domingo, 27 de novembro de 2022

MEMÓRIA ORAL (286)


A "401", BAURU, ABPF E SEU DESTINO ATUAL
Atuei no segundo mandato de Tuga Angerami (2005 a 2008), como Diretor do Patrimônio Histórico e Cultural, junto da SMC - Secretaria Municipal de Bauru e uma das tarefas mais prazerosas do período foi o realizado dentro da manutenção do Projeto Ferrovia para Todos. Como foi importante conseguir manter funcionando a Maria Fumaça nos trilhos desta cidade. Hoje, olho para trás e diante do quadro atual, tudo parado, algo além da tristeza. Tocar aquilo tudo requer algo mais além de carinho e dedicação. Tem ainda gente por lá com esse espírito, mas não existe vontade política, daí, tudo feneceu.

Conto aqui e agora, algo particularmente envolvendo uma história daqueles tempos. Tínhamos sob a guarda do Projeto algumas raras locomotivas. A que rodávamos, outra no Bosque da Comunidade e a 401, requisitada pela ABPF - Associação Brasileira de Preservação Ferroviária, com sede em Jaguariuna SP. Estes, entidade privada e tocando, além de tudo o restauro de itens férreos, colocando-os para rodar no trecho do leito férreo Campinas - Jaguariúna. Rivalizavam com o de Bauru, pelo simples e único motivo. Queriam e conseguiram levar de Bauru a locomotiva 401. Hoje, olhando para trás, vejo que, brigou-se muito, mas a locomotiva se encontra rodando nos trilhos e tudo aqui em Bauru juntando teia de aranha. Está, portanto, em ótimas mãos.

Essa história, a da resistência bauruense, me voltou à mente após hoje, sábado, 26/11, ter encontrado no Sebo do Ismael, em Águas de Lindóia, o exemplar do livro "Na linha da Preservação - O leito férreo Campinas - Jaguariúna", autoria de Suzana Barretto Ribeiro, 2007. Dentre tantas outras, revejo a história da 401, assim relatada: "Operou Companhia Noroeste do Brasil, inicialmente na linha de passageiros Bauru-Corumbá. Nos últimos anos, operou no ramal Araçatuba-Lussanvira. Após a extinção do ramal, ficou estacionada no trecho e na década de 1990, seguiu para a Oficina de Bauru com a intenção de implantar na cidade um trem turístico. A reforma foi iniciada, mas não chegou a ser concluída. Em 1997, com a privatização da EFNOB, a concessionária Novoeste solicitou a RFFSA a retirada da mesma do pátio das Oficinas. A ABPF solucitou à RFFSA em regime de comodato. A reforma consistiu na recuperação da caldeira, da tubulação externa e da readaptação de todos os acessórios. Atualmente está no comando dos horários principais da Viação Férrea Campinas-Jaguariúna".

O livro me custou R$ 50 reais e pelas fotos revividas, junto de tudo o que a ABPF fez e faz, sem preço. Tívemos um Projeto, muito foi feito, escrevemos a História, mas atrelado ao poder público municipal feneceu e hoje tudo existe na saudade. Sem entrar nestes detalhes, uma só certeza, a de que, a 401 não poderia mesmo aqui permanecer, pois caso ainda aqui estivesse, seu destino seria trágico. O mal do Ferrovia para Todos foi ter se deparado com administrações que não o valorizaram. A atual nem o conhece, enquanto a ABPF, entidade privada, sabendo se impor, faz acordos com as Prefeituras da região de Campinas e assim toca seu barco adiante.

Não quero muito me estender. A lembrança tem como intuito reavivar a memória de alguns, demonstrando que o Ferrovia para Todos pode um dia voltar a existir, mas sempre dependerá da boa vontade dos administradores da cidade de Bauru. Hoje, sendo dilapidados pelo tempo, a maioria sem abrigo, exposta a sua ação implacável, enquanto, se tivesse tido solução de continuidade, teríamos hoje na cidade de Bauru a belezura da composição da Maria Fumaça alegrando tudo, todas e todos por aqui. Contra fatos, não existem argumentos.

A PRAÇA E ALGO AOS DESASSISTIDOS...
Sábado último, 8h da manhã, vou ao Banco do Brasil, agência da praça Rui Barbosa. Tudo ainda um tanto deserto. A cidade começa a se movimentar, com o comércio abrindo suas portas logo a seguir. Na volta do atendimento eletrônico, vou abrir o carro e me deparo com uma única movimentação de pessoas, ajuntamento em torno de uma mesa no local.
Na mesa, coberta com toalha, frascos de isopor com café com leite e cestas cheias de recheados pães. Alguém estava preocupado com os tantos em situação de rua e distribuia algo de comer e beber a estes. Não havia nenhuma identificação, ou seja, quem fazia a boa ação não estava preocupado com a divulgação de seu nome e sim, em fazer algo, se doar. Parei e fiquei assuntando, percebendo a rápida movimentação em torno daquela mesa. Pelo visto, já se tratavam de velhos conhecidos, em algo repetido com certa frequência. Na quadra debaixo, de segunda a sábado - menos aos domingos -, o Bom Prato também faz o mesmo e do outro lado da praça, num dos portôes da catedral católica - só nos finais de semana -, também o mesmo procedimento. Na junção de tudo, a sensibilidade de algo sendo feito para os desvalidos e desassistidos desta cidade. Vi também se aproximando a travesti Darcy, velha conhecida e também indo em direção à mesa. Quero muito entrevistá-la, ouvir suas histórias, mas aquele não era o momento. Vou aguardar outro mais adequado. Naquele momento, queria permanecer à distância, sem ser notado e ir constatando algo bom de ser visto. Sai dali com todo o presenciado bem vivo na memória. Essas ações, para mim anônimas, são as mais significativas, ou seja, tem algo de bom ocorrendo nas entranhas desta insólita Bauru, algo que poucos tomam conhecimento.

