domingo, 13 de junho de 2021

REGISTROS LADO B (49)


NO 49º LADO B UMA CONVERSA CHEIA DE ALTERNATIVAS DE VIDA COM DANIEL PESTANA MOTA, POLIVALENTE EM TUDO QUE FAZ
Chegamos nessa semana ao 49º LADO B – A IMPORTÂNCIA DOS DESIMPORTANTES e a cada semana uma nova história, sempre dessas recheadas de intensa reflexão. A intenção é apresentar pessoas sem muito espaço para expor e apresentar suas ideias, mas em alguns momentos, como nessa semana, trazendo alguém possuidor de muito espaço, os seus espaço, todos cavados e muito bem administrados. Existem pessoas que dispõe de muito espaço, eles sabem onde estes se encontram e dele usufruem, mas assim mesmo, sendo, fazendo e acontecendo não desfrutam deste mesmo espaço dentro da mídia massiva/hegemônica e a explicação é bem simples, por simplesmente baterem de frente ao representado por estes. Uma delícia poder bater um papo franco, direto e reto com alguém assim, conhecedor de todos os caminhos, mas ciente que alguns deles serão sempre inacessíveis, pois escolheu um campo de luta e batalha e ao fazê-lo se apartou automaticamente de cair nas graças dos todos poderosos.

O convidado para este bate papo tem tudo para render uma conversa a se prolongar além do tempo determinado, pois de sua fala e prática de vida, experiências valendo de quem ousa levar vida diferenciada. Muitos pensam em agir diferente, ter posturas diferentes, mas não sabem como fazê-lo, nem como se iniciar ou onde se escorar para tanto e nesta conversa, DANIEL PESTANA MOTA vai ajudar a abrir horizontes, ampliar ideias e tornar possível algumas loucuras. Mas quem é este audaz cidadão? Difícil diferencial alguém enfurnado em tanta coisa ao mesmo tempo. Em alguns momentos ele é advogado, noutros está enfurnado em questões sindicais, noutra já está lá defendendo a causa de CSE – Comunidades que Sustentam a Educação e logo a seguir, quase na mesma raia de atuação está diante da presidência da Associação Comunitária CSA Brasil. A Educação está enfronhada em tudo o que faz e daí, vai contar a sua experiência pessoal como gestor da Associação Educacional Flor de Lotus. Quem em Bauru não possui curiosidade em saber o que vem a ser essa tal de Escola Viver e o método educacional ali em execução. Pois bem, a conversa vai girar também sobre isso e muito mais.

Daniel teve a sorte na vida de ter uma mãe dessas com o sangue quente, Márcia Pestana, a servidora municipal falecida semana passada. Dizem que Daniel foi um menino rebelde e que a mãe foi quem o introduziu nesse mar de perdição que é o lado contestatório da vida e da defesa dos menos favorecidos e pelas igualdades sociais. Pelo que se vê, uma luta sem volta e de tudo o que Daniel faz hoje, em cada, algo da continuidade dessa luta, a de uma vida toda. Poderiam dizer: “Só podia ser mesmo filho da Márcia”. Pois é, ele é e com muito orgulho. Claro, falaremos dela e de seu legado, mas depois que ela o colocou no mundo, pronto pra jambrar, o danado não parou mais e não decepcionou. Tem um livro organizado por ele que é tema pra conversas infindáveis, o “Saúde e Precarização do Homem que Trabalha” e o dissecaremos pelas beiradas, pois diante de tanta coisa, o tempo terá que ser bem distribuído.

Enfim, Daniel é, como já aqui foi dito, muita coisa ao mesmo tempo. Espécie de coringa e das andanças dadas pela aí, sempre muitas boas histórias, como a sua participação do X Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, 2010, esse bem longe e depois, num salto, ele poderá nos contar do seu envolvimento com a comunidade do Jardim Nicéia. Esse também mestre em Ciências Sociais, licenciado em Pedagogia, advoga e dá aulas, palestras e anda muito, gasta sola de sapato e gosta demais da conta de um lazer diferenciado ao lado dos seus. Isso ele vai explicar, o de como uma pessoa tão agitada encontra tempo para os seus. Esse negócio de saber distribuir bem o tempo é também ousado e faz parte de um dos seus ensinamentos, técnica do bem viver. Brinco sempre com ele sobre esse modo alternativo de tocar a vida, ele sempre ri e sugere outra coisa, que nem sei se é diferente ou vai além. Trata-se de como ele diz, “espaços de resistência possível”.
 Resistir é algo que todos nós, os contrários ao avanço do fundamentalismo, do neoliberalismo e da ultradireita temos por obrigação fazer, mas os caminhos percorridos por cada um é que são outras. E que caminhos eles nos propõe? Saberemos pelo desenrolar da prosa. Juntei alguns escritos dele e aqui publico com o intuito de aguçar a curiosidade. Enfim, algo mais que já ia me esquecendo, ele é também poeta, como veremos a seguir:

