domingo, 17 de dezembro de 2023

RETRATOS DE BAURU (283)


EU NA ENCRUZILHADA DOMINICAL, QUANDO SE CRUZAM A FEIRA COM A DO ROLO
Algo me atrai para este lugar. Todo domingo, o magnetismo é de difícil escape. Sabe aquilo de "todos os caminhos levam a Roma", pois bem, no meu caso e de tantos outros, somos levados para a citada encruzilhada. Nada mais acontece de tão importante em Bauru na manhã dominical do que aquilo tudo possibilitado pelo diverso ajuntamento de pessoas, tudo convergindo para algo incrivelmente arrebatador. Hoje, o calor estava no limite do limite e mesmo assim, lá compareci e circulei por alguns poucos lugares. Eu tenho alguns oásis e neles me abrigo, me refugio e ali me instalo. Não tinha como circular hoje com finas alpargatas nos quentes paralelepípedos. Carioca, o livreiro do pedaço, me arrumou uma sombra a preços módicos e ali fiquei, comendo torresmo, bebericando uma cerveja gelada e papeando. Além de tudo o que se vê por ali, o melhor de tudo é a conversa propiciada.

Passo momentos ali junto de Carioca e tudo o que gravita em torno de um livreiro na feira dominical, onde hoje, seus livros fervem, parecem estar em brasas. Salvei alguns deles - e 8 CDs - e os trago para casa. Defronte o Bar do Barba, numa mesa junto da barraca do suco de laranja e a do pastel, uma mesa ao fundo e nela uma conversa que se estende todo domingo, praticamente sem fim, interminável e por isso, inevitável adentrá-la, se inteirar qual o tema da discussão do dia e seguir com eles. Quando chega o momento de partir, me vou e quando volto no próximo domingo, lá estão eles, com algumas poucas substituições e a conversa continua animada e contagiante, como se não existisse uma semana inteira separando tudo. Como passar batido por algo assim tão arrebatador? Não consigo.Perco hora e retorno ao lar, sempre muito atrasado.

Felizmente ainda existem em Bauru lugares onde a conversa é o ponto alto, o que está acima de tudo o mais. Eu gosto muito da feira exatamente por causa disso. Eu estou nas ruas exatamente por este motivo, a convivência conversativa. Não fosse isso não sairia de casa, pois lá tenho além de Ana Bia, meus livros e meus CDs. Não tem preço as muitas trombadas com gente a valer a pena um papo. Hoje, Rubens Colacino me empresta sua sombrinha e com ela peço para o Carioca me fotografar. Só assim consegui escolher alguns CDs diante de um sol inclemente e abrasador. Por ali um jovem português, perdido neste lado do mundo, adorador como eu, das quebradas do mundaréu e ele, diante da perda da meulher amada, faz de sua vida um constante moto contínuo, porém, quando conheceu algo do propiciado pelos frequerntadores do Bar do Barba, enlouqueceu de vez e hoje, sanfona pendurada no peito, sem saber tocá-la, tocou assim mesmo e feliz da vida, viu o dia ir passando mais suave. Não sei como conseguiria fazer o dia chegar ao fim sem estar rodeado destes ricos personagens da dita encruzilhada. Não tem preço um vendedor de perfumes e tapetes, carioca de um reduto bem popular, antes ótimo papo, hoje evangélico, encarolou a vida, porém, o conhecendo desde que aqui chegou, havia me contado ser torcedor do Vasco da Gama. A igreja o fez se afastar do amor pelo futebol, mas hoje, ele capitulou e ao me ver, veio me abraçar e me disse: "O Vasco escapou". Quase chorei. Ou seja, nem que a igreja force a barra, a rua caba vencendo e vergando seus ditames. Adoro ver isso acontecer.

Como não parar para assuntar o que se passa, ou ao menos ver qual o repertório de um senhor com cabelo black, que nunca havia visto por ali, empolgado com o violão pendurado no pescoço e querendo cantar, disputando a tapa o microfone com outros, todos querendo por pra fora uma cantoria entalada na garganta. Eu sento diante deles e perco a hora. Se bobear a feira acaba e eu fico lá embasbacado com tudo o que ali se vê. A moça do suco de laranja é muito simpática e foi tocada por um envolvente baiano que lhe fez acreditar será vereadora. Não existe domingo em que não diz estar estudando em qual partido vai se filiar e, depois, já pensa em como será sua vida parlamentar. Ouço tudo, peço para não entrar de cabeça na onda do tal baiano e botar algo na cabeça, que uma eleição decepciona demais alguns. Torço que isso não ocorra com ela, pois está por demais contagiada. Quantos assim não vi pela frente e depois do sufrágio, se tornaram mais tristes, pelo menos por um tempo, até tudo voltar ao normal e se certificarem que nem tudo é assim tão fácil. Cada um destes possui uma rica história e eu ouço todos, guardo cada conversa aqui num compartimento deentro de minha cabeça e quando me lembro do que me disseram, alguma coisa consigo passar para o papel, como faço neste exato momento.

