DIÁRIO DE CUBA (40)
ERNESTO, REINALDO, MUSEU ANTONIO MACEO, NOVELAS BRASILEIRAS...
Relato a parte da tarde e noite do dia 02/03/2008, sexta-feira, Santiago de Cuba. Após andanças matinais pelo porto, ouvirmos crianças cantando e declamando e conhecermos uma academia de boxe, na volta paramos numa praça, bem no centro da cidade, tudo com o intuito de descansar. Um senhor se aproxima e vem cantar uma canção falando de Che Guevara. Queria uns pesos, mas mais que isso, queria também conversar com alguém disposto a escutar suas histórias. Sentado ao nosso lado, um senhor negro, forte e simpático, seu Ernesto. Na seqüência ficamos sabendo sua idade, 62 anos. Também quer falar: “Seguimos por toda a vida o exemplo de Fidel. Ele é um verdadeiro guia para o povo cubano. Querem asfixiar Cuba, isolar nosso país, mas não conseguem e nunca conseguirão. Para mudar nosso destino, só mesmo invadindo a ilha e isso é muito difícil. O povo cubano é muito unido e se levanta rapidamente”. Ernesto foi chofer de ônibus urbano por 38 anos, conheceu pessoalmente Che e Fidel, quando criança. Empunhou armas e relembra um fato ocorrido com Che nas montanhas, ali pertinho de Santiago. Vinha com sua arma deteriorada pela salinidade do mar, quando Che, percebendo o fato lhe alertou. Passou a cuidar mais dela, pois “o fuzil deveria ser tratado como a uma mãe”. Fala também da juventude: “Todos nossos jovens são muito bem educados, com a consciência da luta, pois a primeira providência de Fidel foi com a educação”.
Não demorou muito e veio juntar-se a nós, Reinaldo, 60 anos. Participa da conversa e relata que sua esposa está na Venezuela, é médica e cumpre uma missão de cinco anos fora do país. Diz que também já esteve em missões externas, mas problemas cardíacos o fizeram se aquietar. Ressalta que Cuba “é o que é hoje pela cultura, pela educação”. Saiu conosco a caminhar, até a entrada de uma museu, a casa do revolucionário cubano Antonio Maceo, datada de 1802. Maceo nasceu em 1845 e morreu em combate, em 1896. Na entrada uma inscrição: “La libertad se conquista com el filo del machete, no se pede”. No atendimento logo na entrada, a simpática Inês Maria e a jovem Nilze, que muito bem treinada, percorre conosco todo o museu e explica cada detalhe. Recebemos uma aula sobre esse herói do povo cubano. Num certo momento ela, diante de uma frase de Maceo num banner nos diz: “Gosto especialmente dessa passagem”. Ela não só reproduzia aquilo tudo, mas vivenciava cada explicação. Com Inês Maria se deu a mesma coisa. Não queríamos mais sair dali. Elas não só entendiam a verdadeira missão de um museu, como entendiam do que estavam falando, a história e importância do local e da preservação daquele rico acervo para a preservação histórica de um povo.
Depois tentamos encontrar a casa de outro revolucionário, Frank Pais, esse morto durante a revolução. Muitas homenagens em seu nome pela cidade e a tal casa está “cerrada” para reforma. Seu nome está inscrito bem no alto de um morro, avistado por todos na parte baixa da cidade. Seguimos até o centro, onde almoçamos um belo espaguete, eu com uma cerveja e Marcos, com um “tu cola”. Eram 16h quando retornamos para um breve descanso. Meus pés agradeciam, pois estavam a latejar. Uma soneca reparadora. Na nova saída, circulamos pelas lojas centrais e uma balconista pergunta para Marcos: “Os artistas brasileiros andam pelas ruas?”. “Não”, foi a resposta dele, “eles não circulam, até se isolam, com medo do contato com o povo”. Ela assustada diz: “Pois os nossos circulam e são facilmente encontrados no meio de nós”. Relato isso, pois é inevitável a cada parada, quando ficam sabendo de nossa procedência, a abertura de um vasto sorriso, dizendo serem fãs de nossas novelas. A todos explicamos que realmente são bonitas, mas pouco refletem a realidade brasileira”. Notamos um certo ar de decepção.
Saio só no final da tarde. Defronte o Cine Cuba, 18h, o filme “Lola”, espanhol e às 20h, “Camino a Éden”, um cubano/espanhol. Continuo com vontade de adentrar, mas sigo meu caminho, andando e observando letreiros, escutando conversas. Fotografo uma frase de Fidel na porta de uma casa (Revolución: Es convicción profunda de que no existe furza en el mundo capaz de aplacar la fuerza de la verdad y las ideas...) e um grupo musical na porta de um restaurante, com um imenso órgão junto deles, num local aberto as 24h do dia. Um anfiteatro, um vendedor de frutas, expondo uma espécie de mamão meio diferente para mim, uma camiseta religiosa numa vitrine, tudo me interessa. Após o banho, assistimos o Mesa Redonda na TV, sobre a participação cubana na África: a luta pela libertação do Congo, com a participação do Che, a luta de Lumumba e a continuação com Kabila e Guiné-Bissau sob a liderança de Amílcar de Castro. Jorge Risquet Valdes, o cineasta produziu algo vibrante. Desço para comprar lanches e na praça defronte o hotel, um evento de música eletrônica. Prefiro descansar para o dia seguinte e continuo assistindo TV, dessa vez sobre a destruição do “malecón” numa cidade ali perto, Baracoa. Os efeitos do mar por lá foram devastadores. Iríamos passar por lá e não o fizemos, permanecendo quatro dias em Santiago, devido dificuldades nas reservas nos hotéis e algo a nos inquietar, a grana começava a rarear. Um belo sábado estaria a nossa espera e essa sexta foi das mais emocionantes, pois as conversas realizadas hoje nos marcaram profundamente, servindo também para revigorar a certeza de que um novo mundo é mais do que possível, pois ele já existe. Esse contato com o povo cubano é algo a nos enriquecer. Aguardem o próximo relato.
