quarta-feira, 31 de março de 2010

DROPS - HISTÓRIAS REALMENTE ACONTECIDAS (27)

GOLPE MILITAR, 31/03, CAPIM FINO E MINHA QUEIMADURA
31 de março de 1964, nesse dia teve início ao nefasto período militar no Brasil, quando tropas militares vindas de Minas Gerais adentraram o Rio de Janeiro, culminando no dia seguinte, dia 1º de abril, um fatídico Dia da Mentira, a uma das maiores farsas históricas que esse país teve notícia. Do golpe, historiadores já contaram quase tudo, pouco a acrescentar. De minha parte, sempre reafirmo que os militares foram meros instrumentos de uma elite, que não aceitava mudanças sociais no país. Fizeram o jogo sujo e com as armas nas mãos pegaram gosto pela coisa e ficaram no poder por longos anos. Da elite, a mesma de hoje, digo que a luta continua, pois o sistema de antanho é o mesmo de hoje. E enquanto esse sistema persistir, pode até não ser os militares, mas sentindo-se ameaçados, os mesmos de ontem usarão outros para fazer o serviço sujo. Disso não tenham dúvidas. Vejo também que todos nossos vizinhos estão a resolver as pendências com o período militar e nós, numa soma de cumplicidade e medo, adiamos até a própria revisão da história. Pactos com quem nos fez tanto mal, mais uma especialidade conciliatória dessa indiferente sociedade brasileira.

Do dia do início do golpe, uma história pessoal vivida por mim. Tinha quatro anos e morava com meus pais e irmãos numa casa ao lado de uma estação ferroviária, que não mais existe, a de Capim Fino, pertencente ao extinto ramal férreo da Cia Paulista Estrada de Ferro, num trecho que saia de Dois Córregos, passava por Mineiros do Tietê, depois Capim Fino e Campos Salles, quando o ramal bifurcava, tomando dois rumos (informações passadas pelo meu pai, Heleno Cardoso de Aquino, chefe da estação naquele local e ano). Vivemos ali até 1966, quando a estação e o ramal foram fechados e meu pai transferido para Mineiros do Tietê, onde nasceu meu irmão Edson. Ralph Mennucci Giesbrecht, em seu site http://www.estacoesferroviarias.com/ relata o seguinte sobre Capim Fino: “Funcionou até 1966, quando, com o fim do ramal, foi desativada. Foi demolida. Seu local até agora não foi encontrado por mim e por outros pesquisadores que o tentaram: pessoas da cidade de Mineiros do Tietê dizem que no lugar onde existiam a estação e a vila ferroviária, existe hoje uma rotatória, em terra, no meio de um canavial. Não fui até o local, onde, segundo o pessoal da cidade, não existe um tijolo sequer que lembre que um dia existiu lá um vilarejo (depoimentos de 10/10/1999). A estação ficava, ao que parece, longe do povoado do mesmo nome, mas ainda não se conseguiu ter certeza de que sua localização era onde foi apontada”. Meu pai fala até hoje sobre o triste destino do lugar onde trabalhou: “Aquilo tudo está dentro da propriedade de uma fazenda do ex-prefeito de Bauru, o Oswaldo Sbeghen. Não deve ter mais nada”. Vou confirmar isso pessoalmente com Sbeghen e como passo sempre por lá, existindo algum resquício, vou registrar o fato.

Mas o que queria contar não era isso. Dia 31/03/64, Capim Fino e algo a me marcar para sempre. Morando ali, meu pai ouvindo rádio, som alto, o golpe sempre implantado, todos com medo, algo assusta uma moça que trabalhava em casa e ela despeja pela janela uma grande panela de arroz, caindo o líquido pastoso e quente bem nas minhas costas (poderia ter sido pior, imaginem no rosto). As marcas trago até hoje, uma queimadura que me toma todo o lado direito das costas. Essa minha marca, feita a água quente, que carregarei comigo até meus últimos dias. Não me lembro quase nada daquele tempo (pudera, tinha meros 4 anos), mas tenho vagas recordações minhas daquele dia, correndo e gritando. Meu ódio do golpe não advém daí, mas posso considerar que foi reforçado. Só foram feitas “cagadas” no país em nome desse brutal movimento militar, com repercussões bem claras até nossos dias. Tudo isso, o golpe e a queimadura ocorreram num dia 31 de março, exatos 46 anos atrás.
OBS.: A famosa charge do militar empoleirado na mesa é do FORTUNA, as duas fotos de Capim Fino são do site do Ralph (os únicos registros fotográficos que conheço de fotos de lá) e a da quiemadura é gileteada da internet, sem que tenha conseguido identificar o autor. A última foto, tirada em 1964, é a única que minha mãe localizou lá da época de Capim Fino, nela, pela ordem, mana Helena (6 anos), mana Erci (2 anos) e eu (4 anos).

5 comentários:

  1. Acho que vc já foi contaminado pelo virus ferroviário hein?

    Carlos Latuff

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  2. Meu camarada Henrique, estava lendo um historinha que tem muita semelhança com o que falamos sobre o periodo militar e hoje.
    Aconteceu no final dos anos 60 numa cidade canadense, jovens invadiram e interditaram durante algus dias uma grande fábrica que poluía demais um rio da cidade com fortes produtos quimicos, a resistencia durou até a policia conseguir expulsar os jovens e prender os organizadores que foram liberados dias depois.
    Os anos passaram, aquela turma foi envelhecendo, a fábrica continuou a fazer merda, tornou-se uma grande corporação poderosa.
    Detalhe, hoje, um dos lideres deste ato do passado é um executivo na diretoria da empresa que um dia ele foi contra.
    Alguma semelhança com nossa sociedade atual????

    Marcos Paulo
    Mov. Comunismo em Ação

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  3. É interessante como a gente se recorda com certeza da data de alguns fatos que nos acontece e outros não. Muitas vezes, quando sabemos a data, é porque no mesmo dia ou na mesma hora outra coisa que nos chama a atenção aconteceu junto. Quando estou ouvindo histórias de pessoas com referência a ferrovias ou outros assuntos, o fato de ele se relembrar de fatos ajuda a ter certeza das datas. Como a história que me contaram de algo que aconteceu na estação de Alfa, da Mogiana (da qual pouco se ouvia falar) e o sujeito se recordava que foi no mesmo dia da morte de Getúlio... mas houve outras, como esta do Henrique. Abraços

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  4. Henrique

    Conhecia sua queimadura dos tempos que jogávamos bola juntos e da Escolinha da Rede, mas não conhecia essa história. Saudades dos nossos tempos de moleque lá na rua Beirth. Tempos bons e quando jogava no time sem camisa, para os que não te conheciam, virava um questionamento só: Que é isso? Como foi?

    Abraços de São Bernardo do Campo

    Daniel Carbone

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