sexta-feira, 1 de setembro de 2023

AMIGOS DO PEITO (215)


MUVIQUINHA BÁSICA NO CENTRO DO RIO E SUA GENTE

AINDA LUGARES DO RIO, 25 ANOS DA FOLHA SECA
Conheço seu proprietário, o querido livreiro Rodrigo Ferrari há mais de 25 anos, ou seja, muito antes da Folha Seca ter sido aberta e ajudado e muito no ressurgimento e redescobrimento da Rua do Ouvidor, hoje reduto reconhecidamente boêmio do que ainda resta de Cidade Maravilhosa. Rodrigo é do meio livresco desde os seus cueiros. Quando o conheci estava atuando como funcionário da Dazibao, livraria com história no Rio. De lá, percorreu todos os caminhos possíveis e imagináveis no mundo do mercado a envolver livros. Certa feita estava atuando na livraria dentro do Espaço Hélio Oiticica, atrás da praça Tiradentes. Dizem ter sido ali o nascedouro da Folha Seca. Tenho lembranças bem vivas também de um show no extinto Canecão, 50 anos do Aldir Blanc, rendendo o seu melhor disco - tenho 3 CDs desta noite -, onde ele estava por lá, reverenciando, como eu, nosso maior letrista. Trago autografado o CD do Aldir, com algo me dado por ele, seu fone particular, pois disse tinha intenções de trazê-lo para Bauru. Ele me disse que iria, mas não gostava de viajar só e se fosse junto de amigos, como o Luiz Carlos da Vila ou mesmo, Moacyr Luz, iria com certeza. Fiquei só na vontade e quem não ficou foi o Rodrigo, pois logo mais estaria abrindo sua imponente livraria, especializada em três eventos bem cariocas: Rio de Janeiro, Futebol e Samba/Carnaval. Ali tem tudo destes três temas e hoje, ao rever o que foram estes 25 anos, uma só certeza, Rodrigo se superou, a rua do Ouvidor está movimentada, sem nenhum perigo, sempre cheia de gente cheia de luz e em busca de algo perdido na maioria dos demais lugares cariocas. Rodrigão conseguiu manter acesa do Rio, de um Rio que muitos possuem a certeza não mais existe, mas toda vez que ali aporto, como desta vez, tenho absoluta certeza, o Rio que tanto gosto continua mais do que vivo naquele cantinho da cidade.

O danado não só resiste, como está mais do que consolidado como uma das efetivas atrações cariocas. Sua livraria é point, é lugar de descanso, solidariedade e reencontro de gente bamba. Ele mesmo e sua mãe, Maria Helena Ferrari, também minha amiga, conseguiram juntar o fazer algo prazeroso, com um empreendimento comercial que, além de marcar época, já está escrito no imaginário brasileiro, como um destes lugares mais que iluminados. Impossível passar por lá e não ficar embasbacado, boca aberta para o que se vê por ali, desde os livros, como os CDs, tudo com a cara do Rio. Nesta passagem, digo para o simpático atendente, seis anos de Folha seca, que Rodrigo prercisa dar um jeito de mandar fazer pra revender as imagens dos criolos sambistas, feitas em barro ali sob o seu balcão. Queria levar um destes para minha estante mafuente e só não despistei o atendente e dei meu jeito de levar uma, pela amizade e consideração que sempre tive com o dono do estabelecimento. Já se estivesse sendo vendido, levaria vários. Ali, sem medo de ser feliz, Rodrigo mantém espalhados pelo lugar vários adesivos lembrando a campanha de Lula no retorno à presidência, ou seja, o lugar é democrático já na sua essência e não tem nenhum pudor - e por que deveria ter? - em esconder suas preferências, enfim a da maioria dos seus frequentadores.

