segunda-feira, 8 de maio de 2023

CHARGE ESCOLHIDA A DEDO (194)


ACORDO SEMPRE QUERENDO MUDAR O MUNDO
Agora peguei gosto por acordar ainda mais cedo do que já fazia. O despertador do celular grita exatamente às 6h da manhã, mas antes disso, lá pelas 5h10 algo já me desperta e quero pular da cama. Todo pimpão, levanto. Mal urino, nem lavo direito o rosto já quero ler.

Estou adorando o livro do Henfil, "Diário de um Cucaracha", que a Ana Bia odeia, mais pela barata da capa e por vê-la todo dia exposta na cabeceira de sua cama. Já quer pegar um chinelo e partir pra cima da dita cuja. Aprendi algo mais. Terminada a leitura do dia, deixo a barata virada pra baixo e pronto, causo mesmo virulência nas atitudes "anisticas". Assim não a provoco e tocamos o barco. Henfil é ótimo em suas reflexôes, anos 73/74, quando morou em Nova York. Recomeço um diário por causa dele, só dele.

Ler, ler e ler é o que me resta. Queria, na verdade, ser, fazer e acontecer, muito mais do que ando fazendo. Ajudar em muito mais do que me vejo fazendo no propósito deste país se reencontrar consigo mesmo e sair deste atoleiro de destruição golpista. Ando vendo tão pouca gente envolvida nisso e sei, isso me faz só aumentar minha angústia interior. Isso adoece a gente, corrói por dentro e por fora.

Ontem a noite, vendo TV, deixei o futebol de lado e acho que no Canal Brasil, um filme brasileiro sobre a vida da arquiteta carioca, a Lota Soares - com a Glória Pires no papel principal. Foi ela quem deu a cara atual do Aterro do Flamengo, tempos do governador Carlos Lacerda, que havia aderido aos golpistas de 64 e depois se arrependeu, mas já era tarde demais. A cena que me fez ir pra cama e sonhar foi a da personagem vivenciada pela sua amante norte-americana, Elizabeth Bishop, presenciando o Brasil ser destroçado pela ditadura militar, massacre popular, ela intranquila com aquilo tudo, tocada pelo que faziam de mal ao Brasil, mas ao abrir sua janela do apartamento na praia, ali um grupo alegre de brasileiros, no caso os fodidos, indiferentes e jogando futebol alegremente na areia.

Mas como? Ela, uma estrangeira se mostrando sensível e os brasileiros só festando, indiferentes ao punhal nos seus costados. Sinto o mesmo. Como não percebem nada? Essa resposta me faz pensar em algo tão comprido, tantas vertentes, tanta explicação e nenhuma solução. Isso me corrói, por dentro e por fora. Minha face expõe as marcas não só da passagem do tempo, mas também deste pouco fazer para mudar o mundo. Eu continuo querendo mudar o mundo. Será que, a minha forma de mundo e de Brasil é mesmo a melhor, mais adequada e seja isso mesmo o que os brasileiros querem e necessitam.

Anos atrás, meu amigo Marcão Resende me disse algo e não esqueço jamais. "Eu sei o que este país precisa. O povo não sabe, por isso é enganado, mas eu sei e se um dia fosse o governante, não exitaria e colocaria em prática o que sei ele necessitar". Mas isso também não é outra forma de ditadura? Sei lá, talvez sim, talvez não. Hoje, neste momento, queria ler menos e agir mais. Só isso, acho que até as rugas no rosto diminuiriam. No entanto, Ana me chama lá do quarto, quer que deite mais um pouco ao lado dela, enfim o dia mal clareou. Vou lá, depois continuo.

DISSONÂNCIA COGNITIVA, SEGUNDO O MINISTRO FLÁVIO DINO
Ouvi essa em uma de suas idas ao Congresso para se defender de ataques dos deputados, sempre prontos para criar caso, quase sempre com argumentos sem fundamento. Ele relembra uma histprinha de antanho para se safar dos ataques e, como sempre, provocando risos entre os presente. Ou seja, em primeiro lugar, Flávio Dino é muito bem preaparado e de suas falas, seus sempre bons argumentos, os melhores momentos destes primeiros quatro meses de Governo Lula.

