quarta-feira, 27 de setembro de 2023

O QUE FAZER EM BAURU E NAS REDONDEZAS (164)


HISTÓRIAS DAS RUAS, ALGUMAS DE BAURU, INSPIRADAS NO LIVRO DO SIMAS
Ontem à noite, eu já tinha começado este livro, o "O Corpo Encantado das Ruas", do historiador carioca das "insignificâncias", como ele mesmo gosta de ser identificado, onde o autor retrata toda a importância das ruas e de seus personagens para o desenrolar dos acontecimentos mais importantes de uma localidade, quando meu time do coração tinha jogo sendo transmitido pela TV. Era um Corínthians x Fortaleza, semifinal de uma Copa qualquer. Estava dividido entre o magnetizante livro e o jogo. Tomei a decisão mais sensata e dei cabo do livro, praticamente devorando suas 100 páginas faltantes enquanto rolava o jogo, que terminou 1 x 1. Parei de ler só pra ver os gols e assim, escolha feita, ia devorando algo inebriante e mais do que envolvente. Do livro, vou contando algo mais em drops, historinhas e frases recolhidas e aqui relatadas, enfim, como li logo no começo, as ruas são para "sacudir a vida para que surjam frestas".

- "Conquistas e sucessos retumbantes não me comeovem nem como objetos de estudo, perto da gente da viração do perrengue".

Antes de tentar juntar algumas histórinhas das ruas, digo que, o livro do Simas é de uma importância descomunal para quem, como eu, vivencia a rua em sua totalidade, livertadora e cheia de mensagens, caminhos libertadores. O danado reverencia a rua e traça suas possibilidades. Daí, não houve jeito, me encantei, parei tudo, esqueci do Corinthians e cai de boca no livro e suas possibilidades. Eu, que já havia lido outros lidos dele, já havia entendido que, é "a miudeza quem vela e desvela a aldeia, as suas ruas e as nossas gentes". Saquei disso e fui à luta, dando toda importância do mundo para tudo o que advém das quebradas e da fervura do asfalto.

- "Precisamos de corpos fechados ao projeto domesticador do domínio colonial".

Historinha Um: Tem uma minisérie passando neste momento na TV Globo, a "Todas as Flores", com a Regina Casé e que, pelo que sei, já passou na TV fechada e agora, depois do sucesso alcançado, passa também na aberta. Sabem o motivo do sucesso? Ela retrata as ruas e seus personagens de uma forma divinal, nua e crua, sem retoques, porrada na cara de quem se atreve a sentar e assistir. Eu não tenho tempo para fazê-lo, mas espio de solaio e gosto do que vejo. O cara despejado, saia pelas ruas com a roupa do corpo e uma sacola com outras, rindo e acreditando que vai conseguir dar a volta por cima. O povão, mesmo na maior adversidade, sempre acredita que vai dar a volta por cima e sonha com isso, ri disso e vive na esperança. Isso o move, faze ele ser, fazer e acontecer. Sabe o que mais gosto de ver na TV? Isso mesmo, a história dos quebrados, dos renegados, dos rejeitados e de quem luta e não entrega os pontos.

- "Eu escrevo sobre aqueles que, pela ótica gerencial dos que desencantam tudo em nome so sucesso, deram errado. (...) Sou adepto da mano-história, um escritor de irrelevâncias".

Historinha Dois: Ela estava ontem na esquina aqui perto de casa e segurava, diante de posto deatendimento de saúde, dois cartazes, destes de papelão, escritos à mão. Creio que, alguém deve ter escrito para ela. Passei e li. Num deles, ela dizia precisar de alimentos e noutro, pedia emprego de doméstica. "Preciso trabalhar para pagar minhas contas". Ver algo assim se repetindo pelas esquinas de Bauru e do país inteiro, é para abalar qualquer estrutura. Dei a volta no quarteirão e lhe dei algo do que tinha nos bolsos e me fui, mas quando estava ligando o carro, vejo um casal fazendo o mesmo. Voltei, conversamos todos e estavam levando uma cesta básica para ela, mas não tinham como levá-la em sua casa. Eu levei e assim sem querer, entrei de cara na vida daquela senhora. Ouvi-la é tomar conhecimento de uma luta inglória, insana e de quem nunca desiste. Dei uma abraço nela, ela riu e me disse que, existem pessoas diferenciadas no meio da bagunça onde pouca coisa dá certo em sua vida. Na despedida, ela me diz: "Eu tenho certeza que irão me dar o emprego que preciso. Sou velha, mas ainda sou forte".