Ficaria horas e horas relembrando todas as vezes em que voltei ao Rio, desde os áureos tempos quando ia lá, semana sim, semana não, para atuar vendendo minhas chancelas e, em quase todas, batendo cartão, retorno quase obrigatório na livraria. Acompanhei todo o desenrolar dos seus 25 anos, mesmo muito à distância, pois entre Bauru e o Rio de Janeiro, lá estão 850 km de pernada. Em cada retorno, pelo menos um livro ou CD. Desta feita, trago algo do melhor escritor destes tempos, entendendo tudo de Rio de Janeiro e de suas embaralhadas conexões com a magia dos terreiros umbandistas, Luiz Carlos Simas, in "O corpo encantado das ruas", fazendo uma boníssima analogia entre o que se vê hoje e o que via João do Rio, quando do século passado, no seu imortal "A alma encantadora das ruas". Tudo está mais do que entrelaçado, Simas, Rodrigo, a Folha Seca e a rua do Ouvidor. Esse cantinho do Rio é meu recarregador de baterias. Tomar uma cerveja gelada no meio do que antes era a rua, sentado bem defronte a livraria e ver de perto gente como o Cássio Loredano, rei do traço fino é algo onde fico "sem palavras" para descrever o que me traz ded júbilo e contentamento. Falei e continuarei falando muito desta livraria para todos os que, como eu, caipiras do interior paulista, aportamos no Rio. Quem vem e não teve o prazer de adentrar a livraria e bebericar algo defronte o estabelecimento, não conhece o Rio de verdade.

AINDA PESSOAS CARIOCAS, REENCONTRO COM RUI ZILNET
Rui Zilnet nem carioca é, mas assim como Leonel Brizola e tantos outros, ali aportou, ficou e hoje, passados mais de 50 anos envolvidos com o melado, já não existe quem não o veja como nativo. Tempos atrás, o intrépido fotógrafo aportou por Bauru, creio que trabalhando para a Vejinha Interior, um projeto que vingou por tempo limitado. Ele pegou gosto pela cidade, ali o conheci e amigos, assim continuamos. Vez ou outra nos falamos, já o entrevistei para o Lado B e juntos para perambulamos por alguns cantos do Rio, como a Livraria Folha Seca e o Bafo da Prainha, na Saúde, perto do cais do porto, zona mais do que boêmia carioca.

Volto ao Rio, fico sabendo que Rui está se restabelecendo de uma delicada cirurgia - já tudo muito bem com ele - e vou fazer uma visita em seu apartamento, justamente na rua Gomes Freira, poucos mestros depois do Largo da Lapa. Não podia estar melhor instalado, numa deliciosa muvuca carioca. Aposentado, trabalhando muito menos que hoje, mas tocando a vida ao lado da admirável Fernanda - digo ter ele ganho na loteria ao encontrar parceira tão jovem e formando lindo casal -, mora no terceiro andar de um prédio, que quando janelas abertas, assiste tudo o que rola ali embaixo de camarote. E ali, como se sabe, acontece de tudo e mais um pouco, desde sambas até facadas.

Rui é homem das ruas, das quebradas, das andanças pelas ruas, sempre empunhando sua máquina fotográfica e tendo seu trabalhos expostos e publicados pela aí. Ganho dele um lindo embornal, com reprodução de foto sua, com assinatura e tudo, além de revista sobre a história da Portela. Ele me mostra seus trabalhos, o de seu irmão, faz um café pra gente e juntos ficamos tempo na janela, vendo como a coisa se passa por ali, ele me contando particularidades de todos, conhecidos seus. Este canto do Rio, coração da Lapa é inebriante, efervecente e contagioso, pois quem, como eu, por aqui, passa acaba querendo ficar e se estabelecer. Muviucas deste tipo são magnetizantes na vida de qualquer pobre mortal interiorano, pois quando toma conhecimento que isso ali acontecendo ainda é possível, já quer mudar de mala e cuia. Rui vive neste lugar e está feliz da vida. O vejo corado, quase pronto para voltar a ativa, agora mais de leve, sem grandes envolvimentos, pois depois de muitos quilômetros rodados, nada como pegar tudo mais de leve. Ele sabe disso e pratica tudo dentro do ainda permitido, primeiro pelo corpo, depois pelos contidos e incontidos desejos internos. Este gaúcho carioca é maravilhoso, até porque, pouco antes de bater em retirada me diz ao pé do ouvido: "Henrique, sua visita foi uma das coisas melhores que me aconteceram aqui desde a cirurgia. Volte sempre". Mal sabe ele que já queria ficar.


