domingo, 14 de agosto de 2022

OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (166)


QUANDO VOCÊ PERCEBE QUE DENTRE TUDO O QUE JÁ FEZ, ALGUMA COISA FEZ CERTO
Ontem entrevistei para o "LADO B - A Importância dos Desimportantes", meu 98º bate papo, nada menos que o poeta José Brandão é no final da conversa, ele me diz querer falar mais uma coisinha. E me pergunta se li o livro "O País Impossível", que havia ganho semana passada. Digo que sim, e ele diz ter feito uma poesia para a dona Hilda Souza, a catadora de papel, falecida uns dois anos atrás e uma senhora, que sempre que a via, parava para estar junto dela por alguns instantes. Quando começou o mandato da vereadora Estela Almagro, a disse que precisava fazer Moções de Aplauso e Títulos de Cidadão para estes, os "simples", a carregar a cidade nas costas. Nã odeu tempo, pois quando fui contatá-la em sua casa no Fortunato, a triste notícia, ela havia falecido meses atrás. Ela ainda pode ser homenageada, numa rua ou praça lá perto do bairro onde viveu sua vida quase inteira.

Mas, hoje venho aqui para falar não só dela novamente - continuarei falando e escrevendo muito, pois jamais a esquecerei. O contentamento no caso foi, primeiro pela bela poesia do Brandão - o livro inteiro uma ODE aos pobres, não pelo conformismo, mas pela revolta e luta pelo fim das injustiças sociais neste País -, mas também quando me disse: "Henrique, passei a reparar nela após ler o que escrevia". Quer melhor coisa que isso? Brandão reparou no que escrevi sobre dona Hilda e assim como este escrevinhador, se sensibilizou e produziu um poema destes para trincar os dentes.

O PAÍS COMO UMA CATADORA DE PAPEL
A catadora de papel revira dos sacos de lixo
é uma preta de quase oitenta anos de vida
a cara enfezada dura doída.
Palavrões resmungos gemidos
buzinas roncos de motores explosões
cheiro de óleo queimado de carne queimada de vida
queimada.
Este país é uma catadora de papel.
Nuvens escuras pairam sobre a rua
as luzes estão acesas como se fosse noite ainda
o carrinho da catadora de papel ringe e segue.
São estes os sinais de que, algo onde você está envolvido e fazendo é o correto. Obrigada, Brandão, ele o "Afinador de Silêncios" pela lembrança deste escrevinhador, que certa vez viu o escritor Luiz Antonio Simas se autoretratar como "Historiador das Insignificâncias" e, desde então, adotou a designação para si. As muitas donas Hildas são o motor de minha escrita, algo idêntico ao lido no último livro do amigo poeta. Jamais me esquecerei de dona Hilda, a catadora de papel...

OBS.: Tanto eu, quanto Brandão, sabemos muito bem que, com o ex-capitão e miliciano presidente se reelegendo, a situação dos pobres só se agravará, daí impossível não estar junto de Lula neste momento.

LU BERNANDES E HELIO OITICICA JUNTOS EM BAURU
Lu Bernardes, EXPO NO BAR DO GENARO - A Bauru que ainda resiste. Ela é nossa/o Hélio Oiticica, rainha dos Parangolés na Terra do Sanduíche. Por aqui, em versões bem com a nossa cara e identidade, tudo o que flui no resto do planeta tem sua versão caipira, deste pedaço de sertão. Ser cosmopolita é conosco mesmo. Viva Lu e sua eterna arte. Uma de nossas "arteiras" preferidas.
Obs.: As fotos são de Pedro Romualdo.


HOJE É DIA DE RECORDAR MEU PAI, HELENO CARDOSO DE AQUINO E O FAÇO JUNTO DE ARCÔNSIO PEREIRA DA SILVA, NUM PASSEIO FEITO JUNTOS NA FEIRA DO ROLO EM 11/MARÇO/2010

"ARCÔNCIO E HELENO, 94 E 81, PASSEANDO NA FEIRA
Hoje uma historinha das mais simples, um reencontro, uma caminhada dominical de dois velhos senhores, que a lentos passos queriam rever um dos pontos mais movimentados da cidade. Pois foi assim, o ocorrido e eu conto como se sucedeu.

Domingo, 07/03, 10h, sol de rachar mamona, adentro a feira dominical de Bauru, mais precisamente o reduto da denominada Feira do Rolo junto de duas pessoas de responsa. Eu, HPA, 50 anos quase completados, ladeado de dois senhores, de um lado Arcôncio Pereira da Silva, 94 anos e do outro Heleno Cardoso de Aquino, 81 anos. Andar num horário desses naquela babilônia é algo difícil para quem tem as juntas bem lubrificadas, imagine para nós três e com o sol a nos amolecer as moleiras.

Nossa parada primeira foi na banca de livros e discos do Carioca, bem defronte a sede da Associação dos Aposentados de Bauru e Região, onde seu Arcôncio ostenta a carteira de sócio nº 1 da entidade. Portões fechados, arrumo banquinhos para ambos descansarem numa providencial sombra. “Eles não abrem mais aos domingos, pois ficava uma fila para o xixi”, me explica um vendedor de relógios. Seu Heleno, meu pai fica a fuçar livros e um deles lhe atrai, “Tietê – Imagens que o Brasil não vê”, que o Carioca lhe passa às mãos por módicos R$ 2 reais. Tiramos fotos e caminhamos por entre as bancas até uma de pastel, que pudesse acomodar três suados senhores, nenhum de chapéu. Um de queijo para cada um, regado com refrigerantes e alguns encontros, esbarrões e conversas com gente curiosa.

Ali na mesa são mostradas carteiras de ambos, uma da Associação, a do Arcôncio e outra do Passe Livre da Emdurb, a do pai Heleno. Uma peculiaridade da história da cidade outrora ferroviária, Arcôncio conta ter saido da Cia Paulista em 1949, após liderar uma famosa greve e Heleno, adentra a mesma em 1946, para dela sair só aposentado. E ali bem ao lado dos trilhos, mal puderam vê-los, pois o largo estava de gente aos borbotões e as pernas de ambos já não correspondiam com a vontade expressa pelo corpo.

Muita conversa, muito calor e uma caminhada de volta até o carro em exatos 150m dali. Ambos queriam caminhar, sair da rotina, rever a feira, ver gente e assim foi feito. Caminhando lentamente, ora pelo centro da feira, ora pela calçada, com várias paradas, para descansar as juntas e para um alcançar o outro Deu para sentir que além do cansaço, ambos estampavam uma fisionomia de desbragada alegria. E assim fomos todos para o almoço. Tudo aquilo não durou mais que duas horas e tenham certeza, foi a melhor coisa que fiz naquele domingão de sol implacável", história publicada no blog Mafuá do HPA.


OBS em 14/08/2022: São as tais inevitáveis lembranças a revoar dentro de nossa mente. Tantas histórias envolvendo meu querido paí, achei essa logo cedo e como gosto demais também de seu Arconsio, eis ela para ilustrar e reviver por onde eles já pisaram.

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