POESIA ORIUNDA DE DUAS USINAS DOS SONHOS EM DOIS CÓRREGOS
Pelo quarto ano consecutivo acontece em Dois Córregos (100 km de Bauru) um já famoso Festival Internacional de Poesia. O slogan do evento apregoa nas imagens do evento que a “poesia é a linguagem da alma”. A coordenação de tudo está a cargo do Instituto Usina de Sonhos, mantida pelo usineiro José Eduardo Camargo. O deste ano aconteceu de 14 a 16 de maio, nas instalações do Parque Balneário, um clube naquela cidade. Em três dias, uma programação a chamar a atenção, com nomes como Carlos Nejar e Gabriel O Pensador. Nos anteriores nomes conhecidos, como o de Afonso Romano de Sant’Anna, Arnaldo Antunes e José Miguel Wisnik. Reúno um grupo de amigos e vamos conferir in loco na manhã do domingo, 16/05 o encerramento do festival deste ano.
Chegamos em cinco pessoas, eu, os professores Duílio Duka de Souza, Ana Bia Andrade, Sivaldo Camargo e Rosana Zanni. Acordamos cedo e por volta das 8h30 já estávamos adentrando o Balneário. Uma bela organização, com uma competente recepção e alguns estandes com produtos locais e divulgação do trabalho poético do evento e de participantes. Ao adentrarmos o salão, ocorria a palestra do colombiano Raúl Henao, com a leitura de um texto distribuído a todos os presentes. O salão com mais de 200 cadeiras estava com apenas umas cinqüenta ocupadas. Na seqüência o venezuelano Luis Gilberto Caraballo lê um pequeno texto e alguns poemas, dentre eles, dois em especial, um de Lorca e um de Neruda. No fim ao abordá-lo lhe faço uma pergunta curta e direta: “É chavista?”. De sua resposta (talvez por me ver com uma camiseta ostentando um Che Guevara), também no mesmo estilo, com um “não”, certo esfriamento. Fomos cordiais, mas percebi não haver liga para conversações variadas.
O terceiro palestrante, Gabriel O Pensador não chega no horário estipulado, 10h. Na demora começam a se suceder no palco e diante do microfone cantores variados e o improviso de poetas regionais. Enquanto a mestre de cerimônia faz um esforço para preencher o tempo ocioso, aproveito para circular pelos estandes. Num deles, um livro de Jorge Tannuri, que havia palestrado no dia anterior, algo repugnante e altamente preconceituoso, totalmente voltado a poesias de gosto discutível, tendo como pano de fundo somente o lado negativo do governo Lula. Para esse senhor, todos os males do país são advindos só do PT e nunca de quem entregou o país quebrado a ele. Quando li algo mais sério contra os nordestinos e uma suposta preferência de Lula por “rapadura”, não resisti e cravei com uma “pilot” na primeira página do livro um “Não leiam. É uma Merda!”, deixando-o no lugar onde o havia encontrado. Só não entendi como um instituto e um evento que se dizem a favor da “cultura da paz” permitem essa cultura do arrivismo político desenfreado.
Para amenizar me volto para degustar macadamia, uma espécie de coquinho, abundante na região, vendido ali em embalagens com sabores variados. Do outro lado do salão, o coquetel corria solto, talvez antecipado pela demora do Gabriel. Sivaldo ri da situação e diz: “Ele deve ter dormido tarde e para acordá-lo nesse horário, só com um esforço sobre-humano”. Numa montagem à nossa frente uma representação de uma árvore, cujas folhas foram substituídas por pequenos papéis com poesias de estudantes da rede municipal da cidade. Fico a ler as poesias e não encontro nenhuma de cunho social, todas sobre o amor, a cidade, a natureza e a beleza da vida (sic). No palco vão se sucedendo pessoas variadas e nas últimas, uma quase obsessão, a poesia de temática religiosa, de adoração a santos católicos. Estávamos benzidos.
Demonstrando como podem surgir os visitantes de outras cidades por ali, um casal adentra o salão vindo de forma pouco usual. Iraci e o marido Israel Santos, ela de Bariri, ele de Mauá ficam sabendo do evento e ao retornarem para a cidade onde residem, junto à Grande SP, decidem darem uma passada para ouvirem Gabriel e almoçarem na cidade. Chegam na hora da entrada no recinto do palestrante, com aproximadamente 40 minutos de atraso. A comoção é geral e algo inebriante se sucede no local. Antes, com muitos lugares vagos, novas cadeiras são introduzidas rapidamente no salão, que rapidamente obtém sua capacidade máxima de aproximadamente umas 250 pessoas. Confirma-se ali algo bem brasileiro: tendo astro conhecido da "telinha mágica", casa cheia, do contrário, penúria de público.
