quinta-feira, 7 de novembro de 2024

PALANQUE - USE SEU MEGAFONE (197)


JONAS E O INCHAÇO DENTRO DE SUAS VESTES - A DOR QUE CARREGA CONSIGO
Jonas é conhecido por muitos. Boa praça demais, mora lá pelos lados do Tangarás, guardador de carros, ponto na rua Alberto Segalla, defronte o Bauru Shopping e nas noites de quarta, numa rua lateral junto da feira noturna do Vitória Régia. Ultimamente se arrasta para conseguir trabalhar, pois está com uma hérnia nas virilhas, muito inchada, dolorida e dificultando até seu andar. Foi atrás de atendimento médico e ninguém lhe resolve o problema. Não pode me ver, clama para ver se consigo algo, pois até pra caminhar, se arrasta, mas não pode parar, pois se o fizer, morre de fome. Em casa, um filho com problemas mentais e nas mãos o único documento que lhe resta, uma cópia da certidão de nascimento. Já fui em sua casa, junto de Rose Barrenha, o encaminhamos para algo, mas agora, tudo se agravou. Jonas faz parte do time dos deserdados, invisíveis, excluídos de tudo e penando, sem esperança de melhores dias. Conta sua história, para quem lhe dá atenção, entre prantos. Quer voltar a ser um cidadão normal, sem dores, o que lhe facilitaria em muito sua vida. Sabe que, do jeito que está, irá terminar, qualquer dia, tendo um surto nas ruas e talvez assim, consiga ser levado a sério, recebendo atenção. Ele clama nas ruas de Bauru, por uma luz, o conduzindo para voltar a ter esperança. Igual a ele, muitos outros, gente que aprendemos a conhecer nas ruas e dela não conseguem mais sair. Sua história de vida e trajetória - pelo que sei -, muito me lembra algo deixado escrito por Lima Barreto, in "Transatlantismo", afirmando, "nós, os brasileiros, somos como Robinsons: estamos sempre à espera do navio que nos venha buscar da ilha a que um naufrágio nos atirou".

Sou instigado a contar o que sei da história de tantos Jonas, os que cruzam meu caminho e desta forma, dando-lhes um pouco mais de luz, talvez os consiga ajudar, colaborar de alguma forma para que solucionem seus problemas. Ainda do final ddo dia, quando o reencontrei entre os carros que "guardava" nas imediações do Bauru Shopping, ouço seu doído relato e diante do que vejo,m uma volume descomunal dentro de sua calça, algo que dói só se ver isso num semelhante, daí me coloco em sue lugar e lhe pergunto: "E como faz para chegar até aqui? Vem de ônibus?". Sua resposta: "Não, fiz um acordo com um mototáxi. Ele me busca e me leva de volta, combinamos um preço baixo, o que posso pagar. Tenho que ganhar aqui, já pensando no que terei que pagar a ele e com a sobra, vivo, é o que levo pra casa". Imagino a dor que sente ao dar a volta, com sua perna sob o banco da moto, acomodando-se da melhor forma possível, para empreender a viagem de trabalho. Aqui deve ser mais que uma tortura. Isso tudo dilacera também o escrevinhador, imaginando como tudo é possível, enfim, se assim não o fizer, não sair de casa e nada entra para seu sustento. Essa sua vida e a de muitos em iguais ou até piores condições. Escrevo, não só para contar algo que vi, mas para que isso chegue a alguém que possa ajudar de alguma forma, já que, segundo me conta, não basta mais ir ao Posto de Saúde, pois já o conhecem e pouco fizeram até agora, mesmo diante do observam, exposto pelo inchaço mostrado sob suas vestes.´

"EU NÃO ME EXPONHO MAIS"
Essa frase entre aspas me foi repetida por querida amiga. Ficou na minha mente. Em primeiro lugar não concordo e não coaduno do mesmo sentimento e ação. Lutei até agora, 64 anos expondo, pondo a cara à tapa e agora, diante de uns probleminhas de forno, quando alguns se mostram mais ativos que os do que onde me encontro, abdico da luta e vou cuidar dos meus cachorros, dos meus livros, limpá-los todos os dias, ficar só ouvindo música, vendo a banda passar e me mostrar indiferente. Não consigo. 

Estou velho demais para entregar os pontos, desistir da contenda e sem coragem, deixar de opinar, de mostrar meu lado e, se preciso for, de correr riscos. A vida é perigosa, sempre foi e para os acomodados, sempre passa mais leve, suave, porém, modorrenta, triste e dessas a me dar calafrios.

Quando ouvi a frase de minha amiga, pensei em contestar na hora, retrucar e dizer na lata do meu não concordar. Deixei passar e isso ficou entalado em minha garganta. Eu escrevo isso para que ela, que me disse isso, leia e ciente do que me disse, reflita melhor e também reveja o que diz, fará daqui por diante. Sim, os malversadores estão com as manguinhas de fora, aprontando muito e algo pode chegar até nós, algum ou outro ato de violência, porém, desistindo, creio eu, tudo piorará. 

Eu não conseguirei viver recolhido à minha insignificância, tocando minha vidinha, como se nada estivesse acontecendo, quando sei que tudo está acontecendo e que, poderia fazer algo, mesmo que pouco, mas algo. É claro, escrevo isso sobre esse triste momento, quando muitos se fecham em copas e deixam os energúmenos dos ultradireitistas irem ocupando mais e mais espaços. Sei me restar pouco tempo ainda de vida, se jogar a toalha, tenho a certeza, irei antes do tempo. Eu me espelho em tantos que, mesmo nas cordas, souberam dar a volta por cima e, dessa forma, continuam pela aí, algumas vezes sendo até chamados de tolos, bobos, caricatas, porém, nunca ninguém os poderá denominar de não terem coragem. 

Eu tinha que escrever isso. Acabo de chegar de um tour por algumas cidades da região, quando ainda tento colocar meu bloco na rua e ao chegar em casa, cansado, deitei um pouco, extenuado, porém, tinha anotado essa frase num cotoco de papel, pois queria chegar em casa e escrever algo sobre ela. Levanto, nem ligo a TV, tiro o papel do bolso da camisa e o coloco diante de mim, na frente do cumputador e com ela ali, minha mente se abre e despejo isso tudo que acabaram de ler. Não é só o que penso, mas meu modo de ser e de agir.

O PERIGO

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