- "No fim das contas, é urgente que a cidade viva sempre o sentido da rua como um espaço de convivência e desaceleração do cotidiano".

Historinha Três:
O cara passou num concurso público e foi trabalhar numa secretária importante naquela administração. Mudou a direção da casa, com a entrada de novo alcaide e este passou a ser requisitado para assinar papéis que davam vazão a algo fora dos padrões normais. Ele o fez uma vez, depois duas e quando deu por conta não parou mais. Não se tem conhecimento de estar sendo beneficado monetariamente para fazê-lo, mas quando a tramóia lá onde trabalha foi descoberta, ele rapidamente apaga todas as conversações que teve, as tais tratativas e ordens recebidas, regiamente cumpridas. Na Justiça, alegou assim da forma mais simples deste mundo que apagou, pois aquelas conversas eram velhas e estavam entupindo sua caixa de reserva de mensagens sadias. No botequim da esquina, aquele pé sujo onde frequento, ele é motivo de escárnio e todos os virando copos de cevada, aguardam ansiosos para que, seja devidamente enquadrado pelos atos assumidos. Um gaiato, com o cotovelo no balcão, disse mais por aqui: "Não adianta pagar, pois tudo está registrado, ou nas nuvens ou em algo que os hackers da vida descobrem facilmente. Só de ter o celular, você hoje já deve estar ciente de que, escreveu, mandou e recebu mensagem, ela estará encruada em sua vida para todo o sempre". Que assim seja. Histórias ouvidas em bares são cheias de ensinamentos mil. Eu aprendo sempre.

- "A festa em tempos de crise é mais necessária que nunca. (...) Sem o repouso nas alegrias, cá pra nós, ninguém segura o rojão".

Historinha Quatro: Conheço aquele senhor da feira, ele é guardador de carros. O vejo sempre com uma jaleco, onde é identificado como tal. Sempre muito solicito, a gente estaciona e paga o quanto pode. Ele sempre puxa conversa. Ontem o vi no ponto de onibus, quando parei o carro ali no sinal e ele estava a comandar uma animada rodinha, sem o jaleco, esperando seu onibus passar. Fiquei aqueles três minutos o observando melhor e só agora percebei que o danado é alto, quase dois metros de altura e ri colocando a mão na boca, pois bem na frente, lhe faltam alguns dentes. Deu uma vontade incontida de estacionar o carro e assuntar, participar do alegre convescote ali no ponto da rua Araújo Leite. Domingo, quando parar meu carro lá na feira, vou ter um motivo acresecentado nos que já possuo, para puxar conversa e começar com um: "O senhor mora lá pros lados do PVA? É que te vi no ponto". Dessas conversas sem rumo certo, sempre me rendem boas histórias.

Na rua eu ouço de tudo, paro para assuntar mais, coloco o radar em estado de alerta quando o assunto muito me interesse e olhem que, para o assunto me interessar, pode ser uma conversa trivial, até mesmo sobre o resultado de ontem do futebol, a demissão do Luxa do Corinthias ou mesmo o que foi filtrado da reunião entre o Lula e o cara lá do Banco Central, o que não quer abaixar os juros nem que a vaca tussa. Tudo é comentado por onde circulo e das várias versões, regadas com aguardentes variados, saem os destinos e também os descaminhos que me fazem seguir em frente - nem sempre em linha reta. O livro do Simas é só mais um bom incentivo pra continuar rosetando pela aí, ruando, batendo perna e gastando sola de sapato.

- "As ruas chamam, mas vez por outra, precisamos de um descanso dentro de casa".

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