quinta-feira, 23 de maio de 2024

COMENTÁRIO QUALQUER (249)


QUASE COLOCA TODA SUA CARREIRA A PERDER*
*Essa história – ou seria estória – não tem nada a ver com a da saída do goleiro Cássio do Corinthians e muito menos com a do hoje flamenguista Gabigol, vestindo uma camisa de time adversário, com o técnico não o colocando mais para jogar. Isso aqui é de outro tipo de atleta. Trata-se de uma tentativa de crônica a envolver algo ouvido pela aí, nas andanças da vida, relatos contundentes vivenciados por quem afirma, ser tudo expressão da mais pura verdade e outros, obra da masi fantástica ficção. Como só acredito vendo, pois bem, conto como tudo me chegou aos ouvidos. Relatos desta natureza sempre se traduzem em boas histórias de serem passadas para o papel. Primeiro porque o papel aceita de tudo, depois porque tudo vale um registro. Eis este, coletado dias atrás, numa roda de conversa, sobre personagens muito distantes deste nosso pacato e pacífico rincão e também distantes de como tocamos a vida. 

Jogador dos mais atuantes, atuando pela aí desde muito tempo, já tarimbado nas artimanhas de como adentrar um campo de jogo e jogar pra galera. Um de seus predicados, ao qual gosta de apregoar aos quatro cantos é o de nunca ter vestido outra camisa. Verdade, porém, O time era sério, estatuto dos mais respeitados e ele se mantendo nas paradas de sucesso se fingindo de bonzinho, de respeitador do prescrito nas ditas "quatro linhas", as ditas regras estabelecidas e, nem sempre seguidas. Vivia de aparência. Do lado de fora, bela viola, do dentro, pão bolorento. Tudo para ele, era mais do que uma mera partida de futebol. E assim, continuava se mostrando como o craque, porém pegadas iam sendo deixadas ao longo de sua carreira profissional, a demonstrar exatamente o contrário. Não era um jogo fácil. Isso de disfarçar, se fingir para continuar nas paradas de sucesso e ao mesmo tempo, fazer de tudo e mais um pouco fora dos holofotes. Algo realmente complicado. Requer muita tarimba, jogo de cintura e nem sempre isso flui da forma mais adequada. Tudo pode dar certo durante um certo tempo, pegadas são juntadas e lá na frente, tudo pode ou não ser desconstruido. Enfim, a vida é assim mesmo, no que a gente menos espera, revelações até então ocultas pipocam no ar e podem destruir tudo. E lá se vai uma imagem. Votoriosa carreira pode ser destruída por causa destes detalhes. 

A maioria dos espectadores acreditavam no que viam, pois ele sabia jogar muito bem, era atuante, fazendo questão de ser o centro das atenções, aquele a distribuir a bola no meio de campo, o comandante das ações. Alguns até achavam que sem ele, o time não teria condições de seguir adiante. Ele se beneficiava disso, enfim, construiu isso para ser exatamente desta forma e jeito. No emaranhado sendo costurado ao longo do tempo, essa costura o mantinha na liderança. Tudo podia ser rotativo, como de fato acontecia. Os percebendo como de fato tudo ocorria, só alavancando sua pessoa, caiam fora, mas nunca denunciavam. Temiam algo, até por terem certeza de ali ocorrer infinidade de incorreções, mas nada podendo ser facilmente comprovado. Deixavam pra lá, se distanciavam e tocavam suas vidas, como uma só certeza, a de que era melhor manter o máximo de distância dele, pois aqueles métodos não podiam condizer com algo sério. E assim as partidas, os campeonatos foram disputados, anos após ano. 

Enfim, sabia jogar bola, jogava muito bem, construiu uma carreira legal. Só que, por debaixo do pano o cara era um terror, diziam mesmo, um horror. O negócio dele ia muito além do mero futebol praticado com regras estabelecidas. Aprendeu a burlar as regras e quando isso teve início, não parou mais. Das pequenas coisas, passou para as grandiosas. Risco maior, porém, ganhos inolvidáveis. Devia valer a pena o risco, pois a bufunfa compensava. Grana, grana, grana a qualquer custo. Além de tudo, tinham os vícios particulares, esses também consumindo muito, devastando boa parte do que entrava. Isso mesmo, sempre entrou muito em seu caixa, mas do jeito que entrava saia. Parecia um ralo de banheiro a escorrer a água do chuveiro, este sempre ligado. Tudo se evaporava e no meio de uma contenda, sabem os que jogam, depois de começado a coisa, difícil o recuo. Isso das maracutais, jogadores envolvidos em esquemas de loteria, jogos com resultados fabricados, ele esteve em todos. Quando convocado pelos obscuros esquemas, não só marcava presença, como ajudou a solidificar o esquema. Fez questão de, cruzar pauzinhos, construir boas relações com os dos andares de cima, os que podiam lhe dar sustentação quando algo colocasse em risco e talvez até tramas internas para sua substituição. Fazia e faz de tudo para não ser substtuído e essas boas relações sempre foram utilizadas no momento certo. Nada como ter um bom alicerce para a casa não ruir nunca.

