sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

PALANQUE - USE SEU MEGAFONE (03)

TRIBUTO A UM AMIGO... - ZWINGLIO M. DIAS*
* Esse lindo texto enviado pelo já amigo (desde o primeiro momento em que o conheci), ZWINGLIO M. DIAS, um estudioso das questões religiosas universais (escrevi dele aqui, um Memória Oral, número 93, "Fundamentalismo regilioso discutido em Matias Barbosa", 08/09/2010) foi lido na última quinta, 03/02/2011, momentos antes do enterro do amigo JOSÉ PEREIRA DE ANDRADE, falecido no dia anterior (81 anos, pai da Ana Bia). Gosto muito dessas manifestações nesses momentos, ainda mais quando a escrita foi fundamentada num sentimento pulsante na vida de ambos. O texto merece ser passado para frente por tudo o que representa. Ele fala da morte, da religiosidade de ambos, de uma vida vivida intensamente e de amizade, isso a me tocar mais profundamente. Em três fotos, reproduzo aqui cartazes de um show a acontecer no CCBB, no Rio, de uma banda chamada Zé Pereira. O que vale para mim nesse momento é o nome homônimo, de algo a representar uma festa popular, que esse Zé que se foi também gostava e entendia muito. Esse Zé, aliás, Dr Zé ou Tio Zé, como queiram, arrebatava as pessoas logo no primeiro encontro, como aconteceu comigo. Eis o texto:

Hoje, dia 2 de fevereiro, “dia de festa no mar...” como reza a canção baiana, é dia de dor e de pranto para todos nós que, por muitos anos, aprendemos a amar aquele que, em que pese seu amor à vida, acaba de nos deixar. Quando recebi o comunicado, pela voz embargada e trêmula da Ana Bia, da travessia do Zé Pereira, senti um vazio no coração e como que, um branco na mente. Imediatamente, assustado e cheio de espanto, silenciosamente, elevei uma oração ao Mistério fontal de nossas vidas, suplicando que nos desse forças a mim, a todos os familiares e amigos, nesta hora de perda e de espanto, fortalecendo nossos sentimentos de serenidade, compreensão, acolhida e gratidão por vida tão preciosa que tivemos o privilégio de compartilhar.

Homem sensível, rigoroso consigo mesmo e também com todos os que faziam parte de sua existência, meu querido e insubstituível amigo Zé Pereira encerrou suas muitas décadas entre nós. Mas, a ser verdade o que proclama o poeta mineiro, o Zé, na realidade, não morreu... apenas encantou-se para continuar, de um outro jeito, presente em nossas vidas. Este meu amigo de sonhos e utopias ausentou-se, fisicamente, para ressuscitar em nossa memória com o testemunho de sua vida e nos instigar a seguir em frente na luta incansável de procurar plantar sinais, por menores e insignificantes que possam parecer, de um mundo outro marcado pelo amor, a justiça e a paz, ao qual se devotou de forma decisiva.

Alguém, certa vez, comparou a vida a uma peça musical. Por mais bela e tocante que venha a ser, a música precisa, em algum momento, ser interrompida para não perder seu poder de encantamento, seu frescor, sua capacidade de nos comover. Pois, a melodia da vida do Zé acaba de ser interrompida para que possamos ouvi-la de novo, sempre que quisermos, e ela possa, outra vez, nos sensibilizar, nos fazer sorrir, nos ajudar a corrigir nossos passos, nos enlevar e nos alertar para os perigos tantos que nos rodeiam...

Como cada um de nós, o Zé foi, até aqui, um ser humano pleno de virtudes e defeitos. Jamais um super-homem, mas alguém profundamente humano, porque sempre sensibilizado com a dor e as incertezas dele mesmo e de todos nós. Sem ser igrejeiro e nem um exibicionista de suas crenças mais profundas, foi, em todo o tempo, um homem de fé que, sem alarde e do jeito que lhe parecia melhor, procurou encarnar em sua existência, os valores maiores do Evangelho que um dia lhe capturaram a mente e o coração. Foi, como o Crucificado, um homem-para-os-outros, um ex-cêntrico, isto é, alguém não centrado em si mesmo, mas voltado para o bem-estar dos demais. Isto lhe causou, muitas vezes, dissabores, incompreensões, sofrimentos que, quase sempre, ele assumia sozinho, sem compartilhar com ninguém.

