segunda-feira, 28 de março de 2011

FRASES DE UM LIVRO LIDO (47)

UM LIVRO, “CAIM”, DE JOSÉ SARAMAGO E O QUASE SACRIFÍCIO DE ISSAC
Assumido descrente, não necessito de justificativas e outras afirmações. Minha trajetória de vida me conduziu a isso. Discuto o mínimo possível esse assunto, pois não existe a mais remota possibilidade de pensar de outro jeito. Ganhei o “Caim” (editora Cia das Letras, 2009) ano passado, não havia lido até esse mês. Tenho uma fila de livros diante de minha mesa, todos aguardando o momento de serem lidos. Emprestei-o para meu filho, que o leu rapidamente e queria discutir o texto comigo. Tornou a reler e eu claudicando. Peguei de jeito por esses dias e grifei-o todo com minha inseparável caneta marca-texto. São frases e mais frases. Prefiro reproduzir uma passagem das mais interessantes. José Saramago foi brilhante no seu entendimento de quando Caim ao impedir o sacrifício de um filho de Abrão, Issac e pelo próprio pai, por ordens do “senhor”. O livro recupera a imagem que tínhamos de Caim. O texto merece ser lido (na grafia escrita pelo autor) e o reproduzo aqui:

“Convém saber como isso começou para comprovar uma vez mais que o senhor não é pessoa em quem se possa confiar. Há uns três dias, não mais tarde, tinha ele dito a abraão, pai do rapazito que carrega que às costas o molho de lenha, Leva contigo o teu único filho, issac, a quem tanto queres, vai a região do monte mória e oferece-o em sacrifício a mim sobre um dos montes que eu te indicar. O leitor leu bem, o senhor ordenou a abraão que lhe sacrificasse o próprio filho, com a maior simplicidade o fez, como quem pede um copo de água quando tem sede, o que significa que era costume seu, e muito arraigado. O lógico, o natural, o simplesmente humano seria que abraão tivesse mandado o senhor à merda, mas não foi assim. Na manhã seguinte, o desnaturado pai levantou-se cedo para pôr os arreios no burro, preparou a lenha para o fogo do sacrifício e pôs-se a caminho para o lugar que o senhor lhe indicara, levando consigo dois criados e seu filho issac. No terceiro dia da viagem, abraão viu ao longe o lugar referido. Disse então aos criados, Fiquem aqui com o burro que eu vou lá adiante com o menino, para adorarmos o senhor e depois voltarmos para junto de vocês. Quer dizer, além de tão filho da puta como o senhor, abraão era um refinado mentiroso, pronto a enganar qualquer um com a sua língua bífida, que, nesse caso, segundo o dicionário privado do narrador desta história, significa traiçoeira, pérfida, aleivosa, desleal e outras lindezas semelhantes. Chegando assim ao lugar de que o senhor lhe havia falado, abraão construiu um altar e acomodou lenha por cima dele. Depois atou o filho e colocou-o no altar, deitado sob a lenha. Acto contínuo, empunhou a faca para sacrificar o pobre rapaz e já se dispunha a cortar-lhe a garganta quando sentiu que alguém lhe segurava o braço, ao mesmo tempo que uma voz gritava, Que vai você fazer, velho malvado, matar o seu próprio filho, queimá-lo, é outra vez a mesma história, começa-se por um cordeiro e acaba-se por assassinar aquele a quem mais devia amar, Foi o senhor que o ordenou, debatia-se abraão, Cale-se, ou quem o mata aqui sou eu, desate já o rapaz, ajoelhe e peça-lhe perdão, Quem é você, Sou caim, sou o anjo que salvou a vida de issac. (...) Abrão e o filho também já lá vão a caminho do lugar onde os esperam os criados, e agora, imaginemos um diálogo entre o frustrado verdugo e a vítima salva in extremis. Perguntou issac, Pai, que mal te fiz eu para teres querido matar-me , a mim que sou teu único filho, Mal não me fizeste, issac, Então por-que quiseste cortar-me a garganta como seu eu fosse um borrego, perguntou o moço, se não tivesse aparecido aquele homem para segurar-lhe o braço. A idéia foi do senhor, que queria tirar a prova, A prova de quê, Da minha fé, da minha obediência, E que senhor é esse que ordena a um pai que mate o seu próprio filho, É o senhor que temos, o senhor dos nossos antepassados, o senhor que já cá estava quando nascemos. (...) Pai, não me entendo com essa religião, Hás de entender-te, meu filho, não terás outro remédio, e agora devo fazer-te um pedido, um humilde pedido, Qual, Que esqueçamos o que passou. (...) A questão não é eu ter morrido ou não, a questão é sermos governados por um senhor como este, tão cruel, tão baal, que devora seus filhos...”.

Li e estarrecido fiquei. Discutimos muito esse trecho, pai e filho, longe de termos alguém a nos nortear com ordens tão banais e inconseqüentes. Estamos noutra trilha, felizmente.

6 comentários:

  1. de fato é o ópio do povo
    inebria as multidões
    quem procura pelo em ovo
    encontra nas religiões.
    --------------------
    três criações do homem
    o fez para sempre escravo
    até hoje nos consome:
    dinheiro,deus e o estado.
    lazaro carneiro

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  2. Henrique

    Esse livrinho é de puro humor, ri muito quando o li. Ri para não chorar e a parte que escolheste para publicar aqui é das mais saborosas. Saramago dá um tapa na cara dos que insistem em continuar acreditando em lendas.

    Matheus

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  3. Saramago era e sempre será sensacional, sua escrita caracteristica, suas ironias, maravilhoso. E parabens ao seu filho Henriquinho por estar no caminho da livre consciencia. Viva o ateismo, viva a ciencia.

    Marcos Paulo
    Comunismo em Ação

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  4. LAMENTÁVEL, SÓ ISSO.
    NÃO BRINCO COM ISSO.

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  5. "O caminho do engano nasce estreito, mas sempre encontrará quem esteja disposto a alergá-lo. Digamos que o engano, repetindo a voz popular, é como o comer e o coçar, a questão é começar".

    Essa frase é de Saramago e é desse livro. Uso-a para várias finalidades, uma a estreiteza de princípios dos que mataram e matam sob a guarda de supostos escritos religiosos.

    Valerinha

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  6. Caro Henrique ai vai uma frase de George Carlin que eu particularmente adoro !!!


    O cristianismo nos afirma que há um homem invisível, que vive no céu e vigia tudo o que fazemos, o tempo todo. O homem invisível tem uma lista de 10 coisas que ele não quer que a gente faça. Se você fizer qualquer uma dessas coisas, o homem invisível tem um lugar especial, cheio de fogo, fumaça, sofrimento, tortura e angústia onde ele vai lhe mandar viver, queimando, sofrendo, sufocando, gritando e chorando para todo o sempre. Mas ele ama você! ( George Carlin)

    Bjss Fabi

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