sábado, 31 de outubro de 2009
RETRATOS DE BAURU (68)
RUBENS COLACINO, UM INQUIETO PROFESSOR
Rubens é daqueles professores preocupados com o mundo que o cerca e cheio de idéias para muitas questões a nos afligir. Vivenciei isso nos tempos lá na Secretaria de Cultura, quando o atendia regularmente, sempre com muitos papéis e a cada retorno, propostas novas e soluções, que segundo ele, ajudariam a resolver muitas das questões aflitivas de nossa cidade, do país e do mundo. Sempre querendo contribuir e colaborar. Sua especialidade é a Literatura, onde atua no Magistério, mas o que gosta mesmo, o grande envolvimento de sua vida são duas coisas, uma o Esperanto, que estuda com afinco e divulga da mesma forma, espalhando seus folhetos cidade afora. Outro motivo a lhe embalar a vida é o Espiritismo, religião onde atua e pratica ações sociais na periferia. Difícil cruzar com ele e não se ver envolvido com sua entusiasmada fala, sempre com alguma novidade e a entrega de folhetos variados de divulgação de algum novo projeto. E vive antenado com as ações sociais e atividades diversas. Na área educacional, atua na de Humanas, especificamente nas suas aulas de Português e de Letras, sempre atuando na Rede Pública. É dessas pessoas elétricas e com a bateria sempre carregada, com uma disposição de ferro, instigando os à sua volta para a ação.
Rubens é daqueles professores preocupados com o mundo que o cerca e cheio de idéias para muitas questões a nos afligir. Vivenciei isso nos tempos lá na Secretaria de Cultura, quando o atendia regularmente, sempre com muitos papéis e a cada retorno, propostas novas e soluções, que segundo ele, ajudariam a resolver muitas das questões aflitivas de nossa cidade, do país e do mundo. Sempre querendo contribuir e colaborar. Sua especialidade é a Literatura, onde atua no Magistério, mas o que gosta mesmo, o grande envolvimento de sua vida são duas coisas, uma o Esperanto, que estuda com afinco e divulga da mesma forma, espalhando seus folhetos cidade afora. Outro motivo a lhe embalar a vida é o Espiritismo, religião onde atua e pratica ações sociais na periferia. Difícil cruzar com ele e não se ver envolvido com sua entusiasmada fala, sempre com alguma novidade e a entrega de folhetos variados de divulgação de algum novo projeto. E vive antenado com as ações sociais e atividades diversas. Na área educacional, atua na de Humanas, especificamente nas suas aulas de Português e de Letras, sempre atuando na Rede Pública. É dessas pessoas elétricas e com a bateria sempre carregada, com uma disposição de ferro, instigando os à sua volta para a ação.
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
CENA BAURUENSE (42)
DUAS PESSOAS, DOIS EVENTOS, DUAS EMOÇÕES
Evento 1: Na noite de terça, 27/10, fui no lançamento do mais novo livro de quadrinhos do amigo Beto Maringoni, o “Tocaia e outros quadrinhos” (edit. Devir – http://www.devir.com/hqs) lá no Templo Bar, do também amigo Fernando. O local é propício para eventos dessa natureza simplesmente por um motivo, o Fernando prepara a casa com carinho e recebe todos com um som de altíssima qualidade. Janta quem quer e beberica outros tantos. Nesse livro estão juntas histórias que foram publicadas em vários órgãos da imprensa nativa, algumas antológicas. Na dedicatória feita para mim e Sivaldo, lá está: “Aos amigos e companheiros, batalhadores da cultura, aqui vão algumas aventuras brasileiras, que sempre tem um sotaque bauruense”. Colecionei livros dos mestres do traço nacional e ainda os guardo com todo o carinho, tenho por aqui uma estante cheia deles. O gostoso de uma noite igual a essa é rever Beto, que veio de Sampa, num bate-volta (na quarta já embarcaria às 10h de volta para a seriedade) e o bate-papo proporcionado, o reencontro com pessoas queridas. Beto, com aquele olhar calmo, fala pausada, é de uma atenção imensa, pois o vejo perguntando a todos: “O que anda fazendo?”. Da última vez acabou querendo conhecer a bagunça lá do mafuá e o trouxe até aqui. Enquanto uma fila estava diante de sua mesa, produzia uma longa dedicatória para todos e depois, circulou de mesa em mesa, colocando as conversas em dia. Fiquei ao lado do amigo Sivaldo e em nossa mesa passaram muitos, o Pittolli, Guto Guedes, Isaías Daibem, Edward Albiero, Bitenka, Milton Dotta, Fábio Negrão, Martinha e tantos outros e outras. Beto jantou ao nosso lado e falamos de tudo um pouco. Além do livro comprado, levo minha coleção de tiras do Caderno 2, 1987, quando foi dirigido por Luiz Fernando Emediato e possuía um espaço todo especial para os quadrinhos. Foi lá que Beto lançou a tira “Romeu, o Descasado”. Colei todas num caderno e guardo tudo até hoje aqui no mafuá. Já havia mostrado ao Beto em 2001, quando autografou meu caderno, mas hoje, não resisti e trouxe para gerar conversas. Papeamos muito e fomos uns dos últimos a sair do bar. Do Beto, tenho comigo um CD com boa parte de sua obra e mesmo fora lá da Cultura municipal, ajudarei no que for preciso para viabilizar algo grandioso, uma bela exposição, talvez nos moldes do que conseguimos realizar por lá com a obra do Nicolielo. Fico de enviar uma cópia das tiras do Romeu para ele e receber em retribuição seu outro novo livro, o segundo com a temática da Venezuela de Chávez. Mostrei hoje o “Tocaia” para meu filho e adorou, queria ficar com ele. Fiz um acordo, leio primeiro e no final de semana empresto a ele. Muito bem entendido, emprestado.
