quarta-feira, 17 de maio de 2023

FRASE DE LIVRO LIDO (189)


MUDAR NÃO É FÁCIL, MAS ELA ACONTECE, MESMO COM TODA ADVERSIDADE


Inegável, o país está mudando para melhor, muito melhor do que o antes governado pelo miliciano. Incontestável isso. O trabalho de reconstrução é difícil, moroso, pois estávamos vivenciando avançado estado de degradação e destruição. O retorno à normalidade não ocorrerá de um dia para outro, num piscar de olhos, sabemos disso. Hoje, ao abrir os jornais mais um capítulo, mais um degrau nessa caminhada.

"Petrobras rompe com a paridade e já reduz preço dos combustíveis", essa a manchete do dia, a de que o preço da gasolina irá cair e muito do cobrado hoje nas bombas. É uma nova forma de administrar a questão, um novo passo, bem diferente do anterior. Como não aplaudir e torcer pelo sucesso da empreitada? Ainda ontem, o novo presidente paraguaio, em visita ao Brasil, reafirma também ser favorável ao acordo de livre comércio entre a União Européia e o Mercosul, algo impensável até o final do ano passado, tanto aqui, como com os paraguaios. Ou seja, nossas relações internacionais com os países do continente - e do mundo - voltam a tomar rumos dentro de uma normalidade a nos dar muita esperança, com diálogos e reais possibilidades de ajustes coletivos. Como não se alegrar com isto? Impossível se manter indiferente e omisso.

É uma retomada e mesmo os mais céticos, precisam entender isso. Vista como lenta por alguns e até ousada por outros, pois o campo minado que é a política nacional e a atual conjuntura atual compondo todos os parlamentos é altamente desanimadora. Vejo que muito é feito e muito mais será feito, tudo dentro do possível. Gritem, esperneiem, mas estaríamos todos num mato e sem cachorro, com o avanço da destruição de tudo o que duramente foi conquistado ao longo de décadas, se o desGoverno do capiroto tivesse conseguido sua reeleição. No entanto, hoje a possibilidade de olharmos novamente para o futuro acontece com muita esperança.

Sei que, nem todas nossas instituições hoje acompanham o que está em curso em Brasília, ou seja, não existe uma coordenação geral. Muitos ainda agem em conformidade com as regras da degradação bolsonarista. A morosidade judicial vista aqui em Bauru - quiçá país inteiro -, em conseguir ao menos acompanhar o que é feito pelas instituições federais é alarmante. Lá em Brasília uma ação mais rápida, coesa com os novos tempos e aqui nos fundões do país, muito do conservadorismo reinante. A classe política resiste, pois foi quase completamente cooptada pelo ideal bolsonarista. Existe de fato um país necessitando olhar e andar para a frente, se libertar das amarras que o prendem ao passado, este ainda comprometido com ideais nada altaneiros. Um avanço difícil, moroso, doloroso, árduo, onde lutar e ser perseverante se faz necessário.
OBS.: As três tiras são de autoria de Miguel Rep e, aparentemente nada possuem a ver com o texto de minha lavra, mas na verdade, possuem tudo a ver. Foram publicadas neste mês no diário argentino Página 12.

PASSEAR NOS ESTADOS UNIDOS É UMA COISA, MORAR É BEM OUTRA – HENFIL JÁ HAVIA DESCOBERTO ISSO NOS SEUS RELATOS ENTRE 1973/1975
Escrevi algo ontem sobre o triste acidente num circo de passagem por Bauru, quando quatro motociclistas do Globo da Morte se envolveram num grave acidente. Estão sendo atendidos pelo SUS – Sistema Único de Saúde, algo único no mundo e tivesse o mesmo ocorrido nos Estados Unidos, dito e visto como a terra da democracia (sic), sem nenhum plano de saúde vigente, estariam num mato e sem cachorro. Aqui não, o SUS nos garante a todos, indistintamente se temos ou não dinheiro para pagar a conta. Henfil, o brilhante artista do traço, conta algo do que passou nos Estados Unidos, em sua passagem por lá, em primeiro lugar para se tratar da hemofilia. Voltou desolado, primeiro quando percebeu, por lá tratamento médico só pagando e nem sempre de qualidade. Escolhi trecho do livro, onde ele relata suas agruras, algo boníssimo para compararmos, até hoje, como se dá algo por lá e aqui:

