O DESFILE AO LADO DA PASSARELA DO SAMBA, JUNTO DE "FIGURAÇAS" E OUTROS RELATOS
Ainda no domingo de Carnaval, mas à noite, por volta das 21h, eu e Ana Bia, fomos convidados (acho que na verdade foi uma intimação) a comparecer a um local dos mais animados. Descemos do Grajáu via metrô até a Central do Brasil e lá a balbúrdia instalada. Estava no meio do agito carnavalesco carioca no que isso tem de mais autêntico, o povo nas ruas no entorno no Sambódromo (essa muvuca é que me atrai). Subi e desci passarelas, parei a observar grupos que iam desfilar, camelôs vendendo artigos mil para a festa e gente fantasiada pelas ruas. Nosso destino não era o Sambódromo e sim, ao lado dele, quase no seu início, pouco acima do famoso prédio do Balança Mais Não Cai, ao lado do Terreirão do Samba, a sede do CENTRO DE ARTES CALOUSTE GULBENKIAN (eles são portugueses de origem, vejam o site da Fundação: http://www.gulbenkian.pt/). Não foi fácil achar o local diante de tanta coisa a ocorrer na rua, mas ao encontrá-lo, de cara um grata surpresa, logo adiante de um amplo estacionamento, uma imensa placa com um nome dos mais conhecidos e queridos, TEATRO GONZAGUINHA, mantido por eles.
O convite fora feito por GABRIELA LEITE (ela dispensa apresentações) e FLÁVIO LENZ (esse jornalista dos bons tempos do extinto JB e irmão da poetisa Ana Cristina Cesar), ambos da grife Daspu e da ONG DaVida, ligadas umbilicalmente ao tema da prostituição feminina. Amigos de longa data de Ana, já me considero amigo dos dois, pois em quase todos meus retornos ao Rio, acabo reencontrando-os e além de um alongado papo, regado a uma sempre gelada cerveja, uma convivência cada vez mais harmoniosa e prazerosa. O local era um verdadeiro oásis ao lado da festa maior, pois um bar foi montado numa área livre do Centro de Artes, com palco e som da melhor qualidade. Todos assistiam o desfile por um telão e nas horas de intervalo, um sambão de rachar mamona, dos bons e vibrantes ecoava no ar e segui à risca a letra de um samba: "Até quem não é de sambar sambou". Sambei e a cada escola que saia, íamos para o alambrado ver os fogos. Revi alguns que já conhecia e conheci outros, dentre esses um em especial, o motivo maior desse escrito todo. É dele que escrevo a seguir.
Um dos que comandam o Centro português no Rio é o ator e diretor ANTONIO PEDRO. Dentre a gana imensa de gente a contracenar, sempre tive alguns que me chamaram mais a atenção e um desses foi esse baixinho, rechonchudo, brincalhão, espevitado, da turma do funil, do copo e da boêmia. Acompanhei alguma coisa que fez na vida e dentre tudo destaco um dos últimos trabalhos, o filme Casa da Mãe Joana, a direção de Beijo no Asfalto em 1970, a viagem com o Arena canta Zumbi também na mesma época e algo mais do que antológico, a participação no filme Bar Esperança. Fez novelas, mas delas esqueço logo os nomes. Enfim, um baita de um cara com um baita de um currículo. Foi até Secretário Municipal de Cultural da cidade do Rio. Fez muito e continua fazendo e acontecendo.
Entre as escolas de samba rolando no telão, os fogos no jardim, a cerveja e os comes sendo servidos, Gabriela e Flávio nos leva até a sua mesa. Se já nutria admiração, percebi num estalar de dedos estar diante de alguém mais do que contagiante, desses a ficar papeando noites e noites, pois papo não falta. Num certo momento levanta da mesa, vai até o microfone e pede para parar a transmissão da TV Globo com as escolas na avenida pela metade: "A Portela já desfilou e daqui até o final começa a enrolação da TV, disso não aproveitamos nada. Solta o samba aí". E o samba rolou, imagens ao fundo e os casais indo para a pista até a próxima escola ser anunciada. Gabriela e eles estão envolvidíssimos com uma direção teatral e disse que poderia vir até Bauru discutir PRODUÇÃO CULTURAL. Gostei tanto da idéia, que a passo adiante aqui e agora, alinhavando como isso possa ser viabilizado. Veremos...
De lá, um grupo no qual estava no meio ainda fomos nos misturar com os que saiam da avenida. Ficamos vislumbrados com o desfile da UNIDOS DA TIJUCA, de rara beleza, mas a encobrir o samba. Entendi isso após ouvir algo dito com sabedoria por Gabriela Leite, demonstrando dois dias antes do julgamento porque essa escola, mesmo com toda beleza e competência do carnavalesco Paulo Barros não podia ganhar o Carnaval desse ano: "Seu eu gosto de samba essa escola não pode ganhar. Foi lindo ver o desfile, mas ele não respeita mais nada. É o espetáculo no lugar do samba. Não tem mais passista. Não vi o samba, só uma modernidade exarcebada. Me deu uma tristeza. Se a Tijuca ganhar o Carnaval, isso vai ser repetido por todos os outros nos anos seguintes. Se perder, a tradição do samba vai prevalescer. Quando eu vi a União da Ilha e a forma como descreveu Darwin eu vi que o bonito não podia ganhar. A União ia ganhar o Carnaval não fosse o incêndio. Não pode vencer o que o Paulo Barros quer e nas últimas conserquências". Foi batata, o samba venceu e deu Beija Flor, uma que valoriza ao máximo a comunidade nilopolitana. ANTONIO PEDRO e GABRIELA LEITE foram minhas personagens do Carnaval 2011 no Rio. Ainda daquela noite, a última cena antes de hibernar foi a foto tirada no metrô, 4h da manhã, com dois passistas, uma já com as sapatos na mãos, no retorno à vida normal, o mesmo que fazíamos, no mesmo trajeto e vagão. "É a vida/ É bonita e é bonita...", dizia Gonzaguinha no seu samba parodiando isso tudo.
PS.: De Flávio e Gabriela escreverei mais, outro dia, sobre um refúgio em Barão de Mauá, cercanias do Rio de Janeiro, isso já na viagem de retorno, ocorrida entre ontem e hoje. EM TEMPO: A frase do título é a proferida por Gabriela sobre a Unidos da Tijuca, definitiva e esclarecedora.
Henrique,
ResponderExcluirO que a Gabriela, que admiro pela luta e trabalho junto à sua categoria, disse foi também dito pelo Eduardo Goldenberg, no blog Buteco do Edu, que vc conhece muito bem. Veja a fala dela abaixo.
Pascoal
"só vi uma vantagem na vitória da Beija-Flor, que talvez tenha feito seu mais feio desfile de todos os tempos. A derrota da Unidos da Tijuca e do queridinho da Rede Globo, Paulo Barros. Se vencesse, estaria assinado o atestado de óbito da brasilidade do Carnaval das Escolas de Samba. Todas as alas da Tijuca - todas! - eram coreografadas (nem sombra de samba). Os carros, fazendo alusão ao cinema americano. Um lixo, um absoluto e desprezível lixo, como o cu do King-Kong do Salgueiro piscando".