A historinha era mais ou menos assim. Ele, pelo visto, gosta de repetir uma "história dos anos 50 sobre uma seita em Chigado, nos Estados Unidos, conhecida como seekers, segundo a qual a humanidade acabaria graças a um dilúvio. Para escapar da tragédia, seria preciso estar num determinado loca le hora e entrar em um disco voador. Os adeptos da seita largaram emprego, famílias, tudo. Quando não houve o apocalipse, a líder do grupo, a dona de casa Dorothy Martin, saiu-se com a seguinte explicação: a fé da seita havia salvado o mundo. Esses fatos foram relatados em um livro de 1956, intitulado Quando a Profecia Falha, escrito por três psicólogos de Nova York. Para os autores, o fracasso da previsão aumentou a crença dos fiéis, não o contrário".

A historieta cai como uma luva para os que ainda continuam acreditando na bazófia propagada pelo bolsonarismo e incrementada em cada nova publicação da rede de fake news por estes utilizada. O novo governo promete um permanete combate às fake news e à desinformação, mas mesmo tentando, parecem patinar e pouco avançam. Nenhum lei neste sentido ainda foi aprovada e o lado contrário, o vivendo dentro da mentira, continua com muita força nos espaços decisórios deste país. Ou seja, a tarefa não é fácil e pode piorar, pois em alguns casos, como já é perceptível, os danados, perveros e sujos, ao verem desmoronar alguma trama urdida, tentam reverter tudo com dividendos. A mais nova é essa, a de que Lula é o culpado pela tentativa de golpe no 8 de janeiro. Não basta repetir a historinha, creio teremos que fazer algo mais, pois a Justiça brasileira é muito lenta e em alguns caso, conivente com tudo o que fizeram e fazem. Mas o que fazer diante de tamanha aberração, se nem devidamente organizados estamos mais? Como brecar as mentiras, ódio e teorias conspiração correndo solta pelas redes sociais, quando não se consegue nem mais mobilizar a população e parte dela prefere se posicionar ao lado da mentira e dos mentirosos?

OS SITES DE APOSTAS ESPORTIVAS E OS CLUBE EMPRESAS - EU E AFONSINHO PENSANDO DO MESMO JEITO
Como sabem, sou amigo do craque da pelota, da medicina e da escrita, Afonsinho, meu amigo internético, leitor semanal de sua coluna esportiva na revista Carta Capital. Ele já aqui compareceu me dando o prazer de uma longa entrevista no meu projeto Lado B - A Importância dos Desimportantes. Um jogardor pensante não só dentro das quatro linhas, mas fora dela, onde continua batendo um bolão.

Li na edição da revista, semana passada, algo pelo qual estava me preparando para escrever e daí, compartilho o que está contido em seu texto "Novos Tempos", depois complemento com algo de minha lavra. "O número extravagante de sites e aplicativos de apostas que estão estampados nas camisas de quase todos os times e que, aparecem também de forma avassaladora, em todos os meios de comunicação. Vê-se , pelo grande número de empresas concorrentes, que se trata de um negócio rentável. Já no que diz respeito às logomarcas estampadas nas camisas dos clubes, chama a atenção o fato de que, quanto mais carimbos nos uniformes, mais o time está na pendura. Vemos de tudo: nome de plano de saúde, de escolas e até mesmo de pensões nas quais as equipes de base se alimentam", escreveu Afonso.

