quinta-feira, 6 de junho de 2024

RELATOS PORTENHOS / LATINOS (131)


A GUERRA CIVIL ESPANHOLA E COMPARAÇÃO COM O BRASIL E A BAURU DE HOJE – “NÃO HÁ VITÓRIAS DEFINITIVAS CONTRA A LIBERDADE”
Um historiador contemporâneo afirmou que não há vitórias definitivas contra a liberdade. É uma conclusão extraída da própria História e que enquadra um sem número de episódios e de países. Leio isso vindo do jornalista Humberto Viera em artigo, “Viva a Morte”, sobre os 36 anos de ditadura de Franco na Espanha. Foi um tempo longo demais, mas foi revertido. Imagino o sofrimento do povo espanhol até chegar ao fim deste triste período de sua História. Ele mesmo, procurando entender o tempo tão longo de permanência do ditador no poder, como foi se dando a resistência ao longo dos anos, diz caber um provérbio de origem ibérica para definir o ocorrido, servindo também para outros tempos que demoram a passar: “Quem espera sapato de defunto, morre descalço”. Sim, não desmereço a luta do povo espanhol contra as adversidades todas, assim como a povo brasileiro até reverter o golpe civil/militar brasileiro. Foram mais de 20 anos de agruras.

Num outro ponto, o jornalista discorre sobre o fato da demora ter durado algumas décadas: “Ninguém ajudou o legítimo governo espanhol. O governo republicano era vacilante e heterogêneo. Por falta de definição, permitiu e estimulou uma aguda divisão entre seus próprios componentes. A cisão, que às vezes, assumia dimensões de violência direta, entre comunistas, socialistas, anarquistas e liberais, foi fatal para a unidade republicana. Essa heterogeneidade do governo republicano era um reflexo da própria Espanha do momento. As cisões que o minavam refletiam as cisões populares, o bairrismo notório entre as diversas regiões da Espanha, o que sempre dividiu de forma trágica o país...”.

Não quero me alongar nas citações. Ando cada dia mais preocupado com o destino deste país, de minha cidade, Bauru e também do que será feito de uma candidatura própria, escolha feita pelos militantes presentes numa reunião do PT Bauru e hoje, desconsiderada pela Federação de partidos e por ala do mesmo Diretório Municipal. Daria pra juntar tudo, com o lido, tentar explicar, entender ou mesmo dissecar e pensar no futuro de todos estes imbróglios?

Tentar entender o que se passou na Guerra Civil Espanhola me parece mais fácil, pois o tempo permite uma análise com mais consistência e documentação. Isso uma coisa. Outra é ver o Brasil cada vez mais sendo tomado por uma direitona destruidora de tudo e todos, propondo algo como, num futuro breve, aniquilamento de opositores, tudo para governarem com maior tranquilidade. Não pensem que brinco ou divago, viajo na maionese escrevendo isso, pois tudo é muito plausível e possível, basta ver o que a ultradireita possui dentro de suas cabeças. Ou nos unimos e lutamos bravamente contra tudo isso, ou perdendo cada vez mais terrenos, estaremos muito em breve num mato sem cachorro. E depois, assim como na Espanha, mesmo nenhuma vitória sendo definitiva, quantos anos pela frente para reverter tudo?

E daí o caso bauruense, onde vivo e faço política. Milito dentro do PT, este hoje dividido na cidade, 50% pensa de um jeito e segue cegamente o que prescreve sua vereadora eleita, mais de 20 anos dando as cartas, ao seu modo e jeito. Do outro lado, uma renovação, porém sem maioria, impedido por ação contínua bloqueadora de avanços. Seria algo como o ocorrido com o governo republicano espanhol e suas divisões internas, essas facilitando o jogo do outro lado? Poderia dizer que vou longe demais. Penso que não. Eu faço parte de um lado buscando renovação, oxigenação e não atuando em prol somente de um nome, desprezando tudo o mais. Esse pensar coletivo é, pelo visto, um problema. Para mim e meu grupo, a solução. Isso atravanca, essa demora de algumas décadas permitindo e assistindo um festival de horror, sempre repetido e agora, mais uma capítulo. Até quando? Até todos novamente sermos derrotados, ridicularizados como “o PT é assim mesmo”. Não, o PT não pode e não é assim mesmo. Assim mesmo são algumas pessoas que o impedem de seguir seu caminho, de voltar a ser o que foi um dia. Dizem isso ocorrerá após as eleições municipais. Mas por que não agora?

