domingo, 5 de junho de 2022

REGISTROS LADO B (89)


NO 89º LADO B, NADA MENOS QUE NEIZINHO, O CRAQUE DE BOLA DO ARCA, TESOUREIRO DO BRADESCO, ALGUÉM QUE VIVENCIOU AS RUAS DE BAURU COMO NINGUÉM E CONSEGUIU DAR A VOLTA POR CIMA – INTENSA HISTÓRIA DE VIDA
Eu me derreto todo para tentar descrever algo sobre o NEIZINHO, mais precisamente O SIDNEI CRUZ TARANTELLA, 73 anos, 1 metro e 50cm de altura, uma das pessoas marcantes em minha adolescência, quando ia todo domingo no campo do ARCA – onde é hoje o Assaí, ali na rua Marcondes Salgado. Ele era o ponta direita do time do meu bairro no amador de Bauru e barbarizava com os adversários, me tendo como admirador do outro lado do muro que separava o campo. Tempos depois o reencontrei quando trabalhei no Bradesco, tempos da agência entrando pela rua Batista e saindo pela Treze de Maio, onde é hoje a Riachuelo. Eu começando por ali e ele já experiente tesoureiro, ou seja, nada menos que o dono das chaves do cofre da agência. Um conversador por natureza, dono de uma rara memória, desde aquela época, contando tudo nos seus mínimos detalhes. Esse mesmo Neizinho, ao sair do banco montou um bar ali perto de onde morava, na então vila Antárctica, mas sua vida degringolou. Começa seu martírio, tudo por causa do alcoolismo. Mesmo ajudado desde sempre pela família, percorreu todos os caminhos possíveis e também os inimagináveis dos que perderam tudo e vivenciaram de tudo nas ruas bauruenses. Esse trecho de sua história é também o de muita resistência, pois viu e fez quase de tudo, mas sempre altivo, tanto que hoje, ao dar a volta por cima, conta tudo, pois sabe que pode servir de exemplo para outros tantos.

Esse é o NEIZINHO, o entrevistado desta semana neste meu projeto, o LADO B – A IMPORTÂNCIA DOS DESIMPORTANTES - hoje seu no 89º bate papo -, alguém pelo qual converso desde que o conheci, nos tornamos diletos amigos e seis de suas agruras e alegrias. Já escrevi muito dele por aqui no blog do Mafuá do HPA, pois sempre que o encontrava, despontava com algo novo, querendo me contar e por pra fora. A primeira vez que dele escrevi foi para traçar um perfil, que na época circulou entre seus amigos. Foi um retrato dele, publicado em 03/05/2009: https://mafuadohpa.blogspot.com/search.... Ali um sincero resumo de sua história de vida até aquela data. O que veio depois foi o pior momento, pois morou em tudo quanto é hotel do centro, quarto de pensão e cantos onde pudesse se abrigar e não pernoitar pelas ruas. O fez também, pois acaba de me dizer, ter posado muitas vezes debaixo da marquise do antigo cartório do Washington, quando este estava ali na Marcondes, defronte o Bombeiros. Ou seja, ele viu, presenciou de tudo, sabe tudo o que ocorre nas ruas desta cidade, conhece todos e quando fala é com cátedra, sapiência de quem já esteve lá. Num outro texto meu, “Neizinho e o roteiro para não passar fome nas ruas de Bauru”, 25/03/2015, ele me descreve um roteiro de como os moradores em situação de rua faziam para não passar fome, ou seja, onde era servido comida. Abaixo a reprodução de parte do mesmo:

“Ontem reencontro na rua meu dileto amigo NEIZINHO, craque de futebol dos tempos do ARCA. Selamos o reencontro com um sonoro abraço. Ele penou muito com extremas dificuldades tempos atrás. A bebedeira o fez se afastar da normalidade, morou de favor em hotéis de baixíssimo custo e pensões suspeitas e não suspeitas, mas sobreviveu e conseguiu dar a volta por cima. Alguns diletos amigos que não gostam de ser identificados conseguiram que o mesmo conseguisse sua aposentadoria (um salário mínimo) e hoje vive garbosamente morando numa pensão na rua Sete de Setembro, quarto só seu e banheiro coletivo (três para uso de todos lá instalados). Almoça bem e me diz dos lugares onde se come bem e barato pelo centro da cidade. Conhece todos os cantos desse centro velho e carcomido. Conhece cada cantinho, além de tudo e todos. Tem comida desde a R$ 1 real (a do restaurante do Governo estadual) a outros por R$ 5 a R$ 8. Vai administrando seu dinheirinho e com alguns bicos (me diz ter tomado conta de um posto fechado a R$ 50 dia no último final de semana) consegue sobrar algum no final do mês. Anotei num papel toda a relação dos lugares onde ele costuma jantar durante as noites bauruenses. Repasso para uso coletivo: Segunda: em frente ao Pronto Socorro Central, 18h30 – entregam marmitex primeiro para os que aguardam no PS, depois por ordem de chegada para os que fazem fila na parte externa. Às 20h Sopão do Régis, quem traz a embalagem, leva para comer em casa. Terça: Macarronada, 20h pouco abaixo da entrada principal do Pronto Socorro, em frente ao Bar do Ronaldo. Às 19h, uma igreja na Cussy distribui comida num barracão na Bandeirantes entre o hotel Popular e o Itália, mas antes tem uma hora de palestra religiosa. Quarta: 20h, a macarronada pouco abaixo do Pronto Socorro. Quinta: 20h, a macarronada pouco abaixo do Pronto Socorro. Sexta – Também ali perto do Pronto Socorro, passa um senhor de perua e distribui lanche de mortadela, ao lado da Brink’s/Protege. Sábado e Domingo: Não ocorre nenhum tipo de distribuição de comida”.

