CENA BAURUENSE (42)
DUAS PESSOAS, DOIS EVENTOS, DUAS EMOÇÕES
Evento 1: Na noite de terça, 27/10, fui no lançamento do mais novo livro de quadrinhos do amigo Beto Maringoni, o “Tocaia e outros quadrinhos” (edit. Devir – http://www.devir.com/hqs) lá no Templo Bar, do também amigo Fernando. O local é propício para eventos dessa natureza simplesmente por um motivo, o Fernando prepara a casa com carinho e recebe todos com um som de altíssima qualidade. Janta quem quer e beberica outros tantos. Nesse livro estão juntas histórias que foram publicadas em vários órgãos da imprensa nativa, algumas antológicas. Na dedicatória feita para mim e Sivaldo, lá está: “Aos amigos e companheiros, batalhadores da cultura, aqui vão algumas aventuras brasileiras, que sempre tem um sotaque bauruense”. Colecionei livros dos mestres do traço nacional e ainda os guardo com todo o carinho, tenho por aqui uma estante cheia deles. O gostoso de uma noite igual a essa é rever Beto, que veio de Sampa, num bate-volta (na quarta já embarcaria às 10h de volta para a seriedade) e o bate-papo proporcionado, o reencontro com pessoas queridas. Beto, com aquele olhar calmo, fala pausada, é de uma atenção imensa, pois o vejo perguntando a todos: “O que anda fazendo?”. Da última vez acabou querendo conhecer a bagunça lá do mafuá e o trouxe até aqui. Enquanto uma fila estava diante de sua mesa, produzia uma longa dedicatória para todos e depois, circulou de mesa em mesa, colocando as conversas em dia. Fiquei ao lado do amigo Sivaldo e em nossa mesa passaram muitos, o Pittolli, Guto Guedes, Isaías Daibem, Edward Albiero, Bitenka, Milton Dotta, Fábio Negrão, Martinha e tantos outros e outras. Beto jantou ao nosso lado e falamos de tudo um pouco. Além do livro comprado, levo minha coleção de tiras do Caderno 2, 1987, quando foi dirigido por Luiz Fernando Emediato e possuía um espaço todo especial para os quadrinhos. Foi lá que Beto lançou a tira “Romeu, o Descasado”. Colei todas num caderno e guardo tudo até hoje aqui no mafuá. Já havia mostrado ao Beto em 2001, quando autografou meu caderno, mas hoje, não resisti e trouxe para gerar conversas. Papeamos muito e fomos uns dos últimos a sair do bar. Do Beto, tenho comigo um CD com boa parte de sua obra e mesmo fora lá da Cultura municipal, ajudarei no que for preciso para viabilizar algo grandioso, uma bela exposição, talvez nos moldes do que conseguimos realizar por lá com a obra do Nicolielo. Fico de enviar uma cópia das tiras do Romeu para ele e receber em retribuição seu outro novo livro, o segundo com a temática da Venezuela de Chávez. Mostrei hoje o “Tocaia” para meu filho e adorou, queria ficar com ele. Fiz um acordo, leio primeiro e no final de semana empresto a ele. Muito bem entendido, emprestado.
Na saída, uma surpresa ao bater os olhos no cartaz do show que aconteceria por lá na quarta, 28/10, em homenagem ao PK, o querido Paulo Keller, que nos deixou semanas atrás, vejo duas fotos minhas lá no cartaz. Contato o Sérgio, da produção do Templo e ele me diz ter localizado algumas na Internet. Fico contente, pois essas duas retratam o Paulo em belos momentos, de muita alegria e descontração. Não pude ir nesse show, pois priorizei outro evento na quarta.
Evento 2: Na noite de quarta, 28/10, no SESC Bauru algo inédito, uma palestra de Frei Beto, dentro do evento “Segurança Alimentar e Nutricional: Impacto e Perspectivas”. Para mim, que já li dezenas de livros do frei Beto e ainda não o conhecia pessoalmente, algo imperdível. Chego só ao SESC e o encontro circulando tranqüilamente pelo salão e autografando seus livros. Compro dois, um antigo “Guia de Cuba” (1987) e “Das Catacumbas – Cartas da prisão 1969-1971”. Já tive os dois e sumiram ao longo do tempo. Levo mais dois para ele assinar, o “Batismo de Sangue” e o “Fidel e a Religião”. Tietei e ele foi de uma simpatia imensa. Falei de minha viagem à Cuba e que o havia visto na TV cubana. Ele, com seu jeito miúdo, pausado, simplesmente me diz: “Acabo de voltar de lá na semana passada”. Conversamos ao lado do professor Clodoaldo Meneghello. O chamam para o salão e vou presenciar sua fala com o tema “Fome, ética e política social”.