O “Zé das Anas”, como ele assinou certa vez a dedicatória de um livro que me deu de presente, o amigo incondicional que jamais tive, pai apaixonado por suas filhas, muito sofreu por causa de sua longa e bela vida. Pois como dizia o Teobaldo, personagem de Guimarães Rosa, “viver é muito perigoso!”. É que lhe custava muito adaptar-se e compreender os novos tempos que se instauraram no país nas últimas três décadas. Permanecendo fiel aos valores de sua juventude angustiava-se por não vê-los plasmados na vida das novas gerações. Ele entendia isto muito bem, do ponto de vista intelectual, mas lhe custava muito assimilar as mudanças do ponto de vista emocional. Esta cisão em sua vida, e na vida de todos nós, os de embranquecidos cabelos, era objeto de nossas muitas discussões, em incontáveis almoços e jantares, que era quando nos encontrávamos, nos últimos anos, nunca foi plenamente sanada. Digo isto para registrar a honestidade e a franqueza que presidiam nossa relação de amizade, tendo eu o privilégio de partilhar com ele angústias e temores. Mas esta é a nossa condição humana, da qual ninguém pode escapar. Devemos dar graças à Vida por vivermos tais experiências, por mais que elas nos façam sofrer, porque é do sofrimento e da busca incessante do novo, da renovação, do recomeçar cada dia a experiência de estar vivo que nasce a beleza do existir.

O Zé foi um poeta da vida. Com seus equívocos, suas manhas e manias, seu jeito, às vezes, para muitos, antiquado de ser, foi sempre um batalhador por um novo tempo e uma nova maneira de ser. Por isso quero encerrar estas reflexões, pobres e mal escritas, cheias de saudade e de lamento, com as palavras da poeta mineira que, tenho certeza, por tudo que ao longo dos anos nos confidenciamos, lhe abririam um grande sorriso nos lábios:
“De um único modo se pode dizer a alguém:
‘não esqueço você’.
A corda do violoncelo fica vibrando sozinha
sob um arco invisível
e os pecados desaparecem como ratos flagrados.
Meu coração causa pasmo porque bate
e tem sangue nele e vai parar um dia
e vira um tambor patético
se falas ao meu ouvido:
‘não esqueço você’.
Manchas de luz na parede
uma jarra pequena
com três rosas de plástico.
Tudo no mundo é perfeito
e a morte é amor.”
(Adélia Prado)

3 comentários:

  1. Caro amigo Henrique,
    Embora não tivesse tido a oportunidade de conviver com o José Pereira, muito sabia dele, através de meu sogro que com ele conviveu por alguns anos. Vim o conhecer pessoalmente um dia por acaso, num culto noturno, oportunidade que nos fomos apresentados. Já o percebia alquebrado pela doença que ajudou no desfecho de sua morte. Esse amigo, que nos brindou com página tirada do coração, nos deu o perfeito tamanho do que foi a vida desse nosso amigo, porque não dizer assim?Fica para todos uma tênue lembrança de uma pessoa que dignificou a vida através de suas ações corretas e pautadas no moral e bons costumes.
    Transmita nessa oportunidade o nosso abraço a ANABIA e saibam que torcemos por vocês.
    Abracitos cariocas
    Paulo e Roseli Loureiro

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  2. Amigo Henrique, por favor, transmita este recado à Ana Bia:

    Amiga Ana Bia, acho que posso chamá-la assim porque desde que nos conhecemos a nossa relação de amizade só cresceu entre nós, e é em nome deste sentimento que eu quero lhe transmitir as minhas sinceras condolencias e orar para que vc possa superar o mais breve possível esta perda irreparável do teu pai. A perde de um ente querido nos faz perder o chão, ainda mais nas circunstancias que ela ocorreu.
    Força, minha querida amiga, que Deus te proteja e te conforte sempre. Nos vemos. Grande abraço,
    Ademir Elias

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  3. Tive a sorte de compartilhar, graças a tua amizade e de Anabia do último Natal deste homem frãgil e tímido, mas de uma fortaleza sem par.
    Ao vê-lo de terno e gravata sob o escaldante sol de 45 graus do Rio de Janeiro, elegante como um príncipe, da altura dos seus 80 (?) e tantos anos, pensei:"Eis um homem com coração de menino...".
    Guardo as mais doces lembranças inclusive de presentes para mim sob a árvore de Natal...não é á toa que entre tantas coisas boas, passeios, praia, chopinhos, eu tenha postado em meu album do facebook como capa justo uma foto com ele...Sei que o comandante de todos os exércitos, meu amigo Miguel, usou sua espada e sua balança pra levar Zé Pereira aos jardins do Senhor...ROSE BARRENHA

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