GENTE QUERIDA DO RIO, PROFESSOR ANDRÉ KIT
André Kit foi calouro de Ana Bia na PUC, depois colega na Estácio, mais pra frente inquilino dela lá numa de suas casas no Grajaú/Andaraí, viajando conosco em alguns anos para participação no congresso acadêmico na uP - Universidade de Palermo. Ou seja, acabou se transformando nuim baita amigo, deste necessários cariocas, pois todo caipiria costuma se perder nas entranhas deste insólito Rio de Janeiro e sempre precisará de um navegador, um desbravador dos sete mares para ir destrinchando tudo o mais à sua frente. André é professor de Design na UFRJ, lá no Fundão e desde que saiu lá do Grajaú, conseguiu seu canto, junto da linda namorada polonesa, lá pelos lados de uma das ladeiras de Santa Teresa. Ele, depois disso tudo, aumentou em muitos decibéis sua expressão de felicidade e contentamento. Ou seja, o danado está muito do feliz residindo num dos recantos mais incríveis destas ainda Cidade Maravilhosa.

Ainda não tive o prazer de conhecer sua nova morada, mas já convidado, comparecerei em breve, talvez aportando por alguns dias - não mais que no máximo uns três, para a permanência não começar a cheirar peixe podre. Estava na casa do Rui Zilnet, na baixada de Santa Teresa e pedi para o André descer e nos encontrarmos na parte baixa. Marcamos num botequim bem na encruzilahada das ruas Gomes Freire com Riachuelo, a que desce lá dos altos da Lapa, bairro de Fátima pra baixo. Ele desceu e matamos saudade, além de derrubar duas loiras estupidamente geladas. Me dizia ter uma lembrança para Ana Bia e me entrega, um quadrinho, com foto dela ekedji do candomblé, tempos áureos de quando produziu sua dissertação de mestrado, versando sobre a magia deste lado carioca de ser e estar.

Sempre muito bom rever gente com o bom astral do André, parceiro bom de papo e de conversações cariocas. Ele é do tipo malandro, típico de quem vivencia tudo com aquele jeito malemolente, esperto, sem ser chato, muito menos deselegante ou mesmo fora do tom. O danado é bamba, sabendo como tocar a vida dentro de uma cidade sempre a oferecer maravilhas mil e ele, que de bobo não tem nada, sabe delas se aproveitar e tirar o máximo de proveito. Só de saber, ele também gostar da Lapa e Santa Teresa, a melhor das impressões, pois quem admira lugares como estes, só poder ser gente mais do que boa. Andrezão é destes que, sempre tem algo a mais para me contar, lugares nunca dantes conhecidos deste Rio e só possível mesmo para nativos com envolvimentos dos mais desabridos. Sempre uma boa conversa com gente assim, mente arejada e dos mestres do Design, atuando dentro de uma perspetiva altiva, sempre enxergando nas possibilidades altaneiras do campo democrático para este país. De lá, volto para minhas andanças, mas olhando ele adentrar as vielas para subida até sua casa, confesso, bete aquela vontade irrefreável de sair correndo atrás dele e pedir encarecidamente: "Deixa ir junto?".

EU E A PRIMA DE ANA BIA NO RIO, PORTUGUESA ANGÉLICA, BATENDO PERNA NO SAARA
Maria Angélica Andrade não é bem proprieamente uma portuguesa de carne e osso, mas uma descendente de primeira linhagem, ou seja, ela é brasileira, mais precisamente da Zona Norte do Rio, Engennho de Dentro, mortando quase ao lado do estádio Nilton Santos, só que do outro lado da linha do trem, ou seja, pouco longe da muvuca. Ela é bem brasileira, advogada de formação, mas seus país são portugueses legítimos. Prima de Ana Bia, trabalhou junto do pai de Ana, quando este tinha um belo escritório de advocacia lá na famosa rua da Assembléia, quase esquina com a avenida Rio Branco. Seu Zé Pereira de Andrade, um gentlaman em pessoa ensinou tudo o que pode para ela e assim, ela tendo um ótimo professor, com seu falecimento foi ser gauche na vida.

A convido para perambular comigo pelo Saara, fazendo comprinhas, todas encomendadas por Ana Bia, primeiro por um motivo bem óvio, ela conhece aquelas ruelinhas como nenhuma outra. Sabe de cor e salteado o nome das ruas e até o endereço de algumas lojas, antes quase todas de libaneses e hoje, com o advento dessa tal de globalização, reduto sendo dominado por chineses e coreanos. O lugar, pelo menos para mim é mais oxigenado que a famosa rua paulistana, a 25 de Março. Gosto mais do Saara e das vindas ao Rio, sempre que posso, uma passadinha por lá. Passo mais por lá do que frequento praias no Rio. A vantagem é que a maioria dos sebos estão em sua maioria todos localizados no centro velho carioca, muito perto do Saara, daí, saio de um e adentro outro. Tudo meio que junto e misturado.

