1.) O BLOCO "BAURU SEM TOMATE É MIXTO" ESTÁ DE LUTO COM A PERDA DE SUA INSUBSTITUÍVEL MUSA MÁRCIA PESTANA MOTAEla foi, é e será sempre uma brava guerreira, servidora municipal dentro da antiga e em sua época reluzente Casa dos Conselhos Municipais, depois brilhou ao nosso lado, em vários anos desfilando com galhardia junto dos tomateiros. Baluarte de nossa luta, se foi deixando aquele vazio imenso no peito de todos nós, os que não só pela admiração eterna como por segui-la. Essa legião de tomateiros hoje estão mais do que acéfalos, pois desorientados sem a presença dela entre nós, como no nosso último desfile pelo Calçadão da Batista em 2020. Neste ano, 2021, mesmo sem sairmos às ruas, ela teve presença significativa e marcante como MUSA de todos nós. Com ela parte de nossa alegria se esvai entre os dedos. Logo pela madrugada a notícia: "Ola querido. É a Andreza, nora da Márcia Pestana. Passo aqui para informar que ela está se despedindo dessa vida. Estamos com cuidados paliativos. Ela está a base de morfina. Sem dor física. Agora aguardamos o conforto espiritual. Coloquem ela em vossos pensamentos. Gratidão. Dona Márcia descansou...".
HPA, pelos tomateiros de plantão, quarta, 7H25, 02 de junho de 2021.
Ela já estava desenganada e necessitava fazer mais uma cirurgia, porém, pessoa mais do que vivida, pesando aproximadamente 30 quilos, sofrendo muito, dores e vendo sua situação só se agravando decide: “não vou mais operar de nada”. E assim foi feito, ela a partir daí, tudo foi feito para amenizar seu sofrimento. No domingo passado, sua medicação para as fortes dores eram doses de morfina. Ela dormia e acordava, sem nunca ter perdido os sentidos. Quando acordada, lembrava de todos. Pedia para que não esquecessem do horário do medicamento do marido, pois este diabético. Do filho Jonas, para que não o deixassem sem comer. À noite, acordada, junto do filho Daniel e de sua esposa, diz algo assim:
- Pede para o Henrique ir embora, ele já ficou muito tempo por aqui.
- Que Henrique, mãe, o Perazzi? – pergunta Daniel.
- Sim – ela responde. Ele já ficou muito tempo aqui e deve estar cansado. Ontem deve ter estado na manifestação e deve ter muita coisa para escrever. Peça para ele ir descansar.
Eu não estive no hospital e nem poderia, mesmo que quisesse, mas ela se lembrou de mim e isso é um dos maiores reconhecimentos que tive em vida, ou seja, algo mais do que aproveitável que fiz ao longo dos meus 60 anos de vida. Marcia me enxergou ali no quarto do hospital, estava preocupada comigo. Eu fui no velório e pretendia ter uma breve passagem, enfim, ainda estamos em tempos de pandemia. Prostrado, resolvi no ato: ficaria todo o tempo do mundo. Chego lá com uma foto dela no último desfile do bloco do Tomate no Calçadão, em 2020, quando quase já chegando na praça Machado de Mello, braços abertos, sorri, tendo numa das mãos uma garrafa de água e noutra sua bengala – hoje herdada por uma de suas mais fiéis amigas, ali do lado do caixão o tempo inteiro. Escrevo algo na foto, “Saudade dos Tomateiros – Te adoramos 02/06/2021” e entrego a foto em tamanho grande, formato A3 nas mãos do Daniel e ele coloca junto ao caixão. Digo precisar sair, pois quero também pedir em nome do bloco uma coroa de flores. Ele me diz: “Deixe disso e se conseguir uma faixa, cartaz ou qualquer coisa escrita FORA BOLSONARO tem mais a cara dela”. Comprei a coroa e nela pedi para escrever bem grande “Os tomateiros te amam de paixão” e lembrei que no carro tinha ainda uns adesivos sem utilização, dados a mim pelo pessoal da Apeoesp e com o que ela gostaria de ter ali junto dela neste momento. Volto ao salão e entrego para o Daniel e ele também coloca junto dela. Ele me diz: “é assim que ela queria estar e assim está”.