Na saída, uma surpresa ao bater os olhos no cartaz do show que aconteceria por lá na quarta, 28/10, em homenagem ao PK, o querido Paulo Keller, que nos deixou semanas atrás, vejo duas fotos minhas lá no cartaz. Contato o Sérgio, da produção do Templo e ele me diz ter localizado algumas na Internet. Fico contente, pois essas duas retratam o Paulo em belos momentos, de muita alegria e descontração. Não pude ir nesse show, pois priorizei outro evento na quarta.
Evento 2: Na noite de quarta, 28/10, no SESC Bauru algo inédito, uma palestra de Frei Beto, dentro do evento “Segurança Alimentar e Nutricional: Impacto e Perspectivas”. Para mim, que já li dezenas de livros do frei Beto e ainda não o conhecia pessoalmente, algo imperdível. Chego só ao SESC e o encontro circulando tranqüilamente pelo salão e autografando seus livros. Compro dois, um antigo “Guia de Cuba” (1987) e “Das Catacumbas – Cartas da prisão 1969-1971”. Já tive os dois e sumiram ao longo do tempo. Levo mais dois para ele assinar, o “Batismo de Sangue” e o “Fidel e a Religião”. Tietei e ele foi de uma simpatia imensa. Falei de minha viagem à Cuba e que o havia visto na TV cubana. Ele, com seu jeito miúdo, pausado, simplesmente me diz: “Acabo de voltar de lá na semana passada”. Conversamos ao lado do professor Clodoaldo Meneghello. O chamam para o salão e vou presenciar sua fala com o tema “Fome, ética e política social”.
Registro um pouco de sua palestra: “A culpa da fome é de um sistema que segrega, marginaliza e exclui. Isso não é culpa de Deus. Existem quatro formas de uma morte precoce: a AIDS, o Terrorismo, a Segurança do Trabalho e a Fome. Essa mata mais que todas as outras juntas. Raríssimas são as manifestações contra a fome e por que ela mobiliza menos? Todos nós aqui nesse salão não nos sentimos ameaçados pela fome e não temos a sensibilidade ética da solidariedade com aquela parcela miserável da sociedade. É inconcebível eticamente continuarmos enviando naves para Marte e não se conseguir alimentos para matar a fome das pessoas. Os alimentos existentes hoje no mundo dariam para matar a fome de três mundos. O que falta é a partilha. Todas nossas mazelas resultam da questão ética e temos que permanecer absolutamente indignados por viver numa sociedade tão desigual. Muitos pensam assim: que os miseráveis moram de fome, dane-se, eu é que não posso morrer de AIDS, de terrorismo... O mesmo estímulo de consumo que eu recebo o favelado recebe. Hoje o ter é mais importante que tudo, o estímulo é para todos e a sociedade inventa ilhas de opulência para resolver isso. Shoppings são verdadeiros templos de consumo, a ante-sala do paraíso. Sobre isso, cito Sócrates: Quanta coisa existe que eu não preciso para ser feliz. Diante disso o presidente Lula criou o Fome Zero (diário de sua participação contada no livro “Calendário do Poder”). Antes tínhamos 40 milhões de pessoas com fome, hoje de 25 a 30 milhões ameaçadas pela fome. O programa era emancipatório e cada família permaneceria no máximo um ano, um ano e meio. Hoje foi substituído pelo Bolsa Família, que possui caráter compensatório. Temos a vergonha de ter sido a última nação das três Américas a libertar os escravos e hoje, a vergonha, junto da Argentina, de nunca ter feito a reforma agrária. Comemos por causa da agricultura familiar, que emprega 12 milhões de pessoas, enquanto que o agro negócio emprega 600 mil pessoas e não alimenta ninguém. Não existe princípio de educação alimentar nas escolas. Uma solução das mais simples é a utilização dos terrenos baldios para hortas, podendo até isentar de IPTU os seus proprietários. Devemos incutir o senso crítico de que todos nós temos direito a uma vida saudável e sem fome. Sem isso, iremos inevitavelmente para a barbárie. Somos ótimos nas festas, mas não é disso que se faz uma nação. A pobreza é gorda. A barriga do pobre incha pela falta dos nutrientes alimentares. Graça no país o pensamento de que eu vou ser rico de qualquer maneira, mesmo que isso traga a infelicidade de milhares de pessoas, isso é uma questão ética. Quando um garoto vê seus pais maltratando uma empregada doméstica e interfere, ficando ao lado dela, isso é uma questão ética. Quem tem nojo de político é governado por quem não tem. Governo é que nem feijão, só funciona na panela de pressão. Vamos torcer para que até 2022 o Brasil cumpra suas metas elementares em educação (visite o site http://www.todospelaeducacao.com.br/), lá ocorrerá o Bicentenário da Nação. Conhecem a história do mendigo diante da padaria. Ele fica lá um tempão e o Estado nunca lhe estende o braço. No momento em que lança uma pedra no vidro para pegar um pão, imediatamente o braço repressivo surge e entra em ação”.
Ficou comprido, mas não conseguiria deixar de publicar isso. Rodeamos frei Beto no fim de sua fala. Pittolli foi-lhe falar que estiveram presos juntos do presídio Tiradentes. Isaías Daibem e sua esposa Ana Maria relatam a trajetória social de ambos. Eu lhe falo de Cuba, Clodoaldo de seus projetos sociais e o dentista Eduardo Miguel cita Boff. Caminhamos com ele até a banca de livros e ficamos ali, todos tietando o ilustre visitante por mais uma hora. Na saída, juntou seus livros, colocou ele mesmo dentro de dois grandes sacos de plástico e foi embora carregando tudo, junto de amigos religiosos, numa pernoite na cidade. Trago comigo um cartão para um contato de um provável retorno, para outra palestra, com um outro público. Éramos muitos, todos em estado de êxtase. Se gostar de homem é isso, gosto demais de frei Beto e não tenho vergonha nenhuma de dizê-lo em alto e bom som. Ele não nos deixa esmorecer e conclama para continuarmos lutando por um outro mundo, bem diferente deste que vivemos, principalmente sem a chaga da fome.
