde se encontram essas pessoas e a atenção a elas dispensadas.

Lembro aqui que mais de duas décadas atrás, um amigo que faz tempo não tenho mais notícia, certa feita me convidou para ser voluntário do Albergue Noturno. Fui com ele numa das noites e aquele universo me encantou, pois justamente naquele dia me deparei com um “viajante do tempo”. Foi para mim inesquecível aquela experiência. O cara já tinha viajado boa parte da América Latina e de passagem por Bauru, adorava contar histórias. Adoro os contadores de história e muitas vezes me deixo levar por estes, mesmo quando percebo estarem em engambelando, me levando na conversa. Sou “facinho” nisso de ser levado no bico. Na maioria das vezes até percebo, mas o interessante mesmo é ir deixando a coisa acontecer e ver onde vai dar. Naquela noite o cara contava histórias mais mirabolantes do que as tomei conhecimento o Che Guevara havia vivido nas andanças de motocicleta pelos descaminhos desta insólita América do Sul.

Eu sempre quis estar envolvido com esses estradeiros, esses tantos sem eira nem beira e conviver um pouco mais com estes todos. O tempo passou, creio já estava casado, tinha filho para criar, obrigação de trabalhar e sustentar família. O tempo passou e até hoje toda vez que passo diante do Albergue, ali na rua Inconfidência e vejo aquele amontoado de pessoas, fico a matutar comigo mesmo: como seria legal trabalhar num ambiente destes e não só me dedicar com afinco no entendimento da coisa, no trato para com este semelhante, mas também pela rica possibilidade de ouvi-los. Até hoje tudo isso continua no meu imaginário. Talvez um dia, quando adquirir mais coragem me inscrevo como voluntário e passe lá umas boas noites semanais. Se continuar dando tempo ao tempo, já nos meus quase 61 anos, talvez não mais consiga realizar o sonho, mas sei também que nunca é tarde para continuar pensando em como viabilizar a coisa.

O fato é que na semana passada, justamente quando estava na captura do meu cão fujão, passei pela casa de rações da Baixada do Silvino, onde compro rações, a do amigo Lúcio e ele, além de fixar cartaz por lá, me proporcionou o algo mais e dele escrevo. Fui com ele até a virada ali da esquina da Araújo Leite, já na Nuno de Assis, no novo endereço do CENTRO POP, que até então não conhecia. Fiquei maravilhado. Não sei quantificar se estão ou não num local adequado, se falta algo, se as instalações são suficientes, mas o que vi ali logo ao abrirem o portão e nos permitir o acesso foi para mim inesquecível. De cara um imenso pátio e ali muitos dos de rua descansando, tendo ali a possibilidade de lavar suas roupas e enquanto essas secam, descansam como podem, colchões e mantas espalhadas. Todos eles com cães. Percebi nestes dias que a coisa mais difícil nas ruas é se deparar com morador de rua sem a presença de um cão. E todos se dão maravilhosamente bem. São bem tratados. Desconheço um morador de rua que trate mal seu cão. Vi muito amor entre eles nesses dias de busca do meu perdido pelas ruas.

Lá no fundo do espaço, algumas salas e muitos circulando pela aí. Vi alguns com canecas, tomando café e comendo pães. Muitos atendimentos de várias espécies ocorrem por ali diariamente, encaminhamentos variados e mais do que uma “Ouvidoria”, pois pelo que se percebe, todos querem muito conversar, contar, pedir, gesticulam e estão ali muito em busca de um pouco de carinho e atenção. E de todos os funcionários envolvidos, pelo menos nos que vi, todos mais do que atenciosos. De algo tenho certeza, para trabalhar junto a estes, se faz necessário gostar, entender e ter disposição. Enquanto aguardava ser atendido, meus olhos correram por tudo e do que vi, só elogios. Gente valorosa, estes trabalhando ali. Muitos nos rodearam, pois como circulam pelas ruas, sabiam de antemão que, se tivessem notícias do perdido, ganhariam algum. Ao sair, vi vários em volta do cartaz ali fixado. Na parte da tarde do mesmo dia, passo do outro lado do rio e vejo duas veraneios da Polícia Civil ali estacionadas e uma pessoa sendo conduzida para a caçamba – ou porta-malas de um dos carros e isso não me assusta. Malandros existem em todos os lugares e ali não poderia ser diferente. Já me imaginei ouvindo as histórias deste que se foi. O que terá feito? Nada tão aviltante, mas como se sabe, pobre é desprovido de direitos e o lugar destes é na caçamba e nunca na garupa. Enfim, tudo são histórias e ali uma fonte inesgotável delas.

Passado uma semana do retorno do meu cão ao lar, hoje decido escrever do CENTRO POP e das lembranças do que presenciei, uma só certeza, a de estar mais do que disposto a lá voltar, talvez com uma espécie de salvo conduto, com liberdade para não só observar, mas conversar e escrever destes todos. Vou assuntar dessas possibilidades. Agora, meus caros, inevitável, toda vez que passo ali pela Nuno, torço o pescoço e até paro o carro por instantes e me ponho a olhar lá para dentro em busca de encontrar o elo perdido, as histórias que valem a pena sua descrição por inteiro. Desta vez que lá estive, estava me esquecendo, encontrei uma pessoa conhecida. Ela me reconheceu, se aproximou e perguntou: “Está me reconhecendo?”. Sim, estava e o disse de onde, garçom em alguns lugares da cidade. Eu já havia o visto na praça Rui Barbosa quando do último desfile do bloco do Tomate e sabia estava na rua. Infelizmente continua. Sua história deve ser das mais tristes e nem sei onde pernoita, se no albergue, debaixo de alguma ponte ou marquise. O que sei é que faz parte hoje das estatísticas dos que vivem nas ruas. Eles possuem muita disposição para contar suas histórias e pelo que me dizem, são tão poucos os dispostos a ouvi-los de fato. Creio que, já escrevendo sobre os do Lado B, como me disse outro dia a amiga Amanda Helena, "esses são o Lado C ou D, meu caro". Concordei e isso mais me estimula.

É TUDO OU NADA

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