Amanhã talvez com a consolidação de mais um estrago, poderá ser tarde demais. E bobeando, como o fizeram os espanhóis, de golpe em golpe, uma infinidade de tempo para reverter o prescrito de que “não há vitórias definitivas contra a liberdade”. Eu, por mim, escancarava tudo agora, neste momento, mas mesmo ciente de tanta coisa, certeza de ocorrências dantescas, sem provas concretas, ainda estamos sujeitos a perdas e danos, com processo e quetais. E desta forma, a perdição vai tendo mais um tempo de atuação até que, num dia – tomara não tão distante -, tudo venha à tona e quem pisou no tomate, pague pelo seus erros.

AQUELES QUE NÃO TROCAM DE CAMISETA - BATE PAPO NO BAR DO OSVALDO
Texto de Hugo Soriani, Página 12, edição de quinta, 06/06/2024 e aqui compartilhado, pois cai como uma luva para o exato momento, onde não só das mudanças de camisetas, mas da de postura, com muitos se mostrando da boca pra fora uma coisa, mas por dentro pão bolorento. Leiam o diálogo argentino e o transfiram para nossa realidade, com nossos personagens:

--Olá Osvaldo, digo ao garçom assim que me acomodo na cadeira. Traga-me um lanche como sempre e por favor não fale comigo sobre política porque não quero ficar doente de manhã cedo.

--E sobre o que você quer que Dom Hugo fale com você? Ou devo simplesmente não falar com ele e acabar logo com isso? Nem somos obrigados a conversar todos os dias que você vem a este bar. Melhor eu trazer sua bebida e você tomar em silêncio. Ou você acha que vou conversar com você sobre o que você quiser? A única que me impõe a agenda é Olguita, minha senhora.

--Tudo bem, Osvaldo, não fique chateado , e já aviso que ele está usando uma meia de uma cor e outra de outra.

--Você viu Chefe? Você gostou? Tenho outro par semelhante em minha casa. Se você quiser, eu te darei.

--Ah Bué!, como o jovem foi rápido em responder. Me dê a cortada, você fica com as meias para ter o outro par para usar amanhã. Porque suponho que você os troque todos os dias, ou estou errado?

-Dom Hugo está certo. O que nunca troco são minhas camisas. E eu tenho dois que usei toda a minha vida. Um é o de San Lorenzo e o outro é o da Argentina. O terceiro me foi dado pela Luciana, minha nora, há pouco tempo. É aquele com cara de Néstor. E deu um para Olga com a cara da Cristina. Minha esposa usa com frequência, mas eu não. Uso em casa quando a Luciana vem com o Beto, meu filho, para a menina ficar feliz. Prefiro que não esteja gasto e que guarde sempre como lembrança, pois foi o primeiro presente que ele me deu. E eu amo a menina como se ela fosse outra filha. Ele não sabe todas as coisas em que Luciana abriu os olhos para minha esposa e para mim. E Beto também. Porque meu filho é um bom filho. Muito solidário e trabalhador, mas zero política até ela entrar na vida dele. Antes, as únicas preocupações eram a oficina de automóveis em Lanús, a formação do Ciclón e os churrascos com os amigos para conversar sobre futebol e meninas. Algum dia Don Hugo deveria conhecê-la, para ver que não estou mentindo para ele. Essa garota vale seu peso em ouro.