DUAS PESSOAS, DOIS EVENTOS, DUAS EMOÇÕES
Evento 1: Na noite de terça, 27/10, fui no lançamento do mais novo livro de quadrinhos do amigo Beto Maringoni, o “Tocaia e outros quadrinhos” (edit. Devir – http://www.devir.com/hqs) lá no Templo Bar, do também amigo Fernando. O local é propício para eventos dessa natureza simplesmente por um motivo, o Fernando prepara a casa com carinho e recebe todos com um som de altíssima qualidade. Janta quem quer e beberica outros tantos. Nesse livro estão juntas histórias que foram publicadas em vários órgãos da imprensa nativa, algumas antológicas. Na dedicatória feita para mim e Sivaldo, lá está: “Aos amigos e companheiros, batalhadores da cultura, aqui vão algumas aventuras brasileiras, que sempre tem um sotaque bauruense”. Colecionei livros dos mestres do traço nacional e ainda os guardo com todo o carinho, tenho por aqui uma estante cheia deles. O gostoso de uma noite igual a essa é rever Beto, que veio de Sampa, num bate-volta (na quarta já embarcaria às 10h de volta para a seriedade) e o bate-papo proporcionado, o reencontro com pessoas queridas. Beto, com aquele olhar calmo, fala pausada, é de uma atenção imensa, pois o vejo perguntando a todos: “O que anda fazendo?”. Da última vez acabou querendo conhecer a bagunça lá do mafuá e o trouxe até aqui. Enquanto uma fila estava diante de sua mesa, produzia uma longa dedicatória para todos e depois, circulou de mesa em mesa, colocando as conversas em dia. Fiquei ao lado do amigo Sivaldo e em nossa mesa passaram muitos, o Pittolli, Guto Guedes, Isaías Daibem, Edward Albiero, Bitenka, Milton Dotta, Fábio Negrão, Martinha e tantos outros e outras. Beto jantou ao nosso lado e falamos de tudo um pouco. Além do livro comprado, levo minha coleção de tiras do Caderno 2, 1987, quando foi dirigido por Luiz Fernando Emediato e possuía um espaço todo especial para os quadrinhos. Foi lá que Beto lançou a tira “Romeu, o Descasado”. Colei todas num caderno e guardo tudo até hoje aqui no mafuá. Já havia mostrado ao Beto em 2001, quando autografou meu caderno, mas hoje, não resisti e trouxe para gerar conversas. Papeamos muito e fomos uns dos últimos a sair do bar. Do Beto, tenho comigo um CD com boa parte de sua obra e mesmo fora lá da Cultura municipal, ajudarei no que for preciso para viabilizar algo grandioso, uma bela exposição, talvez nos moldes do que conseguimos realizar por lá com a obra do Nicolielo. Fico de enviar uma cópia das tiras do Romeu para ele e receber em retribuição seu outro novo livro, o segundo com a temática da Venezuela de Chávez. Mostrei hoje o “Tocaia” para meu filho e adorou, queria ficar com ele. Fiz um acordo, leio primeiro e no final de semana empresto a ele. Muito bem entendido, emprestado.
Na saída, uma surpresa ao bater os olhos no cartaz do show que aconteceria por lá na quarta, 28/10, em homenagem ao PK, o querido Paulo Keller, que nos deixou semanas atrás, vejo duas fotos minhas lá no cartaz. Contato o Sérgio, da produção do Templo e ele me diz ter localizado algumas na Internet. Fico contente, pois essas duas retratam o Paulo em belos momentos, de muita alegria e descontração. Não pude ir nesse show, pois priorizei outro evento na quarta.
Evento 2: Na noite de quarta, 28/10, no SESC Bauru algo inédito, uma palestra de Frei Beto, dentro do evento “Segurança Alimentar e Nutricional: Impacto e Perspectivas”. Para mim, que já li dezenas de livros do frei Beto e ainda não o conhecia pessoalmente, algo imperdível. Chego só ao SESC e o encontro circulando tranqüilamente pelo salão e autografando seus livros. Compro dois, um antigo “Guia de Cuba” (1987) e “Das Catacumbas – Cartas da prisão 1969-1971”. Já tive os dois e sumiram ao longo do tempo. Levo mais dois para ele assinar, o “Batismo de Sangue” e o “Fidel e a Religião”. Tietei e ele foi de uma simpatia imensa. Falei de minha viagem à Cuba e que o havia visto na TV cubana. Ele, com seu jeito miúdo, pausado, simplesmente me diz: “Acabo de voltar de lá na semana passada”. Conversamos ao lado do professor Clodoaldo Meneghello. O chamam para o salão e vou presenciar sua fala com o tema “Fome, ética e política social”.