Passo o resto da manhã ali e revejo gente querida. Os familiares todos, Washington Pestana que ainda não conhecia, nem o Jonas o outro filho. Não mais que umas vinte pessoas por ali passam e todos bem próximos. Cito só alguns, Rosana Fregolente, jornalista hoje na Emdurb, o Wagner da CSA – Comunidade Sustenta a Agricultura, o sindicalista Ismael, hoje morando em Agudos, Rita Bordini e Tatiana Calmon. Reuni muitas histórias dela ao longo do que pude conversar, mantendo a distância, todas bem dentro do que sempre soube, uma brava guerreira, dessas que não entregou os pontos sequer um minuto. O agravamento de sua saúde, já debilitada nos últimos anos se deu de forma mais acelerada depois do Bolsonaro ter chegado ao poder (“como possibilitamos algo assim”, perguntava sempre) e do falecimento de Roque Ferreira. Todos estamos mais do que doentes, uns resistindo mais outros menos, eis a questão.
Padre Matheus Brito, da Humanidade Livre, a pedido da família vem falar palavras não só religiosas e no final entoa um “Fora Bolsonaro”. “Ela é uma ideia ambulante, espírito de esquerda que não morre”, disse Matheus. Eis o link de sua fala: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/4598036056893034. Tanta coisa volta à mente e a lembrança de dois meses atrás, ela já enfraquecida, eu tentando a entrevistar para o Lado B, ela renegando e com uma justificativa que agora não me sai da cabeça: “Eu não vou aguentar”. As histórias dela eu quero contar, mas não sei todas, daí já combinei com o Daniel, ele me contará, as dele e as dela e do marido, num bate papo para muito breve. Eu me identifico demais da conta com gente com essa guerreira, pois das histórias que fui ouvindo, todas, sem tirar nem por, tem muito de algo quase perdido hoje em dia, um desprendimento, sapiência de não se deixar vergar, dessas pessoas inquebrantáveis. Conto num outro texto disso, das vezes em que criou caso nas muitas seções por onde passou na Prefeitura. Mudava sempre que encontrava coisas erradas e as pessoas sem disposição para fazer corretamente, batia de frente e quando não conseguia melhorar a coisa, pedia para sair. Encontrou seu lugar na Casa dos Conselhos e depois, quando a descobrimos – ou ela nos descobriu, sei lá – no bloco Bauru Sem Tomate é Mixto.
Sim eu tirei fotos dela e de alguns momento ali no velório e não vejo nada de ruim nisso, pois contou com anuência e autorização dos familiares. Na verdade, estava como uma barata tonta, sem saber como retribuir o pedido dela para mim no domingo passado ir pra casa e assim, desta feita também não fui, fiquei até o fim, quando todos cantaram a Oração de São Francisco, Tatiana Calmon falou algo e seu corpo partiu para outra cidade com intuito de ser cremada. Eis o link deste momento, gravado por mim: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/4598312026865437. Vai demorar pra cair a ficha. Hoje não quero pensar em outra coisa, Marcia Pestana Mota está em todos meus pensamentos e assim deve continuar até conseguir abrir os olhos novamente. Ela é uma das que me dão forças para continuar na lida, pois tudo ainda está mais do que inconcluso nesta cidade e país. Ela nos quer lutando e sabe, seguirei seu exemplo. Em breve, quando tudo isso passar, a primeira esbórnia coletiva que iremos fazer, será também em sua homenagem, com muita cantoria, gente amiga reunida, declarada conspiração e destes loucos por alegria.
Essa danada era mais do que querida, era AMADA DE PAIXÃO.
4.) CARTA DE MINHA LAVRA ENCAMINHADA PARA TRIBUNA DO LEITOR DO JORNAL DA CIDADE
Desço para o velório da servidora municipal Márcia Pestana Mota na manhã desta quarta e ao passar diante da casa - rua Manoel Bento Cruz nº 7-60 -, ladrilhos expostos na parede frontal, onde antes funcionou por décadas órgão não mais existente na estrutura da Prefeitura, a Casa dos Conselhos Municipais, algo inevitável. Ali ela trabalhou boa parte de sua vida e foi por seu intermédio que, o lugar ficou estigmatizado como reduto democrático e de altas possibilidades. Pessoa de temperamento altivo, forte, resoluto, conseguiu fazer frutificar a ideia de verdadeiro oásis dentro desta cidade, benfazejo para tantas conversações e discussões.