Mas não falemos de quem troca de camisa. Já que ele me disse que não queria falar de política, porque tem muita gente que muda sem mexer um fio de cabelo. Na Páscoa vendi para ele o bagel Pichetto que minha mulher amassou, mas a verdade é que entre ele e Scioli se ele jogar a moeda ela cai. E o pior é que votamos no Scioli, ele era candidato, o Beto e a Luciana fizeram campanha para ele. Acordavam cedo aos domingos para o “soldado Daniel”, foi o que disseram. Coitados, agora colocam o boné das “Forças do Céu”, pedem o Prêmio Nobel pela Peruca, e querem tirar o nome até dos jogos da Evita. Como todos os convertidos: no final Macri tinha razão, só hoje dizemos a frase “No que te transformaram, Daniel”, é claro que Mauricio também sabia das falsidades. Agora Wig está deixando ele de fora de tudo e Duck está enchendo ele um pouco todos os dias. Esse
é outro campeão em troca de camisa. E para Milei ela passou de “plantadora de bombas em jardins de infância” a ministra da Segurança. E o pior é que muitas destas mudanças não os surpreendem. Ou como dizem agora, eles os naturalizam. Coloque-o , esse também é novo. Colocá-lo . O que quero ver é como você lida com a questão da segurança. Mas não a segurança desses protocolos de peidos, mas aquela que sofremos todos os dias com a coreografia que não para de aumentar. E com a malária que existe todos os dias será pior. Eles sempre vinham no bar vender meias ou toalhas e eu deixava. Mas agora algumas vezes eles colocam as meias no celular do cliente que está em cima da mesa e quando as levantam o celular fica grudado nelas. Já tive que correr para vários e a verdade é que não estou à altura disso. Porque os lesados ​​também descontam neste jovem. Por que eu os deixo entrar e blá, blá, blá. Então, além da bandeja, querem que eu coloque o boné e faça o papel de policial. E se eu digo para eles cuidarem do celular, eles me olham como se não fossem ágeis. As pessoas estão ferradas, chefe , gruda porque você é legal, gruda porque você não é legal.

Claro que depois da coreografia é preciso ouvir as falas das vítimas, que quase sempre são: “devemos matar todas essas cabeças” e frases de ressentimento terrível. Eu não os amo de jeito nenhum, mas tenho certeza de que quanto mais fome há, mais eu esguicho. E ainda por cima esses desgraçados guardam até a comida que compraram e não compartilham. Mas aí não ouço essas frases terríveis. Três em cada cinco clientes continuam a apoiá-los: “temos que esperar, dizem” ou “os peronistas fizeram o desastre”. É incrível chefe. Já não coloco a televisão no bar porque até os canais que eram medianos agora se travestem dependendo da hora do dia.

--Ei Osvaldo, que discurso devastador ouvi de você. E pedi para ele não falar de política hoje. Neste bairro é lógico que as pessoas tenham um discurso tão horrível para quem pensa diferente.

-Dom Hugo está errado. Ele está errado novamente. Vem para cá gente que vive da renda, do campo, do aluguel ou da soja. Tenho-os bem combinados porque ficam horas e não gastam quase nada, menos que você, que pelo menos sai rápido. Mas também vêm trabalhadores, pedreiros de obras próximas, pintores, enfermeiros e auxiliares das Clínicas e do Suizo. Eletricistas, encanadores, trabalhadores de escritório. Vem de tudo. E repito, três em cada cinco votaram em Milei e ainda confiam nele. São poucos os que já estão arrependidos. E ainda por cima o peronismo segue sem acordo e perdendo tempo em brigas e discussões inusitadas enquanto isso desmorona. Ouvi a Chefe dizer que não deveríamos culpar o povo e ela deve estar certa. Mas então, se não for culpa das pessoas, elas deveriam agir em conjunto e parar de inflar as bolas. Porque não tenho dinheiro suficiente, as gorjetas quase não existem e se a luz, o gás, a água, os transportes, etc. continuarem a subir, os dias deste bar estão contados e vamos ter de nos encontrar na praça se for ainda quer falar comigo. Felizmente temos Axel. Beto e Luciana me contam que o povo da província rebancariza. As crianças o adoram, ele é um rockstar, e fazem campanha por ele todo fim de semana, porque os dois trabalham e não têm mais tempo. E não o vejo trocando de camisa, embora alguns ao seu redor tornem isso difícil para ele. E afinal também existe o Chefe. Olga já está comprando diversas camisetas com os rostos deles. E quando minha mulher veste a camisa ninguém tira, Dom Hugo. E agora trago para vocês o seu recorte, que em vez de um coração desenhado com espuma, virá com a cara do Néstor, que lá de cima saberá nos orientar para não cometermos mais erros.
Estes três não trocaram de camiseta, muito menos de lado, isso o mais importante.

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