Registro um pouco de sua palestra: “A culpa da fome é de um sistema que segrega, marginaliza e exclui. Isso não é culpa de Deus. Existem quatro formas de uma morte precoce: a AIDS, o Terrorismo, a Segurança do Trabalho e a Fome. Essa mata mais que todas as outras juntas. Raríssimas são as manifestações contra a fome e por que ela mobiliza menos? Todos nós aqui nesse salão não nos sentimos ameaçados pela fome e não temos a sensibilidade ética da solidariedade com aquela parcela miserável da sociedade. É inconcebível eticamente continuarmos enviando naves para Marte e não se conseguir alimentos para matar a fome das pessoas. Os alimentos existentes hoje no mundo dariam para matar a fome de três mundos. O que falta é a partilha. Todas nossas mazelas resultam da questão ética e temos que permanecer absolutamente indignados por viver numa sociedade tão desigual. Muitos pensam assim: que os miseráveis moram de fome, dane-se, eu é que não posso morrer de AIDS, de terrorismo... O mesmo estímulo de consumo que eu recebo o favelado recebe. Hoje o ter é mais importante que tudo, o estímulo é para todos e a sociedade inventa ilhas de opulência para resolver isso. Shoppings são verdadeiros templos de consumo, a ante-sala do paraíso. Sobre isso, cito Sócrates: Quanta coisa existe que eu não preciso para ser feliz. Diante disso o presidente Lula criou o Fome Zero (diário de sua participação contada no livro “Calendário do Poder”). Antes tínhamos 40 milhões de pessoas com fome, hoje de 25 a 30 milhões ameaçadas pela fome. O programa era emancipatório e cada família permaneceria no máximo um ano, um ano e meio. Hoje foi substituído pelo Bolsa Família, que possui caráter compensatório. Temos a vergonha de ter sido a última nação das três Américas a libertar os escravos e hoje, a vergonha, junto da Argentina, de nunca ter feito a reforma agrária. Comemos por causa da agricultura familiar, que emprega 12 milhões de pessoas, enquanto que o agro negócio emprega 600 mil pessoas e não alimenta ninguém. Não existe princípio de educação alimentar nas escolas. Uma solução das mais simples é a utilização dos terrenos baldios para hortas, podendo até isentar de IPTU os seus proprietários. Devemos incutir o senso crítico de que todos nós temos direito a uma vida saudável e sem fome. Sem isso, iremos inevitavelmente para a barbárie. Somos ótimos nas festas, mas não é disso que se faz uma nação. A pobreza é gorda. A barriga do pobre incha pela falta dos nutrientes alimentares. Graça no país o pensamento de que eu vou ser rico de qualquer maneira, mesmo que isso traga a infelicidade de milhares de pessoas, isso é uma questão ética. Quando um garoto vê seus pais maltratando uma empregada doméstica e interfere, ficando ao lado dela, isso é uma questão ética. Quem tem nojo de político é governado por quem não tem. Governo é que nem feijão, só funciona na panela de pressão. Vamos torcer para que até 2022 o Brasil cumpra suas metas elementares em educação (visite o site http://www.todospelaeducacao.com.br/), lá ocorrerá o Bicentenário da Nação. Conhecem a história do mendigo diante da padaria. Ele fica lá um tempão e o Estado nunca lhe estende o braço. No momento em que lança uma pedra no vidro para pegar um pão, imediatamente o braço repressivo surge e entra em ação”.
Ficou comprido, mas não conseguiria deixar de publicar isso. Rodeamos frei Beto no fim de sua fala. Pittolli foi-lhe falar que estiveram presos juntos do presídio Tiradentes. Isaías Daibem e sua esposa Ana Maria relatam a trajetória social de ambos. Eu lhe falo de Cuba, Clodoaldo de seus projetos sociais e o dentista Eduardo Miguel cita Boff. Caminhamos com ele até a banca de livros e ficamos ali, todos tietando o ilustre visitante por mais uma hora. Na saída, juntou seus livros, colocou ele mesmo dentro de dois grandes sacos de plástico e foi embora carregando tudo, junto de amigos religiosos, numa pernoite na cidade. Trago comigo um cartão para um contato de um provável retorno, para outra palestra, com um outro público. Éramos muitos, todos em estado de êxtase. Se gostar de homem é isso, gosto demais de frei Beto e não tenho vergonha nenhuma de dizê-lo em alto e bom som. Ele não nos deixa esmorecer e conclama para continuarmos lutando por um outro mundo, bem diferente deste que vivemos, principalmente sem a chaga da fome.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
MEMÓRIA ORAL (74)
UMATESOURA EM VIAS DA APOSENTADORIA
A Alfaiataria Tesouro de Ouro funciona na mesma quadra da avenida Rodrigues Alves, centro de Bauru, desde 1955. Primeiro no nº 9-51, por 25 anos e depois, do outro lado na rua, no nº 9-68, mais 29 anos, totalizando 54 anos ininterruptos. Ali, em pleno funcionamento e sempre tendo à frente, o descendente direto de espanhóis, Maciel Ortiz, a incorporar o próprio nome do estabelecimento. Desconfiado na abordagem inicial, mas muito franco e aberto após alguns minutos de conversa, confessa que, hoje nas vésperas de completar 85 anos de vida (em 21/12), pensa em parar: “Talvez esse seja meu último ano por aqui, quero descansar, penso em vender o ponto. Aliás, só trabalho para não ficar parado dentro de casa”.
A Alfaiataria Tesouro de Ouro funciona na mesma quadra da avenida Rodrigues Alves, centro de Bauru, desde 1955. Primeiro no nº 9-51, por 25 anos e depois, do outro lado na rua, no nº 9-68, mais 29 anos, totalizando 54 anos ininterruptos. Ali, em pleno funcionamento e sempre tendo à frente, o descendente direto de espanhóis, Maciel Ortiz, a incorporar o próprio nome do estabelecimento. Desconfiado na abordagem inicial, mas muito franco e aberto após alguns minutos de conversa, confessa que, hoje nas vésperas de completar 85 anos de vida (em 21/12), pensa em parar: “Talvez esse seja meu último ano por aqui, quero descansar, penso em vender o ponto. Aliás, só trabalho para não ficar parado dentro de casa”.
Ele sempre trabalhou nessa profissão. Quando veio de Nova Europa para Bauru em 1944 já era alfaiate e o fez para cumprir as obrigações com o serviço militar, no antigo Tiro de Guerra. “Fui contra-mestre do alfaiate Fratiano durante seis anos, até conseguir me estabelecer. Quando cheguei aqui escapei da guerra, pois me apresentei com carteira de 3ª categoria. O presidente Dutra acabou nos anistiando depois e só voltei para Nova Europa, em 1949, para casar”, conta com muita empolgação, sem deixar de costurar uma calça na máquina de costura.