Entre aos altos e baixos, num outro momento, ele trabalhou como porteiro em hotéis do centro, principalmente nas madrugadas, com histórias inenarráveis de todos eles. Num dia, o reencontro no Hotel Cariani, ali na praça Machado de Mello – o mesmo que dizem, ter um dia hospedado Che Guevara. Em “Neizinho, Hotel Cariani...”, eis o link de uma viagem no tempo, quando me permite adentrar o hotel e percorrer seus corredores: https://mafuadohpa.blogspot.com/search.... Meu último post com ele foi em 01/01/2021, quando o reencontro na porta do Banco do Brasil, na praça Rui Barbosa, primeiro dia daquele ano e ele voltando do restaurante Bom Parto, na quadra anterior, onde fez longa caminhada em busca de um prato de comida. Essa era sua sina. Nei só não morou literalmente nas ruas por causa de sua filha e de Darlene Tendolo, ex-secretária do Bem Estar Social de Bauru, que sempre estiveram ao seu lado, nunca o abandonaram. Deste dia, eis meu relato:

MEU SUPER-HERÓI BAURUENSE TEM POUCO MAIS DE METRO E MEIO DE ALTURA – (...) Estava dando uns bordejos pelo centro hoje pela manhã e o vejo mascarado descendo a Primeiro de Agosto. Eu e tantos outros o conhecemos pelo tamanho, atarracado e único, metro e meio, talvez pouco mais. Não resisto e paro para conversar, mantendo a necessária distância. Ele me conta estar por ali, para pegar comida no restaurante Bom Prato, comida a R$ 1 real, mas para sua decepção, hoje não estavam funcionando. Digo que quero entrevistá-lo, ele me dar um depoimento sobre sua vida para o Lado B agora em janeiro. Ele topa, mas me diz não ter celular. Para fazer contato ou vou lá na sua casa ou deixo recado num bar na Rodrigues Alves, perto de onde um dia foi o Frutal Lima. "Você sabe não bebo mais, mas assim mesmo, gosto das pessoas que encontro nos bares", me diz. Eu também. Marcamos para não sei quando, ou seja, o mais rápido possível. Me despeço e o vejo descendo a rua em busca de um lugar onde lhe sirvam um prato de comida, "hoje só pagando", depois voltará para seu canto, pois hoje nem os bares estão abertos, portanto, menos conversa fiada. Nei é mais que um personagem das ruas desta aldeia bauruense, creditando a ele um importância de elevada consideração e estima, para mim, muito mais considerável do que estes todos tomando posse hoje, desde alcaides a edis, pois carrega junto de si a história das ruas desse lugar onde moramos, diferente de tantos outros, eleitos pelo povo, mas sem nenhuma identificação com as coisas dessa cidade. Nei é merecedor de uma estátua passando por debaixo das pernas de beques e essa ser fixada ali na frente do Assaí”.

Ele mesmo vai nos contar sua história, não só os momentos tristes, mas também dos alegres, enfim, sua vida como ela de fato foi e é, intensa. Hoje, junho de 2022, ele está feliz da vida e residindo num lar, algo como um paraíso para idosos em situação de risco, com renda mínima, o “Vida Longa”. São 22 casas em condomínio fechado, mobiliadas e equipadas com eletrodomésticos. No condomínio também há área comunitária e espaços de lazer. Neizinho está mais do que feliz, pois vivencia outro momento em sua vida, tendo a real possibilidade de ter uma velhice tranquila e em paz. Brinquei com ele, que o vendo morando em lugares insalubres e mesmo já com seus 73 anos, não achava que chegaria aos 80, mas hoje, plena certeza de que passará dos 100. Suas histórias encantarão a manhã deste domingo. Venha junto?
OBS.: Tenho quase centenas de fotos do Nei, algumas publicadas aqui e as duas últimas, dele no seu novo local de moradia, foram me passadas por ele mesmo, fazendo questão de mostrar para tudo, todas e todos, onde se encontra. NEIZINHO é DEZ e mais um pouco.

1ª PARTE DO LADO B Nº 89, HOJE COM NEIZINHO E SUAS HISTÓRIAS DO FUTEBOL, BRADESCO, BARES, ALCOOLISMO, MORAR NA RUA E A VOLTA POR CIMA
Eis aqui os primeiros 30 minutos deste bate papo: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/388193000036156


2ª PARTE DO 89º LADO B, HOJE COM NEIZINHO
Mais 50 minutos de reveladora conversa sobre os tempos quando passou fome, frio morando nas ruas de Bauru e a volta por cima: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/729425014948942

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