Na feira dominical da Gustavo e na Feira do Rolo, na encruzilhada mais encandecente desta aldeia, acontece de tudo e mais um pouco. Nem tudo posso aqui declinar, mas sei, por conhecimento próprio, isso aqui é vida. Aqui pulsa a verdadeira vida do povo destas plagas. Eu descobri isso e aqui compareço, meio disfarçado, meio oculto, tentando me manter anônimo e assim, quando volto para meu canto, estarei recarregado para o restante da semana. Daí, quando não compareço num domingo, daí sim a coisa complica, pois descarregado, fico um tanto sonso, até chegar o outr odomingo e daí, comparecendo, tudo volta ao normal, a tremedeira desaparece e volto a ser o HPA de sempre, esquisito e anormal. Isso mesmo, hoje Carioca me dizia dos tipos ditos um tanto anormais que passavam diante de nós e lhe disse: "E quem te disse que nós não somos vistos como anormais por outros tantos? Ou você se considera normal e sem nada que chame a atenção?". Ele riu e concordou, enfim, cada um de nós, temos nossas anormalidades, ou mesmo, uma normalidade diferente dos que levam e tocam suas vidas como manada. Seguimos em frente.


RUA APARECIDA QUADRA 1 É A MACEIÓ BAURUENSE
Eu faço parte da população bauruense a vivenciar os problemas das chuvas fortes e consequentes enchentes. A casa de meus pais estava localizada na quadra 1 da rua Gustavo Maciel 1-49, entre a quadra 1 e 2 da rua Inconfidência, o CIPs e a quadra 1 da rua Aparecida, onde muito tempo atrás esteve localizado o Clube Paulista e depois a Disbauto. A região é mais baixa que o nível do rio e quando chove forte ninguém dorme por ali. Precisa ser uma forte chuva, dessas arrasadoras, mas sempre enche. Herdei a casa dos meus pais e mantive ali até meses atrás o Mafuá do HPA, com eventos ao longo de algumas décadas. Foi também o local onde armazenei meu acervo de livros, discos, CDs e os muitos papéis de quem escreve uma vida inteira. De uma década para cá, mesmo com algumas administrações tendo tentado algo para modificar o quadro, era inveitável as enchentes, anos após ano. Perdi muita coisa por ali, mesmo não morando no local, mas ali sendo o local de meu fiel e guerreiro Charles, cão com 13 anos de vida. Ele continua por lá, a casa está quase vendida e a situação dos que por ali residem continua mesma, sem solução, pois o que tem mesmo que ser feito não o é. A Prefeitura poderia investir em piscinões em cantos estratégicos da cidade, mas prefere gastar grana alta em imóveis inservéveis, daí essa região é um tanto esquecida e renegada. Na foto, a situação da quadra 1 da rua Aparecida, com metade da quadra, a mais baixa, num nível até mais baixo do que o da Gustavo, hoje totalmente deserta, sem moradores e como em toda casa fechada, uma perdição, pois começam a sumir tudo, desde portas, janelas e tudo o mais que, os ditos como "nóias" conseguem fazer dinheiro. Passo diariamente pelo local e hoje, pela manhã, parei e pensei em Maceió, quando um bairro inteiro foi lacrado e seus moradores obrigados a deixar suas casas. Qual a diferença do que acontece aqui num canto do centro velho bauruense? Quase nenhuma. Este é um dos enquadramentos dos que moram e vivem na beirada de um rio, com risco de alagamento. Outros existem em Bauru, talvez até mais trágicos. Não tem como tirar nem por, a quadra 1 da Rua Aparecida é a exata cara bauruense de Maceió AL, ou seja, algo similar ocorre país afora. Lá no Nordeste, particularidade da cruieldade capitalista que tudo pode e assim se impõe. No caso bauruense, algo de descaso, que se repete ao longo de décadas e sem perspectivas de alteração. Quando questionados, os representantes das tantas administrações, dizem das dificuldades e do alto custo para uma solução, jogando tudo para os próprios moradores, estes se quiserem, buscando uma solução, elevando o nível de suas casas, muito além da rua, pois esperar algo vindo do poder público, todos já se cansaram e como se vê pela foto, abandonaram tudo, sem esperanças. Ainda da foto, na esquina, edificação branca, totalmente modificada e elevada em aproximadamente 1,5m acima do nível da rua, hoje um escritório de contabilidade e a única até o presente momento, cujos proprietários tiveram condições de praticamente refazer tudo. Os que não possuem as mesmas condições, padecem ou como eu, cansados, vendem tudo a preço de banana madura.

AS TAIS PEÇAS SEM REPOSIÇÃO

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