Sua história é sempre cheia de detalhes, pois Maciel não é homem de poucas palavras. Possui uma memória privilegiada e ao relatar algo, lembra-se de outros e as histórias se sucedem. “Esta é a oitava reportagem com a Tesoura de Ouro. Relembrar é comigo mesmo, pois já fiz roupa para meio mundo aqui em Bauru. Hoje os tempos são outros e acabo fazendo ternos para aqueles que não existem manequins, como os gordos. Para aqueles que não encontram numeração nas lojas. Não entro em competição de preço, o meu terno sai de R$ 500 a R$ 600 e sei que nas lojas vendem três vezes mais barato que aqui. Hoje, no máximo faço de cinco a sete por mês. Na maioria das vezes trabalho sozinho e só quando aperta, distribuo para outros me ajudarem. Mais arriscado ainda é trabalhar para gente que não quer pagar. Leva a peça pronta e sobra a canseira de ficar cobrando. Tenho alguns casos assim”, conclui sem ressentimentos, mas ciente de que exerce uma profissão quase em extinção.
Quando lhe pergunto sobre o passado, parece respirar um pouco antes de responder: “O que ocorreu na profissão é estranho. Hoje as pessoas alugam o terno e devolvem, tudo por volta de uns R$ 100 reais. Isso é estranho para mim. Quando comecei nem se pensava em emprestar um terno de outra pessoa para uma festa, um casamento. No passado, uma mulher alugar um vestido para uma festa era uma vergonha. A época é outra e tenho que ir me adaptando. Deixei de fazer smokings, porque as pessoas acham muito mais barato alugar”. Ele que se aposentou em 1984, afirma também, que "se não tivesse sido econômico, hoje estaria em dificuldades, pois no início recebia seis salários e hoje não passo dos três mínimos".
Na continuidade da conversa faz uma reflexão muito interessante sobre a profissão: “Em 1943 aqui em Bauru tinha uns 30 alfaiates e 46 mil habitantes. Hoje somos 300 mil e pouco e somente uns quatro estabelecidos e mais uns quatro trabalhando em casa. A profissão foi acabando. Não arrumo mais um oficial para ensinar a profissão. Cheguei a ter oito empregados em 1960, ganhei dinheiro, apliquei e fiz um pequeno pé de meia. Seria até falta de caridade eu ensinar uma criança a profissão e fazer ela passar dificuldades. Não faria isso. Ela não teria o que fazer daqui a alguns anos”.
“Já fiz roupa para meio mundo, desde prefeitos, deputados e não gosto de ficar citando as posições. Trabalhei para todas as classes, fiz muitos ternos para ferroviários. Já fiz terno em dez prestações. Todo jovem tinha o seu terno e gostava de usar nos mais diferentes lugares”, relata quando lhe perguntei quem mais compravam ternos. Isso faz com que toque em outro assunto: “Todo mundo me pergunta dos motivos da profissão de alfaiate estar em extinção e você não me perguntou isso. Já sabe a resposta, né? Em 1997 fui à Europa e lá já presenciei a decadência. As profissões que não se organizam, não se modernizam, acabam fenecendo. Eu não quis me industrializar, teria que gastar muito, sem a certeza do retorno. Preferi continuar do mesmo jeito que comecei e sobrevivi”.
“Uma das coisas que mais me realizaria hoje era uma dedicação para a parte social, trabalhar para os pobres. Estou sentindo também uma necessidade de ficar mais em casa, curtir a esposa Isa, pois ela não está bem de saúde. Tenho que pensar nisso também, mas quando penso em abandonar, bate uma dorzinha lá no fundo. Ainda estou pensando”, conta sobre a vontade de parar. Por fim acaba por se lembrar de um conselho dado pelo seu filho: “Ele me pede para ficar só para receber os amigos e para não ficar em casa sem fazer nada. Tem as duas coisas. Nada ainda está decidido, pois pago aluguel aqui há 54 anos”. Quando saio à porta para as despedidas, olha para o movimento e percebo o quanto ele sentirá falta dessa movimentação se optar por cerras as portas e guardar a “tesoura de ouro” na gaveta.
Sua história é sempre cheia de detalhes, pois Maciel não é homem de poucas palavras. Possui uma memória privilegiada e ao relatar algo, lembra-se de outros e as histórias se sucedem. “Esta é a oitava reportagem com a Tesoura de Ouro. Relembrar é comigo mesmo, pois já fiz roupa para meio mundo aqui em Bauru. Hoje os tempos são outros e acabo fazendo ternos para aqueles que não existem manequins, como os gordos. Para aqueles que não encontram numeração nas lojas. Não entro em competição de preço, o meu terno sai de R$ 500 a R$ 600 e sei que nas lojas vendem três vezes mais barato que aqui. Hoje, no máximo faço de cinco a sete por mês. Na maioria das vezes trabalho sozinho e só quando aperta, distribuo para outros me ajudarem. Mais arriscado ainda é trabalhar para gente que não quer pagar. Leva a peça pronta e sobra a canseira de ficar cobrando. Tenho alguns casos assim”, conclui sem ressentimentos, mas ciente de que exerce uma profissão quase em extinção.
Quando lhe pergunto sobre o passado, parece respirar um pouco antes de responder: “O que ocorreu na profissão é estranho. Hoje as pessoas alugam o terno e devolvem, tudo por volta de uns R$ 100 reais. Isso é estranho para mim. Quando comecei nem se pensava em emprestar um terno de outra pessoa para uma festa, um casamento. No passado, uma mulher alugar um vestido para uma festa era uma vergonha. A época é outra e tenho que ir me adaptando. Deixei de fazer smokings, porque as pessoas acham muito mais barato alugar”. Ele que se aposentou em 1984, afirma também, que "se não tivesse sido econômico, hoje estaria em dificuldades, pois no início recebia seis salários e hoje não passo dos três mínimos".