A ESCOLA QUE NÃO TEMOS – Jornal da Cidade, 17/05/2020: - “O mundo vive um dilema: isolar-se para preservar vidas, ou relaxar o isolamento para se possibilitar a exploração econômica e o trabalho. Algo, no entanto, subjaz essa incapacidade de se compreender uma questão senão por um único ponto de vista. Dizia Nietzsche que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. William Blake, que assim como Nietzsche foi lembrado por Rubem Alves em "A complicada arte de ver", certa vez afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Pois bem. Os tempos atuais provam que entre todas essas manifestações nitidamente contraditórias emerge uma questão que começa a incomodar um número cada vez maior de pessoas: para quê temos sido "treinados" no espaço da aprendizagem formal? Que tipo de conteúdo adolescentes e jovens experimentam, ao longo de 9 anos, e que depois se expande a nível superior? Não se trata, antes que alguém o diga, de denunciar o caráter meramente conteudista dos currículos escolares. Na verdade, arrisco-me a dizer que excetuando-se a educação infantil (e isso em alguns poucos locais), onde o brincar livre embasa uma dada predisposição da criança, que irá se desenvolver ora dando e recebendo do ambiente, ora aprimorando suas próprias disposições interiores, a humanidade parece não ter percebido o potencial reducionista que a chamada "grade curricular" (sim, o que é central na escola está preso numa grade!) encerra desde o ensino básico. Digo isso porque entre a teoria e a prática há inegável assimetria, e boa parte do que se encontra desenhado, teoricamente, nas bases nacionais comuns tem demonstrado não servir para a formação de pessoas que realmente possam compreender o mundo, enxergá-lo em suas múltiplas dimensões e contradições, e sobretudo diante destas últimas ousar transformá-lo. Até o presente momento, guiados por recomendações vindas da Organização Mundial de Saúde, o mundo todo, salvo raríssimas exceções, tem apontado o direito à vida (do qual faz parte o direito de ter acesso à tratamento médico em caso de adoecimento) como prevalente até mesmo ao maior dos direitos liberais, o da liberdade econômica. Até hoje não conseguimos, enquanto humanidade, construir uma possibilidade de que necessidades básicas sejam satisfeitas para que, num dado período, necessidades supérfluas possam ser deixadas de lado.
O que ocorre é que tal opção contradiz aquilo que desde os tempos da revolução francesa, consolidado com o advento da máquina (revolução industrial), acreditamos ter sido a maior conquista da modernidade: o trabalho livre! Liberdade econômica e trabalho livre, irmãos siameses que o desenho do sistema capitalista conseguiu conceber como alicerce do desenvolvimento de todas as sociedades. Ora, se as pessoas se fazem no (e pelo) trabalho, obrigar que permaneçam em inatividade parece não fazer o menor sentido, ainda que tal se dê para que outros possam ser salvos, caso precisem. Também parece não fazer sentido interromper a atividade central de explorar a economia, e com esta exploração produzir mercadorias, muitas das quais apenas para satisfazer a cadeia de desejos que a humanidade logrou construir. O ápice da liberdade, chamado de trabalho livre, parece ter colocado em cheque não apenas o sentido da palavra liberdade, mas também a qualidade que teria sido agregada ao ato de trabalhar após o período de escravidão, que supostamente seria "livre". O fato é que não basta optarmos pela defesa do direito à vida se continuamos a desprezar os defeitos no alicerce sobre o qual foi edificado o capitalismo moderno, acúmulo de capital (para satisfazer desejos) e trabalho (supostamente) livre (para subsidiar as necessidades básicas)! Se nos mantivermos nesse dilema entre trabalho e vida como se fossem distintos, estaremos emprestando caráter reducionista à algo que poderia ser pensado - e enxergado - de maneira ampliada. Trabalho e saúde são frutos da mesma árvore, podem ser pensados como meio para que a humanidade alcance o verdadeiro fim para a qual fora criada: ser livre para poder ser fraterna, ou desenvolver a capacidade de ser fraterna para poder se reconhecer livre. É certo que para superarmos essas contradições, que aqui se perfazem entre carreatas, silêncio, marchas surpresas, churrasquinho no planalto, ponderação e extravagância, faz-se necessário um olhar ampliado que ressignifique os sentidos do trabalho, abrindo possibilidade para que aprendamos que satisfação de necessidades básicas não podem ser confundidas com os desejos de uma fração cada vez menor da humanidade. E pra isso é preciso construir uma nova base de ensino que permita não apenas dotar as pessoas das capacidades de fazer contas, ler e escrever um texto com coerência. Urge que as pessoas possam aprender a perceber aquilo que um número reduzido de outras pessoas não desejem que elas saibam: como o mundo está assentado na busca desenfreada e reiterada pela satisfação de necessidades supérfluas, e como os mecanismos atuam para distrair a grande maioria sobre quais são as reais necessidades que a humanidade precisa conquistar para não se ver reduzida. Esse aprendizado, que permite ver e perceber para além do que fomos adestrados, só se fará a partir de uma nova escola, onde grades curriculares darão espaço à uma educação verdadeiramente livre. Só assim poderemos, como Drumond, ver poesia naquilo que parecia ser apenas uma pedra! Que busquemos novos olhos, que desenvolvamos a inteligência perceptiva e amorosa para, com ela, nos guiarmos numa vontade consciente e humana, pois como escreveu Alberto Caeiro "não basta abrir a janela para ver os campos e os rios".