Ele toca, junto e misturado em dois problemas, ambos ocorrendo ao mesmo tempo dentro da instituição futebol brasileiro. Primeiro a quantidade excessiva desses sites de apostas, que pelo bem do meu suado dinheirinho nem quero saber de detalhes. Para mim, passam todos batidos, pois sei de antemão, irei perder grana se entrar numa dessas. Muitos craques aposentados da bola anunciam a novidade como a bola da vez, o maná que nos fará enricar fácil. Tô fora e gostaria de ter instruções sérias sobre tudo isso, pois enxergado por mim como mais uma arapuca, dentre as tantas que a TV nos incita a adentrar. Por fim, a penúria de muitos times de futebol, algo sempre vindo à tona. Agora, com a aprovação dessas SAF - Sociedade Futebol Empresa, estão fazendo de tudo e mais um pouco nos bastidores da bola para que os eternos candidatos a rebaixamentos se vendam para empresas, na grande maioria estrangeiras.

Eu, inveterado amante do futebol, nos últimos tempos, torço mais pelos que estão na rabeira dos campeonatos e quando os vejo entrando em campo, com suas camisas cheias de anúncios, logo penso na penúria destes, enfim, que futuro terão, com ou sem um dono pra chamar de seu? E de apostas, estarei sempre com um pé atrás, pois aprendi com o jogo do bicho e depois com as roletas dos grandes cassinos: é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que alguém enricar de algo advindo dessas arapucas.

COMPRADO!, por Maria Pia Borges, Página 12, edição de hoje*
* Enfim, se podem comprar sua geladeira velha, por que não seu fígado, um olho, baço, sangue e tudo o mais. Dos limites de um capitalismo cada vez querendo mais e te explorando em todos os sentidos:
Compro geladeira, máquina de lavar, cozinha, senhora, compro tudo usado! Comprado! A caminhonete meio dilapidada, a buzina no teto, um megafone ambulante. Um pouco de música. eu compro, eu compro Na mishiadura não há quem não olhe para sua casa o que sobrou. Chega de doar para o Exército de Salvação ou Cotolengo. O caminhão passa devagar, tentando qualquer um que possa ter uma queda solidária. Vamos, larga o que te comprei. Atrás vem outro branco, com som de ambulância, mas o mesmo megafone e buzina. Compra, senhora, compra, rim usado, fígado ou pulmão, coração, nem pensar! Eu compro, senhor, não se acanhe, você terá algum órgão! E se não, menino ou menina, para comercializar.

Não, claro que não será esse o cenário imaginado pelos apologistas do mercado de todos os seres vivos. A van branca não vai interromper a sesta em bairros tranquilos - escrevo isso e me lembra o mito do Trânsito branco, que volta duas vezes por ano nas áreas das universidades públicas, para citar o medo de sequestro que se espalha entre as meninas. Mas não será apenas o transporte de gritos de bairro, mas outras estratégias de mercado, redes apoiadas por instituições médicas privadas que conectam quem precisa de dinheiro com quem precisa de órgãos; da mesma forma que hoje se relacionam com quem quer filhos e com quem aluga seus ventres. Claro que não é a mesma coisa, mas como escreve Paula Puebla no Latfem, se não nos sentarmos e pensarmos nisso, ficamos presos sob a narrativa das empresas ou de um maniqueísmo acusatório e exculpador --dois lados da mesma coisa--. A diferença entre alugar e comprar, no entanto, por mais chocante que seja quando se trata de estoque vivo, é crítica. Por isso, algo acontece quando a ideia de comprar e vender qualquer coisa, partes do (próprio) corpo ou de outros corpos, é expressa em voz alta, quando se reivindica a liberdade de fazer o que se quer com o vivente: um corre um limiar que abre o caminho para o abismo.

Carlos Gamerro, em Las islas --um romance marcante, que entre suas muitas camadas narra a transformação neoliberal da sociedade-- imagina uma trama na qual os pobres e desesperados são convocados a comprar sangue, mas acabam sendo operados e privados de órgãos. Ele coloca essa rede ao lado do esquema da pirâmide como uma lógica de acumulação e construção de uma comunidade empresarial que anexa os serviços de inteligência e tem sede em Puerto Madero. Narra os anos 90, mas aquelas imagens que se arranjam criticamente na ficção voltam como declarações e bandeiras na boca de uma direita que quer menos governar do que injetar seu veneno na circulação social.

