domingo, 3 de outubro de 2021

PALANQUE - USE SEU MEGAFONE (158)


A POESIA DE GERALDO BERGAMO
Eu vasculho o que os amigos escrevem. Eu que não sou dado muito em poesia, tenho sido arrebatado por dois bauruense escrevendo como poucos, a jovem Amanda Helena e o professor aposentado da Unesp Bauru Geraldo Bergamo. Ele agora, com a vida mais calma, para não se desassossegar deu para escrevinhar e poetar. E tem poetado muito, várias ao longo do mesmo dia. Sentei hoje e li as últimas. Todas boas e prontas para serem levadas adiante. É o que faço neste final de domingo. Leiam e se deleitem, o danado é revolucionário até não poder mais, destes que estará diante dos moinhos de vento enquanto houver forças. Ele escreve o que gosto de ler e necessitamos de auxílio para nos manter na luta:

1 - pôr-se ao trabalho para espantar o tédio
construir uma casa, um viaduto, um prédio
tornear no esmeril com esmero um prego
sem cabeça e sem ponta: um cilindro cego
não nego que também me iludi com a labuta
o tempo passava tranquilo, feito força bruta
domada por quem propôs e ganhou a refrega
sentindo-se útil no chão ou se por mar navega
e para compensar tamanha e insana faina
ao final do mês pingava alguma grana
nada que precisasse ficar em segredo
ou andar apressado na rua, sentindo medo
melhor ter feito o prego sem cabeça e ponta
cuja serventia seria uma boa afronta
à ideia que o trabalho é fonte de prazer
e não se pode estar na vida sem nada fazer
não que isso torne a noite menos enfadonha
evite pensar em suicídio ou tocar uma bronha
há tedio no ócio como há enfado no trabalho
e se nada vali antes, também agora nada valho

2 - O TESOURO DA JUVENTUDE
já tomei rabo-de-galo
(com o Carlos)
assuntei rabo-de-saia
(da Maria)
só não te conto
morena
dos meus tropeços
nem do quanto já desejei
as tuas pernas devassas...
caracas, minha cara
o tempo passa

3 - Quisera me definir bruxo
E andar vinte
Mas volta e meia tusso
E tenho cá comigo
Que essa dor no ciático
Ainda vai me matar
Não sou de pedir o viático
Vou procurar no dicionário
Palavras que me deixem vário
Palavras de matéria abusada
Que gentes de antigamente
Tiveram por gosto inventar
Bem sei que não posso sentir
Nem ser sensível
Bem sei...
Meu tempo passou
Se foi muito...
Se foi pouco...
Vai meu coração barroco
Desinventar o mundo
E amanhecer abuso
Bem sei que já poderia
Pedir concordata
Bem sei...
Mas se calhar ainda ouso
Aprender o uso e lambuzo
De alguma palavra marota

4 - a garganta está seca
como uma pedra no agreste
como um cometa avariado
como a peste
está seca a garganta
perdeu a órbita e acelera
como um cometa raivoso
deixando um rastro de cólera
há um cacto na garganta
seco como uma febre
como uma armadilha
como uma pedra ganga
seco na garganta está o cacto
como um pássaro empalhado
como uma pedra de funda
em órbita muda
há um pássaro seco na garganta
como gravetos em chamas
chocou seus ovos secos
como cacos de porcelana
a garganta está em chamas
não há porque, não há como
não há pássaro, não há cometa
só um corte, um hematoma
em chamas está a garganta
nuvem alguma se forma
não há água, apenas a peste
apenas o alarma

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