Fazia o que tivesse que ser feito para estar na crista da onda. Mesmo que, algumas vezes quase tenha se complicado por se deixar levar e em festas particulares, ter passado dos limites, sendo até filmado, nada disso o abalava, pois tudo ia sendo consertado, remendado e essas notícias, mesmo vazadas, não passavam de boatos. Isso também fazia parte do jogo, viver na eterna corda bamba - nem tão bamba assim -, fio da espada, porém sabendo mexer as peças no exato momento, sempre era convocado para os próximos campeonatos. Passava verdadeiros sufocos para escapar de alguns barracos, tendo que negociar no lado mais obscuro da vida, mas no final tudo era acertado, sendo encontrado um denominador comum. Sempre um zum zum zum pela aí, mas como sempre o disse não disse e ele sendo, fazendo e acontecendo.

Por anos ele fez disso sua vida, foi aprontando, enganando, porém, como tudo nesta vida, as pessoas envelhecem e não mais jogam com a habilidade de antes. Perdem algo do traquejo, da malemolência e de deslise em deslise, no frigir dos avos, na somatória dos pontos, sempre um rabinho ia sendo deixado aqui e ali. Seu poder de regeneração era algo inimaginável, pois da mesma forma que os que dele muito se aproximavam, logo caiam fora, estava juntando outros, novos adeptos. Tudo bem, é sabido pelas conversas, como tem sido cada dia mais difícil conseguir essas reposições, mas elas aconteciam. Ele, mesmo já não jogando como dantes, continuava sendo escalado para atuar no time titular. Nessa última, dizem ter feito baita de um acordo com a parte contrária, algo que se fosse revelado, mancharia definitivamente a honra, o brio não só dele, mas do time num todo. Feria frontalmente os estatutos da agremiação e as regras do campeonato. Era uma partida decisiva e o outro time, pelo que se mostrava, era o oposto do onde atuava. Do outro lado, a permissividade era a regra e assim sendo, achavam que todos tinham seu preço. Pelo visto, acharam o dele e o aliciaram. Nem todos ainda enxergavam que ele também era do mal, quando na verdade, já assim atuava desde muito sempre. 

Deste acordo, ele teria que atuar numa partida decisiva, mas não podia comparecer, pois se o fizesse, quebraria o contrato firmado nas sombras e com estes, sabe-se, melhor seguir direitinho os acordos. Um lema é regra destes, escreveu não leu o pau comeu. Ficou sem dormir e no dia do grande jogo, apareceu mancando. Foram feitos todos os exames médicos e nada apareceu nestes, porém, ele mancava muito, dizia ser seu pé e desta forma, mesmo estando escalado, furou, faltou com o compromisso. A torcida, diante de tantas partidas bem jogadas, algo construído ao longo do tempo, preferiu acreditar. Só que, a partida naquele dia teve que ser encerrada antes do previsto. Faltou energia nos refletores do estádio e ela foi remarcada para a semana seguinte. Sete dias pela frente e agora, o dilema, ele estará apto a jogar. Como ficará seu posicionamento? Ninguém sabe. Como desfazer algo do qual até já gastou parte do recebido e como continuar mancando, quando nos exames nada aparece. Está chegando o dia da partida ocorrer e não se sabe como será sua participação. Seus colegas de time clamam por ele, alguns ainda acreditando, outros cientes da jogatina em curso, mas difícil mesmo deverá ser o rumo a ser tomado, sua decisão final diante de mais essa encruzilhada ao longo de sua duradoura carreira futebolística. Enfim, muita coisa em jogo e pode por a perder uma longa carreira de sucesso.

Skank já dizia, "essa é uma mera partida de futebol". Só mais uma...

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