Na continuidade da conversa faz uma reflexão muito interessante sobre a profissão: “Em 1943 aqui em Bauru tinha uns 30 alfaiates e 46 mil habitantes. Hoje somos 300 mil e pouco e somente uns quatro estabelecidos e mais uns quatro trabalhando em casa. A profissão foi acabando. Não arrumo mais um oficial para ensinar a profissão. Cheguei a ter oito empregados em 1960, ganhei dinheiro, apliquei e fiz um pequeno pé de meia. Seria até falta de caridade eu ensinar uma criança a profissão e fazer ela passar dificuldades. Não faria isso. Ela não teria o que fazer daqui a alguns anos”.
“Já fiz roupa para meio mundo, desde prefeitos, deputados e não gosto de ficar citando as posições. Trabalhei para todas as classes, fiz muitos ternos para ferroviários. Já fiz terno em dez prestações. Todo jovem tinha o seu terno e gostava de usar nos mais diferentes lugares”, relata quando lhe perguntei quem mais compravam ternos. Isso faz com que toque em outro assunto: “Todo mundo me pergunta dos motivos da profissão de alfaiate estar em extinção e você não me perguntou isso. Já sabe a resposta, né? Em 1997 fui à Europa e lá já presenciei a decadência. As profissões que não se organizam, não se modernizam, acabam fenecendo. Eu não quis me industrializar, teria que gastar muito, sem a certeza do retorno. Preferi continuar do mesmo jeito que comecei e sobrevivi”.
“Uma das coisas que mais me realizaria hoje era uma dedicação para a parte social, trabalhar para os pobres. Estou sentindo também uma necessidade de ficar mais em casa, curtir a esposa Isa, pois ela não está bem de saúde. Tenho que pensar nisso também, mas quando penso em abandonar, bate uma dorzinha lá no fundo. Ainda estou pensando”, conta sobre a vontade de parar. Por fim acaba por se lembrar de um conselho dado pelo seu filho: “Ele me pede para ficar só para receber os amigos e para não ficar em casa sem fazer nada. Tem as duas coisas. Nada ainda está decidido, pois pago aluguel aqui há 54 anos”. Quando saio à porta para as despedidas, olha para o movimento e percebo o quanto ele sentirá falta dessa movimentação se optar por cerras as portas e guardar a “tesoura de ouro” na gaveta.
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
PRECONCEITO AO SAPO BARBUDO (17)
REVISTA “PIAUÍ” DEIXA CLARO SUAS PREFERÊNCIAS, MESMO SEM O FAZÊ-LO
Leio essa revista desde o seu número 1 e o faço, em primeiro lugar por gostar do formato e da boa diagramação, mas quando a abro para a leitura, dificilmente não esbarro em algo a me inquietar. Ela quer aparentar ser moderninha, avançada, com temas de vanguarda e muitos bons nomes assinando suas matérias e artigos, mas não consegue escapar da pecha de “meio direitosa” (alguém poderia me corrigir: “existe meio viado? Não. Pois, direitoso também não. Ou se é ou não se é”). Piauí engana aos incautos. Só eles, no mais deixa claro possuir um lado e contenta a grande maioria dos seus leitores. Nada contra, pois leio uma revista que nas duas últimas eleições, declarou que o melhor para o país era apoiar uma das candidaturas e assim o fez. Piauí não age assim, ela tenta se mostrar imparcial, mas não o é. Quem como eu, a lê desde os cueiros, sabe do que estou falando.
Vamos aos fatos. A revista fez questão de fazer uma matéria com a ministra Dilma, ressaltando seu lado guerrilheiro, ter lutado com armas na mão contra um governo (não se importando se era uma ditadura ou não). O fato é que foi “guerrilheira” e daí para ser taxada de “terrorista” e “bandida” é um mero pulo. Muitos a denominam dessa forma. Na matéria isso ficou evidenciado. E isso faz a diferença (eles sabem disso), pois num país onde impera uma legião de iletrados (os letrados, em sua maioria, torcem pelo adversário), só o fato de ter pegado em armas impõe medo, repulsa. E suga votos.
Na última edição, a de outubro, nº 37, uma reportagem sobre Serra, essa com dez páginas. Titulo ameno, “Serra na hora da decisão”. Na da Dilma, edição nº 34 (julho 2009), “Dilma do presídio ao Planalto” (sentiram a diferença de tratamento?), oito páginas. Comento algumas observações da matéria feita com o Serra. Fica evidente uma tentativa de passar uma imagem de homem austero, letrado, cheio de citações de livros já lidos, reflexões variadas e frases de efeito. Contornam por desvios incontornáveis os ditos calos, ou o calcanhar de Aquiles do governador paulista, como a imagem de antipático e arrogante. Só uma citação desairosa, o uso desenfreado de álcool após qualquer tipo de cumprimento popular. Do Chile, nada sobre o fato de assim como no Brasil ter fugido do pau, pois tão logo o golpe ocorre por lá, em 1973, bate em retirada, como um fujão, igualzinho o ocorrido aqui. Quando saiu a reportagem da Dilma, escrevi carta para a revista. Ela foi publicada, mas omitiram isso, o fato deles ressaltarem o lado guerrilheiro dela e não o fujão dele. Um interessava, outro não. Num outro momento, Daniela Pinheiro, a jornalista que escreveu a matéria, demonstra um lado positivo, por ele ser controlador e até por se sentir perseguido e injustiçado pela grande imprensa (imagina como poderíamos qualificar o tratamento dado à Lula e Dilma?). Na mesma edição, um artigo desancando Lula, o "O avesso do avesso". Elogios para este e pau naquele. Esse é o método, entenda ou caia nele se seu paraqueda despencar bem em cima de alguma edição, dirigida, nada mais nada menos por Mário Sérgio Conti (preciso dizer mais algo?).
