quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

UMA FRASE (8)
Na verdade o que publico deixa de ser uma frase, pois é mais um daqueles textos cheios de muita vida e nos chamando para uma profunda reflexão sobre nosso modo de tocar nossas vidas. Aprendi a gostar de Rubem Alves esse ano, com minha amiga Gisele Pertinhes, quando me emprestou alguns livros dele. Foi o bastante para bater uma identificação imediata, tanto que se for contar acho que dos quase 50 livros lidos esse ano, mais de 20 foram dele. Quem quiser saber algo mais sobre essa grande figura, a internet está aqui exatamente para isso. Basta batucar o seu nome e surgirá uma imensidão de coisas a seu respeito. O texto abaixo me chegou pela internet, pela Gisele e expressa muito bem algo que passei ontem. Estávamos num grupo grande de pessoas, todas fazendo visitas a alguns museus paulistanos e uma delas não se contentava em ouvir as monitorias dadas. Interrompia a todo instante, querendo demonstrar um conhecimento que era mais do que desnecessário naquele momento. Foi constragedor suportar aquilo e compreender, mais uma vez, o quanto é importante saber ouvir e falar o mínimo possível. O texto abaixo caiu como uma luva para aquele e tantos outros momentos.


ESCUTATÓRIA

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma". Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: "Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma". Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos... Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio (os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, [...]. Abrindo silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades. Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado". Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou". Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

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