Angélica e eu batemos muita perna nessa sexta, pouco antes do almoço, depois almoçamos quase defronte onde um dia foi a sede da CBF, para depois, voltar a ruar, só que do outro lado do fervo, lá pelos lados da avenida Rio Branco. Foi quando algo aconteceu e modificou todo o cenário do centro da cidade. Bombas começaram a pipocar e fumaça subindo pelos ares. Quando nos demos conta muitos comerciantes, a maioria deles já estavam, escolados que são, baixando suas portas. Nada daquilo nos amedrontou, mas amedronta os comerciantes, pois quebra quebra sempre resulta em prejuízos. Contornamos o problema e nos instalamos no primeiro andar de um Mc Donald's - enfim achamos uma utilidade prática para estes - e de lá, olhando tudo de cima, ficamos a observar a movimentação. Ela até queria me mostrar um busto da Marielle que havia sido inaugurado recentemente ali na praça, mas acabamos esquecendo, diante do que víamos pelo janelão. Camelôs são gente escolada, esperta e rápidos. Diante do perigo, amontoam tudo e somem na curva, sem deixar rastros. Não sabemos como tudo começou, nem dos motivos, mas deu para perceber ser algo contra estes, os que tentam ganhar a vida vendendo quinquilharias espalhadas pelas calçadas. Aproveitamos, é claro, para tomar um belo de um sorvete ali no Mc's. De lá, ainda rodamos um bocado, ela me contando algo mais da família Pereira, a de Ana Bia e de como anda, segundo sua visão, os novos tempos do Rio de Janeiro. Angélica tem tudo pronto e se der certo, embarca novamente para mais uma estadia em Portugal, lugar onde vai para esquecer de problemas, rever o filho e se recarregar. Tem casa por lá e vez ou outra precisa ir ver como anda sua propriedade. Une o útil ao agradável. Volto carregado de pequenas quinquilharias, tudo proporcionado pelas escolhas desta intrépida descendente direta de portugueses. Uma delícia andarilhar com quem conhece os meandros de uma grande cidade. Essa é catedrática no assunto.

MINHA ANFITRIÃ NO RIO, ROSELI SOLIVA
Roseli Loureiro, também Soliva, a família carioca da mãe de Ana Bia. Ana sempre foi muito próxima de Roseli e hoje, ela tendo perdido seu companheiro de uma vida toda, o Paulinho, que já esteve aqui por Bauru, funcionário do Ministério do Turismo, moradores dos altos da Tijuca, rua Conde de Bonfim, mais precisamente no bairro da Usina. Fez questão que lá ficasse, mesmo estando também recebendo seu filho, o Fernando, que mora nos Estados Unidos e está trabalhando em homeoffice por aqui, morando em Itaipava, até o final do ano. Chego e a mesa está posta, cheio de quitutes variados e assim foi até minha despedida. Creio ter dado pouco trabalho, pois cheguei, me instalei e fui para a rua, cumprir meus compromissos. Dois dias passam voando e neste curto período estou dentro do que dizia meu amigo Tito Madi, o cantor pirajuiense, numa conversa a mim numa mesa de bar: "Vista boa não poder passar de três dias, pois ela é como peixe fora da geladeira. No terceiro dia está com um cheiro que ninguém mais aguenta". Foi somente uma noite, sempre de muita conversa, prosa mais que boa e hospitalidade idem. Enfim, sai de Bauru, distante uns 850 km do Rio e nada melhor do que, chegando já ter um porto mais que seguro para se instalar e gasta pouco. Hospitalidade boa é respondida com oferta para retribuição. É o que fizemos, com Roseli só aguardando sua plena recuperação de um tombo recente, daí voltará para Bauru, onde com certeza passará muito mais que três dias em casa, recepcionada pela Ana e sem isso de cheiro de peixe. Gente como ela chega e fica o tempo que quiser. Amizades assim não tem preço.

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