Por fim, algo a me intrigar, num trecho a jornalista escreve que Serra, após lhe passar um conto de Machado de Assis, confirma que a matéria foi escrita com um prazo dilatado: “... mais de um ano depois de ter me dado o conto de...”. O texto foi parido com muita calma e veio para marcar definitivamente que a revista está do lado de Serra. E quais seriam os motivos dela não assumir isso publicamente? Mino Carta, em editorial recente, diz que estará divulgando em breve o lado que a revista Carta Capital irá assumir no próximo pleito presidencial. Uma declara em editorial e a outra finge não possuir um lado. Continuo lendo ambas, Carta Capital, por ser uma das únicas na busca incessante pela verdade factual dos fatos, já Piauí, continuo somente para me certificar, a cada nova edição, da capacidade de contorcionismo e do malabarismo circense de sua equipe. Sou a favor do escrachamento imediato (uma provável e antecipada Declaração de Amor) e por não tentarem mais continuar enganando (ou fingindo enganar, onde um finge que engana e o outro finge que é enganado) o leitor. Não preciso dizer aqui qual das duas revistas possui a minha preferência, né!
REVISTA “PIAUÍ” DEIXA CLARO SUAS PREFERÊNCIAS, MESMO SEM O FAZÊ-LO
Leio essa revista desde o seu número 1 e o faço, em primeiro lugar por gostar do formato e da boa diagramação, mas quando a abro para a leitura, dificilmente não esbarro em algo a me inquietar. Ela quer aparentar ser moderninha, avançada, com temas de vanguarda e muitos bons nomes assinando suas matérias e artigos, mas não consegue escapar da pecha de “meio direitosa” (alguém poderia me corrigir: “existe meio viado? Não. Pois, direitoso também não. Ou se é ou não se é”). Piauí engana aos incautos. Só eles, no mais deixa claro possuir um lado e contenta a grande maioria dos seus leitores. Nada contra, pois leio uma revista que nas duas últimas eleições, declarou que o melhor para o país era apoiar uma das candidaturas e assim o fez. Piauí não age assim, ela tenta se mostrar imparcial, mas não o é. Quem como eu, a lê desde os cueiros, sabe do que estou falando.
Vamos aos fatos. A revista fez questão de fazer uma matéria com a ministra Dilma, ressaltando seu lado guerrilheiro, ter lutado com armas na mão contra um governo (não se importando se era uma ditadura ou não). O fato é que foi “guerrilheira” e daí para ser taxada de “terrorista” e “bandida” é um mero pulo. Muitos a denominam dessa forma. Na matéria isso ficou evidenciado. E isso faz a diferença (eles sabem disso), pois num país onde impera uma legião de iletrados (os letrados, em sua maioria, torcem pelo adversário), só o fato de ter pegado em armas impõe medo, repulsa. E suga votos.
Na última edição, a de outubro, nº 37, uma reportagem sobre Serra, essa com dez páginas. Titulo ameno, “Serra na hora da decisão”. Na da Dilma, edição nº 34 (julho 2009), “Dilma do presídio ao Planalto” (sentiram a diferença de tratamento?), oito páginas. Comento algumas observações da matéria feita com o Serra. Fica evidente uma tentativa de passar uma imagem de homem austero, letrado, cheio de citações de livros já lidos, reflexões variadas e frases de efeito. Contornam por desvios incontornáveis os ditos calos, ou o calcanhar de Aquiles do governador paulista, como a imagem de antipático e arrogante. Só uma citação desairosa, o uso desenfreado de álcool após qualquer tipo de cumprimento popular. Do Chile, nada sobre o fato de assim como no Brasil ter fugido do pau, pois tão logo o golpe ocorre por lá, em 1973, bate em retirada, como um fujão, igualzinho o ocorrido aqui. Quando saiu a reportagem da Dilma, escrevi carta para a revista. Ela foi publicada, mas omitiram isso, o fato deles ressaltarem o lado guerrilheiro dela e não o fujão dele. Um interessava, outro não. Num outro momento, Daniela Pinheiro, a jornalista que escreveu a matéria, demonstra um lado positivo, por ele ser controlador e até por se sentir perseguido e injustiçado pela grande imprensa (imagina como poderíamos qualificar o tratamento dado à Lula e Dilma?). Na mesma edição, um artigo desancando Lula, o "O avesso do avesso". Elogios para este e pau naquele. Esse é o método, entenda ou caia nele se seu paraqueda despencar bem em cima de alguma edição, dirigida, nada mais nada menos por Mário Sérgio Conti (preciso dizer mais algo?).
Por fim, algo a me intrigar, num trecho a jornalista escreve que Serra, após lhe passar um conto de Machado de Assis, confirma que a matéria foi escrita com um prazo dilatado: “... mais de um ano depois de ter me dado o conto de...”. O texto foi parido com muita calma e veio para marcar definitivamente que a revista está do lado de Serra. E quais seriam os motivos dela não assumir isso publicamente? Mino Carta, em editorial recente, diz que estará divulgando em breve o lado que a revista Carta Capital irá assumir no próximo pleito presidencial. Uma declara em editorial e a outra finge não possuir um lado. Continuo lendo ambas, Carta Capital, por ser uma das únicas na busca incessante pela verdade factual dos fatos, já Piauí, continuo somente para me certificar, a cada nova edição, da capacidade de contorcionismo e do malabarismo circense de sua equipe. Sou a favor do escrachamento imediato (uma provável e antecipada Declaração de Amor) e por não tentarem mais continuar enganando (ou fingindo enganar, onde um finge que engana e o outro finge que é enganado) o leitor. Não preciso dizer aqui qual das duas revistas possui a minha preferência, né!