- “Quero lutar por uma coisa chamada babacamente de redenção dos povos. Vivo e respiro luta de classes. (...) Não nasci no berço das artes gráficas. Nasci no berço da guerra social. (...) Foi aí, como me senti, que entendi o que achavam de nós. Doente ali era como gado no curral: inferiores. O tratamento era massificado e ministrado por boiadeiros. Falei aí em inferiores. O que são os doentes, nessa raça tão pura, senão inferiores? Na Terra de Marlboro, lugar de fraco é no galinheiro. Posso estar generalizando, posso estar errado. Mas se querem saber como é que me fizeram sentir, é isto aí: inferior feito judeu em campo de concentração. (...) Fui acordado no hospital por um funcionário pedindo 1.500 dólares de depósito pela minha internação. Ele não queria falar com a família, não queria saber se eu estava com dor. Foi embora sem se despedir quando disse não tinha trazido essa fortuna pra Emergência. Fugi e em casa, com a cobertura dos amigos, fui melhorando devagar. (...) Fui vendo crescer uma certa confusão na minha cabeça, no meu entusiasmo com a aventura americana. Fica parecendo que as chances estão realmente aqui, desde que eu não adoeça. Pior é que eles estão me telefonando e eu com uma cara de pau, digo simplesmente que não tenho dinheiro. (...) Agora ou me prendem ou me arrumam ou me arrumam uns pratos pra lavar. Mas pagar 1.500 dólares por ser torturado por uma noite, nem com a intervenção dos mariners!

- Nova York é realmente o maior centro médico daqui, PRA QUEM TEM DINHEIRO. Se eu tivesse muito dinheiro, mas muito mesmo, eu ia poder ir pra um quarto particular e aí ia ser outra coisa. O ruim dos hospitais não são os médicos, o plasma, o tratamento. A merda é a enfermeira de emergência. Pior que INPS da Baixada Fluminense. Mas com dinheiro eu ia ser tratado a leite de pato. A minha forte reação talvez tenha sido pela imensa decepção diante de uma expectativa de que tudo nos EUA é uma maravilha. E eu acreditei! (...) Tô assistindo de palanque a queda do último mito americano: a eficiência. Este é o país da procrastinação. Essa palavra é da maior importância por aqui. Tudo é procrastinado para daqui um mês ou dois. Nada se decide rápido. (...) Quem não se decepciona com isto aqui só pode ser um babaca. (...) o que sofri no New York Hospital não foi porque eu era latino, é o que está reservado para todos os americanos que não são milionários. Enfim, para a maioria do povo. E basta de chorar. (...) Os conselhos que recebi para dar o pulo do gato, para ter sucesso na América. Me pediu para esquecer meu país, minha cultura, nosso humor, ou jamais seria aceito aqui. Jamais teria sucesso. (...) Difícil aguentar esta cidade de povo que não fala nem entre eles. (...) ser contra a riqueza não apenas porque ela é injusta (e se todo mundo fosse rico?), mas porque ela mata e torna infeliz o homem. Você só vai entender por que tô nessa pregação franciscana se vier ver este país rico chamado Estados Unidos.

- Sentir que, apesar de ser homem como qualquer americano, na realidade não sou. Sou um intruso, um penetra, um estrangeiro, um alien, pior: sou latino. Tenho olhos, ouvidos, pernas e braços como eles, mas, na loteria da vida, nasci no Brasil. Meu passe como gente só tem validade num espaço determinado chamado Brasil. (...) Millôr dizia, ‘desconfio daqueles que lucram com o seu ideal’. Tudo bem. Claro. Mas tenho vontade de plagiá-lo e dizer: ‘Desconfio muito mais dos que lucram com a sua falta de ideal’. (...) Taí uma coisa que queria aprender: ser cínico como eles. (...) Quem sabe o brasileiro, percebendo que não existe fora um paraíso para fugir, decida mudar o que está aí. (...) É um sonho achar que isto aqui está aberto para o mundo. (...) se o que querem me ensinar é a ter ódio deles, estão conseguindo. O mundo ainda vai ter que se reunir um dia para aplicar palmadas nestes superbebês-johnson. (...) Cansado de ser estrangeiro. Basta!”.

Comecei com a visão do Henfil sobre como se dá a medicina naquele país, principalmente para quem não tem dinheiro e terminei com citações mais gerais sobre o país num todo. "Sicko", um filme documentário de Michael Moore, faz uma análise implacável da saúde em Cuba e nos EUA. Vale muito a pena constatar a comparação e depois, lembrar do nosso SUS. Como terminei agorinha mesmo de ler o “Diário de um Cucaracha” (editora Record RJ, 1985), justo depois do acidente no circo, foi inevitável juntar tudo no mesmo balaio.

RECADO DO HPA (21)*
* Ouvi de meu amigo e, mais uma vez aprendi. Os de baixo, os do Lado B desta cidade e mundo , buscam todos formas de continuar inseridos no contexto. Dão o se jeito, quando isso ainda é possível.

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