Quando da morte da mãe, 02/06/2021 escreveu: “Nossa pimenta doce, timoneira de uma vida toda, esteio de toda resistência e resiliência que pulsa em cada um de nós, amiga-mae de toda e qualquer hora, mulher porreta e senhora do meu orgulho e do próprio destino, ser humano referencia em postura e ação, uma preciosidade, nos fez saltar do barco e seguiu sua trajetória em águas que correm em outros planos. Tua presença jamais morrerá, pois teus valores agora a nós pertencem e os faremos ressoar forte por onde quer que passarmos. Vá em paz porque agarramos teu bastão e não a decepcionaremos”.

Em 03/06/2021 ele escreveu sobre sua mãe: “Aliás, como a verdade é bela, e apesar de por vezes doer, como consegue aproximar ainda mais as pessoas. Sou enormemente grato por vcs terem propiciado que Dona Márcia não se sentisse sozinha neste tempo onde a solidão é a pior doença. Foram anos e anos, depois da aposentadoria, em que essa comunhão com vcs a manteve viva. Onde o ser político Dona Márcia, o ser filosófico Dona Márcia, todos esses seres consolidaram, ainda mais, o ser humano Dona Márcia. Eu choro a partida dela como qualquer filho choraria a de sua mãe. Mas choro, ainda mais, a impossibilidade de telefonar-lhe cada vez que no plano concreto percebíamos rumos perigosos e difíceis pelos quais a humanidade tendia a se desviar. Mas não só de angústias eram nossas conversas: era comum, em meio a algum show onde eu estivesse, que sacasse meu celular, ligasse pra ele e dizia: apenas escute!!! Vontade danada de querê-la ali, comigo e Andreza, cantando e dançando aqueles que nos moviam artisticamente... Tínhamos uma conversa dialógica e dialética, quase que diária; fazíamos terapia sem desconfiar, e antes de desligar o telefone dizíamos, sempre, eu te amo! se cuida! até amanhã! A voz dela saudando minha ligação, "oi amore", não para de ecoar. Mas como hoje todos dormimos sem que a presença física dela aqui estivesse, agora é hora de juntar seus ideais, nobres ideais, e nos sub rogarmos na defesa deles! Só de eu me atrever nessa empreitada percebo meus filhos se enchendo de bom orgulho! Como eu e como nós todos, eles, Raul e Helô, literalmente sentiram na pele (e no coração) o tamanho do ser humano que foi, é e sempre será a vovó Márcia! Por isso a palavra não é outra: Dona Márcia Presente!”.

Em 04/06/2021 postou no seu facebook: “Chegará o dia em que metade + 1 de todas as pessoas do mundo perceberão o sentido da vida. E não será na hora da morte. Até lá, no entanto, todos nós manteremos nossa firme disposição em fazer da caminhada um processo de aprendizagem. Chegará o dia em que metade + 1 de todas as pessoas do mundo estarão juntas, de verdade. Mas até lá, todos nós insistiremos em nos manter juntos, na alegria e na saudade. Porque metade do mundo é luta, e outra metade é esperança”.