ESTAMOS DIANTE DE UM COVARDE
Rui Castro na Folha SP de ontem, sábado, 26/11/2022.


DE QUE LADO SE ENCONTRA A MÍDIA MASSIVA BRASILEIRA 
Com o vácuo que Jair Bolsonaro (PL) deixa na Presidência da República nos últimos suspiros do seu governo, somado ao magnetismo internacional de Lula (PT), estamos vivendo um fenômeno inédito que é o tratamento destinado ao presidente eleito. Lula já está sendo tratado como chefe de Estado em exercício do Brasil, tendo sido convidado para a COP27, a conferência sobre o clima da ONU, por exemplo. Entretanto, a imprensa brasileira, muitíssimo na contramão de toda a comunidade internacional, insiste em sua postura de ódio de classe contra Lula e, mais recentemente, contra Janja, socióloga, militante e esposa dele.

Isso, na verdade, vem acontecendo desde antes das eleições, quando a imprensa achou pertinente divulgar os valores dos vinhos servidos no casamento dos dois, os quais eram absolutamente razoáveis, diga-se de passagem. Depois das eleições, já soubemos o valor máximo da diária de um quarto de hotel no qual Lula ficou hospedado, já soubemos que ele pegou carona em um avião particular de um empresário e já soubemos também do valor da camisa usada por Janja em sua entrevista ao "Fantástico.

Curioso, porém, que nunca soubemos, pela imprensa, quanto custou levar o pastor Silas Malafaia em um avião da FAB (Forças Aéreas Brasileiras) para Londres no funeral da rainha Elizabeth. Vale lembrar que ele não ocupava nem ocupa cargo público que justificasse sua ida ao evento. Não sabemos também quanto custou levar o maquiador de Michelle, primeira-dama, para esse evento, ou quanto custavam os looks que ela usou nos últimos quatro anos. Não sabemos de quem era o barco no qual Jair aparecia dançando enquanto milhares morriam na pandemia. Não sabemos a quantas ficou a carona que o atual vice-presidente do país, Hamilton Mourão, pegou no jatinho de Serafim Meneghel, um usineiro do Paraná. Não sabemos muitas dessas informações porque estão dentro do sigilo dos gastos do cartão corporativo da presidência. Porém, para a imprensa brasileira, é mais grave que uma socióloga use uma camisa cara do que a família presidencial ter comprado 51 imóveis com dinheiro vivo. É evidente que a imprensa brasileira tem um viés ideológico quanto o assunto é Lula e, agora, Janja. E, na minha opinião, esse viés é especialmente de classe, porém não só. Há também uma tentativa de reafirmar o senso comum de que pessoas politicamente à esquerda devem fazer voto da pobreza e sacrifícios. Quem nunca leu por aí a expressão pejorativa "socialista de iPhone" sendo usada para apontar uma suposta hipocrisia?

Costumo dizer —e imagino que de forma nada inédita— que quem gosta de pobreza é o capitalismo. Esse sistema precisa, necessariamente, da escassez e da concentração de renda existir. A ideologia política à esquerda, portanto, não tem nenhuma intenção em compartilhar a pobreza e a miséria, mas sim em compartilhar as riquezas. Lula, por exemplo, sempre diz como seu sonho é acabar, de novo, com a fome, não em aumentar a quantidade de pessoas famintas.

A imprensa brasileira também parece esquecer a magnitude do cargo que Lula já ocupou e voltará a ocupar em 2023. É sabido por qualquer pessoa que, por questões de segurança, um ex ou atual chefe de Estado não pode pegar um voo comercial. E se o atual governo não teve a capacidade republicana de oferecer um avião da FAB para que o presidente eleito pudesse representar o Brasil na COP27, qual solução você daria a esse imbróglio?

Não vale dizer que o PT deveria pagar o avião porque Lula foi representando o Brasil no evento, e não o partido. Também não fico confortável com essa carona, entretanto noto que havia pouca ou nenhuma margem de manobra disponível para Lula conseguir cumprir esse compromisso em nome do país.

Na minha opinião, a explicação para esse escrutínio financeiro da imprensa a cada passo de Lula e sua esposa se explica apenas porque ele já foi muito pobre e porque, apesar de ter ascendido socialmente, continua a ter as pessoas pobres no centro de sua atuação política.

A imprensa, especialmente a sudestina, parece se contorcer em cólicas ao ver especificamente esse presidente eleito se comportar, em todos os aspectos, de acordo com a indiscutível importância do cargo, o qual tem liturgias específicas que são integralmente inquestionadas quando exercidas por qualquer outro político.

Se você acredita que é preciso ser ou ter sido pobre para se indignar com a fome ou com a falta de moradia, sinto dizer que sua humanidade está um pouco enfraquecida. Tive o privilégio de crescer em uma família de classe média alta, porém nunca me faltou, desde criança, a angústia com as pessoas esquecidas pelo Estado.

Infelizmente, está parecendo que a imprensa prefere os incontáveis sigilos financeiros do governo Bolsonaro do que a transparência do futuro presidente de uma das 20 maiores economias do mundo que apenas está vivendo de forma condizente ao cargo de homem mais poderoso de uma nação trilionária. E, caso você não lembre, a exposição das roupas da posse de Jair e Michelle custou R$ 9.285 ao governo, ao passo que a camisa de Janja não onerou nem em R$ 1 os cofres públicos.
Escrito por Isabela Del Monde e transcrito integralmente por este HPA.

RECADO DO HPA (10)*
* Tomo conhecimento ou participo do fato, venho correndo pra casa, antes dele cair no esquecimento, passo para o papel de próprio punho e depois publico.

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