Por que os órgãos não podem ser vendidos se alguém os tem e outra pessoa precisa deles?” Gritem os apologistas por devolver um supermercado ao mundo. Por que não se vendem crianças se alguém tem demais e os outros querem?Dobram a aposta imaginando o trânsito. A direita faz essas perguntas, e nós reagimos com escândalo, mas ao mesmo tempo um pouco gaguejando. A falta de discussão pública sobre barriga de aluguel alugada, entre tantos outros debates ausentes, faz parte desse estado de estupor com que nos deparamos com um posto avançado de direita, que só poderíamos começar a caracterizar se levarmos a sério o que significa mercantilização radical. existe.
POWER POINT DESTE MAFUENTO HPA


Já assistimos à conversão de terras em mercadorias e as águas estão sempre ameaçadas de golpe. As instituições públicas favoreceram o patenteamento das sementes e da mão-de-obra, já que o fim dos tempos --desde a origem do capital-- é mercadoria. As demais espécies são mercadorias e os incubatórios, indústrias. Mas o humano permaneceu em uma espécie de sacralidade inviolável e sua autonomia e integridade protegidas por direitos. Por isso, pode-se vender a força de trabalho, mas não o trabalhador ou o trabalhador, como ocorria no tráfico negreiro; Por isso, podem existir contratos mais ou menos precários e exploradores, mas não se permite a redução à servidão de outrem. Acontece, é noticiado, existem leis que permitem a denúncia.

Quando, diante dos direitos humanos, se levanta o grito de compra e venda e a decisão de submeter nossa própria integridade corporal ao comando do capital é chamada de liberdade, o passo para o abismo está dado: ali, a necessidade se aprofundará - -sem direito à vida, nem salário universal--, e cada trabalhador será livre não só para contratar sua força de trabalho, mas também para vender suas partes do corpo ou seus próprios filhos. A fome regulará o mercado e a humanidade poderá ser dividida em partes: os afogados e os salvos, agora convertidos em vendidos e em que podem comprar. Aqueles que vendem, para continuar vivendo, uma parte de sua existência viva. A substituição da ideia de direitos --à vida, integridade, à autonomia – pois a primazia do mercado está no fundo de uma série de enunciados que não carecem de organização porque aparecem dispersos. A remoção da ideia de direitos humanos para “empregos”, a supressão da noção de direitos e a afirmação contundente do domínio do mercado andam de mãos dadas.

Discutir isso é repensar o humanismo com suas contradições, como pensou Horacio González em seu último e extraordinário livro Humanismo. Desafio e resistência . Mas também pense com todos os riscos, sem medo dessa corrida alucinada de hostilidade que a direita agita. Pensar com medo de ofender é o que acontece quando você para de falar em direitos, para substituir essa linguagem pela do mérito e da punição. Quando paramos de falar em salário universal? Ao menos, continuamos a defender a aposentadoria universal, que agita o turbilhão dos direitos sociais, confundindo trabalho com contribuições em branco; ultraja o FMI e contraria as políticas de outros países de adiar o tempo em que as pessoas podem se aposentar de seus empregos assalariados.

Não é pouca coisa a conjunção dessa tendência de aumentar o tempo de vida do capital --a proposta que unifica a direita monarquista e com possibilidade ou experiência de governo, aqui e no mundo-- e o grito midiático amplificado, colocar toda a vida, sua encarnação, na mesa de trocas. Alguns se referem ao tempo, outros à integridade. O que está em jogo é ultrapassar o limite, em nome das necessidades das pessoas e da racionalidade macroeconômica, da exploração do humano. Compre, senhora, senhor, compre o que tiver à venda! Algo deve ter sobrado! Alguns anos, um garotinho ou talvez um rimzinho já gasto?

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