BEIRA DE ESTRADA (14)
EU FIZ A MINHA PARTE - Crônica publicada edição nº 277, Revista do Caminhoneiro, março de 2011, tiragem de 100 mil exemplares, distribuição nacional, em Homenagem à Mulher. Percebam que fiz uso na crônica de uma história, que na verdade aconteceu comigo, aqui no portão de casa, quando ajudei o Jucelino, um andarilho a ser reencaminhado para Itaqui RS (história amplamente escrita aqui no blog e repercutida pelo diário BOM DIA). Foi uma livre adaptação, na qual fiz minha homenagem às mulheres.
Essa história poderia acontecer com qualquer um, mas foi acontecer justamente comigo, uma mulher caminhoneira, Cláudia Valente (dizem, que não é a toa levar esse adjetivo no nome), 42 anos, sergipana de quatro costados, família guerreira, das barrancas de areais lindos, mas que pouco trouxe de valia para os meus. Todos tiveram que sair pelo mundo, cada um com um destino diferente. O meu foi esse, o de comandar um caminhão pelas estradas brasileiras. Já vi e presenciei de tudo, mas poucos se atreveram a avançar o sinal. Viam no meu olhar que de nada adiantaria aquele papinho de “cerca Lourenço”. Respeitada, gosto muito do que faço, ainda mais pelas histórias que vivo e outras que tomo conhecimento.
Uma delas é que mais me emociona. Todos ao meu redor já a conhecem de cor e salteado, devido as vezes que a repito por aí. Um jornal lá da minha terra contou isso Tim-Tim por Tim-Tim. Relato novamente aqui e agora. Passava sempre num posto e lá meio que perdidão um mendigo, desses de olho estalado, falante e com todos os documentos no bolso. Naquele mundo dominado por homens ninguém teve a sensibilidade de escarafunchar a vida do dito cujo, de nome bonito e pomposo, Getúlio. Eu via que ele não era uma pessoa qualquer, um mendigo como tantos outros.
Aquilo foi me chateando, como nada faziam por ele além da comida, dada por muitos, fiz mais, peguei seus documentos, levei até a empresa que trabalho, copiei e enviei por email para endereços virtuais da cidade onde ele nasceu, no interior gaúcho. Estou na estrada na manhã seguinte e toca o celular. Paro o caminhão e do outro lado da linha um funcionário da prefeitura daquela cidade me dizendo conhecer Getúlio. Não demorou muito e outra ligação, dessa vez um locutor da rádio de lá e dou até entrevista ao vivo, falando direto da boléia do caminhão para o interiorzão do sul do Brasil.
Daí fico sabendo que Getúlio estava desaparecido havia dois anos. Caiu no mundo, após perder a mãe e o pai ir morar com outra pessoa. Ficou sem chão, sua maior sustentação havia ido embora e com algum problema mental, após ir trabalhar na colheita de fruta, vendo uma estrada pela frente não mais parou. Trabalhou em circo, parques, carregamentos mil, veio vindo de carona e acabou parando no posto às margens de movimentada rodovia. Com gente a lhe ajudar, foi ficando e criou raízes. Dizia ser sua casa, mas sempre falava muito de gente de sua cidade, parentes e amigos.
Faltava algo e nas viagens seguintes dei um jeito de ir preparando Getúlio para os novos tempos. Esse dia chegou, vieram lá de sua cidade, o funcionário da prefeitura que havia falado comigo, com viagem paga, só para vir buscá-lo. Foi quando sai pela primeira vez na imprensa. A cena da despedida ali no posto foi recheada de muita tristeza e alegria. Ainda levei a ambos no caminhão até a rodoviária da cidade mais próxima e sempre que posso vou ligando, falando pela internet e sabendo de como Getúlio está se adaptando ao retorno junto aos seus. Gratificante tudo isso, não?
Falam lá no posto que tudo foi resolvido porque a mulher é mais sensível. Isso é a mais pura verdade, mas não é só isso. A sensibilidade deve ser inerente ao ser humano e eu sou assim mesmo, decidida em tudo que faço. E foi assim também quando decidi, para espanto dos meus, que queria ser caminhoneira. E é o que sou, mas me desculpem, a conversa está muito boa, mas o trabalho me espera e tenho ainda pela frente mais de 300 km de uma estrada não muito boa. Tchau e até breve.
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