Gabriel age diferente dos palestrantes anteriores e fala de improviso, lendo alheatoriamente suas poesias, com um dos seus livros abertos nas mãos. Disse que tudo começou com Tita, uma tia avó que lhe deu uma máquina de escrever e daí “nunca mais parei de escrever”. Toca num tema não levantado até então: “A busca pela mudança da situação é uma luta contínua. Uso a palavra para isso. Lembro que quando adolescente fiz um folheto com telefone e distribui, queria mudar o rumo das coisas. Ninguém me ligou. Num outro momento fiz uma faixa de 15 metros com os dizeres 'Morte ao Racismo – Acabe com essa ignorância', levando-o para um jogo no Maracanã. Poucos a viram e só foi notada quando Mandela passou pelo Rio e acabou sendo fotografada. Inquieto liguei para um jornal pedindo a divulgação de uma manifestação: 'A gente está marcando...'. Do outro lado um desconfiado repórter: 'A gente quem?'. Sempre foi assim. Fazia manifestações de uma pessoa só. Tudo o que eu entendo é que não entendo nada”, conclui.
Ele não excede no horário. Finaliza com a história de Mike, um rapaz da Rocinha que andava de skate sem as duas pernas. Fez uma citação dele em uma música, foi conhecê-lo, viraram amigos e logo a seguir a MTV fez um documentário sobre ambos, a música e o personagem. Instigante isso, um personagem que cresce e cria asas. Pouco antes do meio dia termina sua explanação e inicia-se uma verdadeira maratona para pegar um autografo do ídolo. A TV entra primeiro e depois uma imensa fila é formada diante de um improvisado camarim. No congestionamento no local, praticamente intransitável, muitos preferiram formar rodinhas variadas, enquanto no palco um coral de idosos de Jundiaí encerrava o dia com números musicais variados. Numa das rodas, Israel, despede-se para retornar à Mauá e me pergunta algo que não sei a resposta: “Qual o significado de Mokai Embu” (a frase escrita no brasão do município). Ao lado, um engravatado senhor e ao ser abordado, descobrimos ser o vereador e professor de Literatura Carlão Batista. “A tradução é justamente o nome indígena da cidade, Dois Córregos”. Interpelado também sobre a lenda do Unhudo, produz uma breve explicação: “É o protetor das matas. Qualquer um que tenta fazer algo de mal com as matas aqui da região, Unhudo entra em ação e impede”. No fim, promete enviar até um livro para Israel sobre o assunto.
Gabriel sai pelos fundos, com uma legião de adolescentes correndo em sua direção. Eles de um lado e a trupe bauruense em outra, no sentido oposto em busca de um revigorante almoço. Fui lendo trechos de um texto do folder do Instituto, onde José Eduardo Camargo afirma estar “convicto de que um homem que tenha feito um poema na vida, dificilmente pegará numa metralhadora”. Fico sem entender. Quer dizer que poesia de transformação social, nem pensar? Ainda mais porque na seqüência ele faz uso, no mesmo folheto de frases de duas pessoas reconhecidamente revolucionárias e contestadoras, John Lennon (“você pode pensar que sou um sonhador... mas lhe garanto que não sou o único”) e Dom Helder Câmara (“quando sonhamos sozinho é apenas um sonho, mas quando sonhamos junto com outras pessoas, é o início de uma nova realidade”). Não entendo essa nova realidade sem a força de uma mudança radical. Enfim, concluo que, a poesia pode estar a serviço de vários interesses, como os da paz, da guerra, da luta, da transformação e até da conformação aplacadora de mudanças. Cada um se insere nela ao seu modo, conforme seus interesses. É o que fazemos. Ou seria o caso de dar ouvidos ao que li numa poesia em castelhano emoldurada numa das paredes: "Basta de sueños"?
Grande Henrique!!
ResponderExcluirBela matéria. Que pena que não pude comparecer... léguas tiranas nos separam agora...
mas a "poesia é como o pão de cada dia" e não pode faltar...
um abracito caro amigo!!
Quanto à Paz, creio que seja mais barata e justa, na guerra poucos lucram muito e muitos perdem tudo...
Deixa eu entender Henrique:
ResponderExcluirO livro do tal do Tannuri é um libelo só contra Lula. Só enxerga defeitos no sapo barbudo e nenhum nos tucanos. E além de tudo é preconceituoso com os nordestinos e com os comes e bebes destes.
Se for isso mesmo, fez muito bem em tascar lá que a obra não vale nada, ou melhor, É UMA MERDA.
E ainda devolveui o livro com o escrito onde o encontrou.
Só voce mesmo.
