UM LIVRO, “CAIM”, DE JOSÉ SARAMAGO E O QUASE SACRIFÍCIO DE ISSAC
Assumido descrente, não necessito de justificativas e outras afirmações. Minha trajetória de vida me conduziu a isso. Discuto o mínimo possível esse assunto, pois não existe a mais remota possibilidade de pensar de outro jeito. Ganhei o “Caim” (editora Cia das Letras, 2009) ano passado, não havia lido até esse mês. Tenho uma fila de livros diante de minha mesa, todos aguardando o momento de serem lidos. Emprestei-o para meu filho, que o leu rapidamente e queria discutir o texto comigo. Tornou a reler e eu claudicando. Peguei de jeito por esses dias e grifei-o todo com minha inseparável caneta marca-texto. São frases e mais frases. Prefiro reproduzir uma passagem das mais interessantes. José Saramago foi brilhante no seu entendimento de quando Caim ao impedir o sacrifício de um filho de Abrão, Issac e pelo próprio pai, por ordens do “senhor”. O livro recupera a imagem que tínhamos de Caim. O texto merece ser lido (na grafia escrita pelo autor) e o reproduzo aqui: “Convém saber como isso começou para comprovar uma vez mais que o senhor não é pessoa em quem se possa confiar. Há uns três dias, não mais tarde, tinha ele dito a abraão, pai do rapazito que carrega que às costas o molho de lenha, Leva contigo o teu único filho, issac, a quem tanto queres, vai a região do monte mória e oferece-o em sacrifício a mim sobre um dos montes que eu te indicar. O leitor leu bem, o senhor ordenou a abraão que lhe sacrificasse o próprio filho, com a maior simplicidade o fez, como quem pede um copo de água quando tem sede, o que significa que era costume seu, e muito arraigado. O lógico, o natural, o simplesmente humano seria que abraão tivesse mandado o senhor à merda, mas não foi assim. Na manhã seguinte, o desnaturado pai levantou-se cedo para pôr os arreios no burro, preparou a lenha para o fogo do sacrifício e pôs-se a caminho para o lugar que o senhor lhe indicara, levando consigo dois criados e seu filho issac. No terceiro dia da viagem, abraão viu ao longe o lugar referido. Disse então aos criados, Fiquem aqui com o burro que eu vou lá adiante com o menino, para adorarmos o senhor e depois voltarmos para junto de vocês. Quer dizer, além de tão filho da puta como o senhor, abraão era um refinado mentiroso, pronto a enganar qualquer um com a sua língua bífida, que, nesse caso, segundo o dicionário privado do narrador desta história, significa traiçoeira, pérfida, aleivosa, desleal e outras lindezas semelhantes. Chegando assim ao lugar de que o senhor lhe havia falado, abraão construiu um altar e acomodou lenha por cima dele. Depois atou o filho e colocou-o no altar, deitado sob a lenha. Acto contínuo, empunhou a faca para sacrificar o pobre rapaz e já se dispunha a cortar-lhe a garganta quando sentiu que alguém lhe segurava o braço, ao mesmo tempo que uma voz gritava, Que vai você fazer, velho malvado, matar o seu próprio filho, queimá-lo, é outra vez a mesma história, começa-se por um cordeiro e acaba-se por assassinar aquele a quem mais devia amar, Foi o senhor que o ordenou, debatia-se abraão, Cale-se, ou quem o mata aqui sou eu, desate já o rapaz, ajoelhe e peça-lhe perdão, Quem é você, Sou caim, sou o anjo que salvou a vida de issac. (...) Abrão e o filho também já lá vão a caminho do lugar onde os esperam os criados, e agora, imaginemos um diálogo entre o frustrado verdugo e a vítima salva in extremis. Perguntou issac, Pai, que mal te fiz eu para teres querido matar-me , a mim que sou teu único filho, Mal não me fizeste, issac, Então por-que quiseste cortar-me a garganta como seu eu fosse um borrego, perguntou o moço, se não tivesse aparecido aquele homem para segurar-lhe o braço. A idéia foi do senhor, que queria tirar a prova, A prova de quê, Da minha fé, da minha obediência, E que senhor é esse que ordena a um pai que mate o seu próprio filho, É o senhor que temos, o senhor dos nossos antepassados, o senhor que já cá estava quando nascemos. (...) Pai, não me entendo com essa religião, Hás de entender-te, meu filho, não terás outro remédio, e agora devo fazer-te um pedido, um humilde pedido, Qual, Que esqueçamos o que passou. (...) A questão não é eu ter morrido ou não, a questão é sermos governados por um senhor como este, tão cruel, tão baal, que devora seus filhos...”.
Li e estarrecido fiquei. Discutimos muito esse trecho, pai e filho, longe de termos alguém a nos nortear com ordens tão banais e inconseqüentes. Estamos noutra trilha, felizmente.
de fato é o ópio do povo
ResponderExcluirinebria as multidões
quem procura pelo em ovo
encontra nas religiões.
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três criações do homem
o fez para sempre escravo
até hoje nos consome:
dinheiro,deus e o estado.
lazaro carneiro
Henrique
ResponderExcluirEsse livrinho é de puro humor, ri muito quando o li. Ri para não chorar e a parte que escolheste para publicar aqui é das mais saborosas. Saramago dá um tapa na cara dos que insistem em continuar acreditando em lendas.
Matheus
Saramago era e sempre será sensacional, sua escrita caracteristica, suas ironias, maravilhoso. E parabens ao seu filho Henriquinho por estar no caminho da livre consciencia. Viva o ateismo, viva a ciencia.
ResponderExcluirMarcos Paulo
Comunismo em Ação
LAMENTÁVEL, SÓ ISSO.
ResponderExcluirNÃO BRINCO COM ISSO.
"O caminho do engano nasce estreito, mas sempre encontrará quem esteja disposto a alergá-lo. Digamos que o engano, repetindo a voz popular, é como o comer e o coçar, a questão é começar".
ResponderExcluirEssa frase é de Saramago e é desse livro. Uso-a para várias finalidades, uma a estreiteza de princípios dos que mataram e matam sob a guarda de supostos escritos religiosos.
Valerinha
Caro Henrique ai vai uma frase de George Carlin que eu particularmente adoro !!!
ResponderExcluirO cristianismo nos afirma que há um homem invisível, que vive no céu e vigia tudo o que fazemos, o tempo todo. O homem invisível tem uma lista de 10 coisas que ele não quer que a gente faça. Se você fizer qualquer uma dessas coisas, o homem invisível tem um lugar especial, cheio de fogo, fumaça, sofrimento, tortura e angústia onde ele vai lhe mandar viver, queimando, sofrendo, sufocando, gritando e chorando para todo o sempre. Mas ele ama você! ( George Carlin)
Bjss Fabi