Registro um pouco de sua palestra: “A culpa da fome é de um sistema que segrega, marginaliza e exclui. Isso não é culpa de Deus. Existem quatro formas de uma morte precoce: a AIDS, o Terrorismo, a Segurança do Trabalho e a Fome. Essa mata mais que todas as outras juntas. Raríssimas são as manifestações contra a fome e por que ela mobiliza menos? Todos nós aqui nesse salão não nos sentimos ameaçados pela fome e não temos a sensibilidade ética da solidariedade com aquela parcela miserável da sociedade. É inconcebível eticamente continuarmos enviando naves para Marte e não se conseguir alimentos para matar a fome das pessoas. Os alimentos existentes hoje no mundo dariam para matar a fome de três mundos. O que falta é a partilha. Todas nossas mazelas resultam da questão ética e temos que permanecer absolutamente indignados por viver numa sociedade tão desigual. Muitos pensam assim: que os miseráveis moram de fome, dane-se, eu é que não posso morrer de AIDS, de terrorismo... O mesmo estímulo de consumo que eu recebo o favelado recebe. Hoje o ter é mais importante que tudo, o estímulo é para todos e a sociedade inventa ilhas de opulência para resolver isso. Shoppings são verdadeiros templos de consumo, a ante-sala do paraíso. Sobre isso, cito Sócrates: Quanta coisa existe que eu não preciso para ser feliz. Diante disso o presidente Lula criou o Fome Zero (diário de sua participação contada no livro “Calendário do Poder”). Antes tínhamos 40 milhões de pessoas com fome, hoje de 25 a 30 milhões ameaçadas pela fome. O programa era emancipatório e cada família permaneceria no máximo um ano, um ano e meio. Hoje foi substituído pelo Bolsa Família, que possui caráter compensatório. Temos a vergonha de ter sido a última nação das três Américas a libertar os escravos e hoje, a vergonha, junto da Argentina, de nunca ter feito a reforma agrária. Comemos por causa da agricultura familiar, que emprega 12 milhões de pessoas, enquanto que o agro negócio emprega 600 mil pessoas e não alimenta ninguém. Não existe princípio de educação alimentar nas escolas. Uma solução das mais simples é a utilização dos terrenos baldios para hortas, podendo até isentar de IPTU os seus proprietários. Devemos incutir o senso crítico de que todos nós temos direito a uma vida saudável e sem fome. Sem isso, iremos inevitavelmente para a barbárie. Somos ótimos nas festas, mas não é disso que se faz uma nação. A pobreza é gorda. A barriga do pobre incha pela falta dos nutrientes alimentares. Graça no país o pensamento de que eu vou ser rico de qualquer maneira, mesmo que isso traga a infelicidade de milhares de pessoas, isso é uma questão ética. Quando um garoto vê seus pais maltratando uma empregada doméstica e interfere, ficando ao lado dela, isso é uma questão ética. Quem tem nojo de político é governado por quem não tem. Governo é que nem feijão, só funciona na panela de pressão. Vamos torcer para que até 2022 o Brasil cumpra suas metas elementares em educação (visite o site http://www.todospelaeducacao.com.br/), lá ocorrerá o Bicentenário da Nação. Conhecem a história do mendigo diante da padaria. Ele fica lá um tempão e o Estado nunca lhe estende o braço. No momento em que lança uma pedra no vidro para pegar um pão, imediatamente o braço repressivo surge e entra em ação”.
Ficou comprido, mas não conseguiria deixar de publicar isso. Rodeamos frei Beto no fim de sua fala. Pittolli foi-lhe falar que estiveram presos juntos do presídio Tiradentes. Isaías Daibem e sua esposa Ana Maria relatam a trajetória social de ambos. Eu lhe falo de Cuba, Clodoaldo de seus projetos sociais e o dentista Eduardo Miguel cita Boff. Caminhamos com ele até a banca de livros e ficamos ali, todos tietando o ilustre visitante por mais uma hora. Na saída, juntou seus livros, colocou ele mesmo dentro de dois grandes sacos de plástico e foi embora carregando tudo, junto de amigos religiosos, numa pernoite na cidade. Trago comigo um cartão para um contato de um provável retorno, para outra palestra, com um outro público. Éramos muitos, todos em estado de êxtase. Se gostar de homem é isso, gosto demais de frei Beto e não tenho vergonha nenhuma de dizê-lo em alto e bom som. Ele não nos deixa esmorecer e conclama para continuarmos lutando por um outro mundo, bem diferente deste que vivemos, principalmente sem a chaga da fome.
Henriquíssima figura:
ResponderExcluirAbri hoje o Mafuá, como faço habitualmente, e vejo que hoje sou notícia!
Obrigado pelo belo e atencioso texto.
Precisamos manter contato, sempre.
abração,
Beto Maringoni
meu filho perguntou qual a diferença entre frei e padre eu respondi que se o nome for Beto a diferença é enorme
ResponderExcluirEssa mesmo sem citar o nome, acho que sei quem está escrevendo. Não seria o matuto do Lázaro Carneiro?
ResponderExcluirJá te li afirmando isso lá atrás e não me esqueço jamais.
Um abracito do
Henrique, direto do mafuá
Para nós, descrentes e materuialistas, nosso santo é Frei Beto, um que ainda acredita e luta por um ideal já quase abandonado.
ResponderExcluirDaniel Carbone
Prezado Henrique: agradeço suas generosas palavras de incentivo ao meu trabalho. Quanto à Cuba, se vc e o Marcos Paulo decidissem hoje se mudar para lá, com certeza os cubanos haveriam de perguntar: e por que não ficam no Brasil para transformá-lo e fazer dele uma nação digna e soberana como a nossa? Claro, existem estrangeiros em Cuba, mas eles se dividem entre os que asseguram com meios próprios a sobrevivência ali (o que não é barato para nós) e os que são aceitos por possuírem habilidades profissionais de interesse do país (técnicos em exploração de petróleo etc.). E quem sou eu para lhe garantir um encontro com Fidel... Impossível nada é, mas, devido à saúde precária, ele hoje recebe pouquíssimas pessoas. De qualquer modo, louvo-o por cuidar de seu filho e de seus pais e, enquanto não chega o momento de uma decisão, lutemos para mudar para melhor esse nosso Brasil.
ResponderExcluirMeu abraço com amizade e paz,
Frei Betto