Não existe como, hoje mesmo, vendo na placa ali funcionar escritório de advocacia, para mim, aquela casa terá por todo o sempre a cara de Márcia e de tudo o que rolou ali dentro. Isso tudo não tem como ser apagado e nem o tempo conseguirá tal feito, pois seu sorriso e fidalguia está mais do que estampado e embutido, diria mesmo, encravado no ar e pelas paredes. Hoje, nem os Conselhos Municipais funcionam mais como dantes e gente como a já saudosa servidora, só nos enche de muita saudade, pois era daquelas a comprar briga junto dos temas ali fervilhando.
Márcia teve ao longo de sua vida profissional a inconstância como lema, pois ao observar algo errado, batia de frente, criava caso e assim, quando não conseguia fazer a coisa andar a contento, preferia respirar outros ares. Fez assim por vários setores e departamentos. Por fim, na Casa dos Conselhos, onde se aposentou, conseguiu direcionar o lugar para algo transcendendo as administrações. Se hoje não existe mais um lugar concentrando essas atividades, os culpados foram conhecidos acabrestadores. Ela não aceitaria isso nem em sonho.
Relembrar isso ao passar ali faz parte do sonho ainda inconcluso desta cidade, hoje muito mais desvirtuado, pois vivemos momento não mais neoliberal, já enfronhado num ultradireitismo doentio, odiento, algo impensável em mentes pulsando algo transformador. Gente como Márcia deve padecer um bocado dentro das esferas do serviço público, mas ao se espelharem no que já tivemos de resistência em postos chaves, talvez o reluzir em busca de novos ares. Que ela nos inspire para isso. Essa guerreira é mais do que motivo para não me permitir desistir de tudo o que ainda temos pela frente. Viva Márcia!
Henrique Perazzi de Aquino, jornalista e professor de História (www.mafuadohpa.blogspot.com).
Que bonito, Henrique. Aliás, como a verdade é bela, e apesar de por vezes doer, como consegue aproximar ainda mais as pessoas. Sou enormemente grato por vcs terem propiciado que Dona Márcia não se sentisse sozinha neste tempo onde a solidão é a pior doença. Foram anos e anos, depois da aposentadoria, em que essa comunhão com vcs a manteve viva. Onde o ser político Dona Márcia, o ser filosófico Dona Márcia, todos esses seres consolidaram, ainda mais, o ser humano Dona Márcia. Eu choro a partida dela como qualquer filho choraria a de sua mãe. Mas choro, ainda mais, a impossibilidade de telefonar-lhe cada vez que no plano concreto percebíamos rumos perigosos e difíceis pelos quais a humanidade tendia a se desviar. Mas não só de angústias eram nossas conversas: era comum, em meio a algum show onde eu estivesse, que sacasse meu celular, ligasse pra ele e dizia: apenas escute!!! Vontade danada de querê-la ali, comigo e Andreza, cantando e dançando aqueles que nos moviam artisticamente... Tínhamos uma conversa dialógica e dialética, quase que diária; fazíamos terapia sem desconfiar, e antes de desligar o telefone dizíamos, sempre, eu te amo! se cuida! até amanhã! A voz dela saudando minha ligação, "oi amore", não para de ecoar. Mas como hoje todos dormimos sem que a presença física dela aqui estivesse, agora é hora de juntar seus ideais, nobres ideais, e nos sub rogarmos na defesa deles! Só de eu me atrever nessa empreitada percebo meus filhos se enchendo de bom orgulho! Como eu e como nós todos, eles, Raul e Helô, literalmente sentiram na pele (e no coração) o tamanho do ser humano que foi, é e sempre será a vovó Márcia! Por isso a palavra não é outra: Dona Márcia Presente!
ResponderExcluirDANIEL PESTANA MOTA