COMENTÁRIOS FINAIS:

O papo/conversa com Daniel surpreende e vale muito a pena, mas hoje posto aqui algo que, para mim, foi de grande valia: o reconhecimento que este deu para o trabalho que venha fazendo com estes perfis semanais. Transcrevi sua fala e a posto a seguir: "Isso que você faz a gente tem que por no currículo para mais pessoas fazerem. Conversar sobre pessoas e com pessoas normais. A gente tem uma preocupação de ficar toda hora conversando com estrela, com liderança e nosso problema não é falar com estes, mas necessitamos de conversar com um mínimo de pessoas medianas. A grande sacada que você teve e eu fico muito lisonjeado de estar aqui falando não tanto de mim, mas do legado de dona Márcia, minha mãe, a grande sacada é permitir que as pessoas se conheçam umas as outras sem ter que galgar no degrau da fama imaginária e efêmera, que dá luz, que dá mídia, que dá espaço. Então, isso que você faz aqui já é revolução. A grande questão é a gente pedagozijar isso para mais pessoas se inspirarem em você. Eu já estou inspirado em você, simplesmente conversar com pessoas normais, que é o que faz a diferença. Normal e corajoso, e como você falou em esperança, Guimarães Rosa transformou a palavra esperança em verbo. Uma coisa é você criar expectativa e outra é você esperançar, ou seja, fazer, atuar, então eu quero antes de mais nada te parabenizar por esse espaço, que já está na 49º edição, para continuar, que isso seja semente, que outras pessoas. Isso é jornalismo puro, orgânico, na veia. O meu sonho de adolescente era criar uma rádio comunitária e aí uma vez, eu gostava muito de acampar. Perto de Bauru tinha um camping que é uma maravilha, em Ipauçu. Um dia eu estava lá, acho que meus 19 anos, um cara de lá me convidou para ier conhecer uma rádio comunitária. Fui e passei lá boa parte de uma tarde, me lembro, um sábado e conheci o senhor que tocava a rádio, ele era de oriundo de circo e ficava uns dois anos em cada cidade onde lhe abriam espaço para ele fazer comunicação comunitária. No intervalo das músicas as pessoas ligavam e falavam, olha eu estou precisando de uma cadeira de rodas, meia hora depois ela aparecia. Comunitarismo na veia. Isso que você faz aqui é comunitarismo na veia".

Ganhei o dia, mês e ano. 

DOMINGO EU ME SEGUREI E NÃO DUI RUAR, NEM HOJE, NEM AMANHÃ
Ruar eu sempre gostei, feiraterapia algo fazendo parte dos meus domingos desde muito tempo, mas quando vejo a quantidade de mortos só aumentando e sem nenhum vaga disponível nos hospitais, eu mesmo me prendo num cadeado aqui num pilar dentro de casa e fico só vendo as fotos do lado de fora, como essa tirada pelo Pedro Romualdo, mostrando a quantas anda o movimento da feira da rua Gustavo Maciel. Eu quero continuar vivo, daí espero mais um pouco e mesmo evento comemorativo pra baita amigo ocorrendo lá do Bar do Genaro, me abstenho, me finjo de morto e nem respondo a convocação, pois o motivo será sempre o mesmo: eu ando com medo. A Amanda lançou seu livro ontem e me fez jurar que iria comparecer e levar junto a Ana. Respondi sim, mas já sabendo que não iria, pois se fosse estaria contrariando tudo o que tenho defendido. Uns amigos de Arealva me ligam e dizem que estariam vindo pra cá na noite de sexta e aconselhei a não virem, pois disse, os bares estarão fechados e virão aqui pra que? Pedi para se aquietarem, se cuidarem e que logo mais, quando tudo estiver normalizado a gente faz tudo o que está bem guardadinho dentro de cada um de nós. Agora, dia 19/06 tem manifestação contra o capiroto e desta, mesmo que tudo conspire para ficar em casa, nessa eu irei contra meus princípios e tenho que estar presente, pois é agora ou nunca. A causa de defenestrar o capiroto está para mim acima até da própria vida, pois com o país nas mãos de gente tão perversa e criminosa como ele, não conseguirei mais viver em paz, daí, neste dia estarei botando novamente a cara nas ruas. Hoje, não deu, a foto da feira ainda me assusta.

Eis alguns breves comentários:
- "É isso mesmo. A esquerda, quando pode, deve ficar em casa. E mesmo as fotos que mostram reuniões devem ter na legenda a data em que foram tiradas, para não influenciar negativamente", Ricardo de Callis Pesce.
- "Agora entendo o Bauru sem limites....sem limites, sem noção, sem comando, sem liderança, sem educação, sem saúde, sem cultura,....só gente do "bem" se achando...", Paulo Neto.
- "Bauru ou Nárnia ? Inacreditável! Os números do avanço do vírus em escala crescente...", Estela Almagro.

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