Paulo Lima
Esse festival de poesia sempre teve muito apoio da midia, logo boa coisa nao é.
ResponderExcluirum abraço
lazaro carneiro
quero arma quero luta
quero luta armada
nao peça calma
a minha alma
que ja está cansada
quero risos,
quero rendas bem distribuidas
que ver gente nas rua de forma atrevida
quero paz perene sem hipocrisia
quero o fim do feudo dessa elite fria
quero educaçao a todas as crianças
velhice amparada e terra pra quem planta
e que a paz seja mais que uma pombinha branca
Sr.Henrique mesmo que não comungue com a opinião do autor essa sua atitude com relação ao livro não seria censura ou iria contra a liberdade de expressão?um tanto radical não?Karina
ResponderExcluircara Karina
ResponderExcluirSim, se for levar em consideração o pensamento único vigente hoje no mundo, faltei com o decoro e atentei contra a liberdade de expressão. Assumo o que faço. O fiz por contrariar um procedimento dos mais repugnantes nos dias de hoje: a discriminação indiscriminada e gratuita contra o presidente Lula, como se fosse ele o único culpado de todos os nossos males. Além da discriminação, algo mais do caolho, de quem só enxerga erros no grupo de Lula e nenhum no dos tucanos (esses muito piores e mais nefastos). Não tolero isso, muito usado por quem não tendo mais argumentos para debater, taxa nordestinos com insinuações depreciativas e até sobre uma provável prefer~encia por rapadura. Censura eu faço sim. E a faço não lendo mais publicações como a Veja, Folha SP, Zero Hora, etc. Se puder cutuco esse tipo de procedimento e acredito ter sido uma pena eu não estar no sábado no evento, pois seria ótimo contestar pessoalmente com o autor daquelas infâmias. Seria um debate engraçado e instigante.
Abracitos bauruenses do Henrique - direto do seu mafuá
Henrique!
ResponderExcluirQue cobertura magnífica do evento, evidenciando até os pequenos detalhes. Parabéns!Sinto em discordar de você, mas concordo com a colocação de José Eduardo Camargo, quando diz que "um homem que tenha feito um poema dificilmente pegará uma metralhadora", mesmo que seja uma poesia de transformação social, pois independente dos gêneros, a sensibilidade poética impera..
Não se zangue, amigo!
Abracitos mauaenses.
Iraci
boa tarde!!!
ResponderExcluirEu que estou envolvido com o Instituto !! só dou idéias !!! e quase nunca recebo a paternidade delas!!! rss sou o ultimo que fala e o primeiro que apanha !!!rsss
não poderia descrever melhor o evento como vc fez em seu blog!!!!!
Parabéns!!!! seu ponto de vista foi ótimo!!!! a verdade nua e crua!!! as vezes doí!!! mais serve para que os organizadores melhorem o festival!!!
me perdoe pelo meu português!!!
mais tive que comentar sua publicação!!
foi a melhor que vi ate agora sobre o festival
FLÁVIO ROBERTO VENDRAMETO - INSTITUTO USINA DE SONHOS
DOIS CÓRREGOS SP
Discordo, foi tudo perfeito e maravilhoso.
ResponderExcluirSr. Henrique, entendo sua posição, sou uma fã ardorosa de nosso Presidente,acho-o um homem extremamente competente e inteligente,lamentável não ser permitido um terceiro mandato.mas não consigo compactuar com essa atitude impulsiva e até agressiva, no meu modo de ver.o fato de estar em uma festa por exemplo e sentir tesão por um homem não me dá o direito de tocá-lo nas partes íntimas,se é que me permite a comparação,talvez um tanto grosseira.realmente seria mais interessante ter participado da palestra desse senhor e questioná-lo durante a mesma,uma pena mesmo ter perdido.apreciei o blog e admiro o modo como o Sr. escreve,apenas me surpreendi com essa atitude assim tão radical e que veio de encontro a imagem que fiz de sua pessoa.o conheci um pouquinho mais através de sua resposta.abraços cordiais.Karina
ResponderExcluirKarina
ResponderExcluirA vida é assim mesmo, não viemos aqui para concordar com tudo, nem para discordar. Contestar é preciso. Lembra-se do "navegar é preciso", pois é naveguemos e nem sempre num mar de tranquilidade. Sou impulsino sim, erro muito e acerto, as vezes. E assim toco minha conturbada vida. Fiz aquilo e tive coragem ao assumir. Pior seria se aquilo lá fosse encontrado de forma anônima. Obrigado pelos elogios e críticas são sempre bem vindas. Com elas construindo minha forma de encarar isso tudo à minha frente.
Renovados abracitos bauruenses
Henrique