quarta-feira, 13 de abril de 2011

ALFINETADA (85)

DOIS ANJOS TORTOS, UM MORTO, OUTRO VIVO E UM FILME NA CHUVA
1. Escrevo a nem sei quanto tempo n’O Alfinete de Pirajuí. Quando comecei, o fiz a convite do Marcelo Pavanato e logo de cara conheço uma pessoa, uma dessas imprescindíveis para a redação naquele momento, PITER PEREIRA. Irreverente e competente, bate de cara uma empatia entre nós dois. Era a desorganização em pessoa e via nele um reflexo do que também sempre fui. Escrevia como poucos, mas quando queria e como queria. Não gostava de ser pressionado. Espanava nessas ocasiões. Piter morreu semana passada, deixando aquelas lacunas de difícil preenchimento, pois peças de reposição iguais a ele não existem mais no mercado. Era único em tudo o que fazia. Deixo aqui uma póstuma comparação com um monstro sagrado do jornalismo brasileiro, Tarso de Castro, também falecido. Um doido a escrever como ninguém outro. Deixava o pessoal das redações com os cabelos em pé, pois como todos sabem, jornal tem hora para tudo, mais ainda para entrega dos textos, o fechamento da edição. Essa hora ia chegando e o texto do Tarso vazio, ninguém sabia do seu paradeiro. Não adiantava ligar, celular não existia e ele com certeza não atenderia. Quando todos estavam enlouquecidos, Tarso aparecia do nada, todo em desalinho, sentava em sua máquina de escrever e batucava seu texto em minutos, sem necessitar de correção e prontinho para ser publicado. Sempre foi assim. Acredito que com Piter não tenha sido diferente. Da última vez que o vi estava com os dentes recuperados e dele guardo essa imagem. Gostava dele e adorava seu jeito diferente, um verdadeiro anjo torto como as pernas do Mané Garrincha. Piter é dos nossos e sentirei muito sua falta.

2.
Abro o diário BOM DIA, edição de ontem, 12/04/2011 e numa nota interna algo a me tocar profundamente. A valente catadora de reciclado HILDA SOUZA (ela foi o 20º Retratos de Bauru, publicado aqui no mafuá em 29/04/2008 e pode ser visto no http://mafuadohpa.blogspot.com/search?q=retrato+de+bauru+%2820%29+hilda ), que com seus 70 e lá vai fumaça cata de tudo nas ruas bauruenses, para sustentar um filho dentro de casa com problemas mentais e uma família toda cheia de problemas. É um exemplo de dignidade e bravura, essa valente de um dos lugares mais miseráveis da cidade, o Fortunato Rocha Lima. “Moradora pede socorro após incêndio em casa”, era a pequena manchete. Ali fico sabendo que ela dorme na rua, junto aos escombros e clama por ajuda, sem interromper a labuta diária. Como ajudar Hilda? No rádio na hora do almoço ouço fala na rádio Veritas, padre Enedir todo emocionado contando uma história de um grupo religioso francês, "Adoradores de Maria" que esperavam um sinal dos céus para uma casa que necessitavam para ampliação dos serviços. Atendem ao telefone e uma velhinha diz que procura uma entidade para doar sua casa na região central de Paris após sua morte. Para ele, ali o milagre. Para Hilda, isso certamente não ocorrerá. Sua saga terá continuidade ad eternum, sua peregrinação diante da insensibilidade e invisibilidade humana é tocante para poucos. Seu endereço é Rua Maria Salgueira Garcia nº 1-11, lá no Fortunato, que num dia como hoje, de chuva, deve estar de amargar.

3.
Chovia a cântaros ontem à noite e saio do mafuá para assistir algo gratuito e a me motivar, um filme no SESC dentro da programação do FESTIVAL SESC MELHORES FILMES 2011 (toda ela é imperdível e impagável – zero de custo). Fui por saber que o filme era mais que ótimo. O “SEGREDO DOS SEUS OLHOS”, ganhador de melhor filme estrangeiro ao Oscar é de uma sensibilidade que me fez sair na chuva ao seu final, sem ao menos me dar conta disso. Para os brasileiros que ainda devotam rivalidade com argentinos, assistam isso e depois fiquem de queixo caído como fiquei. Não dá para ficar indiferente vendo o drama de HILDA e a um filme como esse. E nossos médicos brigam por aumento do valor do Plantão Médico, para um valor diário que a despojada Hilda não ganha em um mês de muito “sangue, suor e lágrimas”. PITER escreveria maravilhosamente disso tudo. Eu tento.

obs.: A Alfinetada, que saiu publicada na última edição do semanário pirajuiense (nº 629, de 09/04/2011) é somente sobre o Piter. Os demais textos fazem parte de minhas divagações diárias.

5 comentários:

  1. “The Professor” - por Marcelo Daniel - publicado mesma edição d'O Alfinete


    No final da década de 80, o piloto de Fórmula Um Alain Prost tinha um apelido nos bastidores do esporte: "The Professor". Ao francês, a alcunha de professor era aplicada pelo fato de ser extremamente técnico e racional em sua maneira de correr. Esse era o estilo do jornalista Piter Pereira, que nos deixou no meio da semana, mas que perpetuou sua marca na comunicação local, seja nas ondas do rádio ou nas palavras impressas.

    Não vou falar apenas do Pereira que muitos conhecem, cuja imagem era ligada ao rock e ao seu eterno bordão "Live long time to rock´n roll"(vida longa ao rock´n roll); mas do Piter das redações, a datilografar e digitar com o corpo curvado e os olhos, de óculos, na mira do produto final.

    Durante a produção, não se ouviam risadas ou comentários paralelos. Em frente às matérias, era sisudo e brigava com cada palavra. O resultado final: uma obra limpa, sem muitos adjetivos, direta, do jeito que a informação deve ser. Seu ritmo de devoção era interrompido por perguntas – dele próprio – sobre os dados colhidos para a reportagem. Prezava muito pela coerência e exatidão nas datas, lugares e nomes. Seu grande talento, na minha opiniã os textos curtos, como notas e legendas, fundamentais para a edição e o fechamento de um jornal. Fazia isso com maestria. A palavra exata simplesmente brotava de sua mente, com naturalidade, sem sequer franzir a testa.

    No Semanário O Alfinete, assinou durante anos a Coluna do Piter Pereira, um espaço de poucos parágrafos, com total liberdade editorial para sua mente, que sempre trazia ao centro uma frase de efeito de sua autoria. A cada sábado, teve oportunidade de narrar, além de análises do cotidiano, trechos do passado do município que talvez se configurem num dos maiores registros históricos da cultura popular de Pirajuí – os grandes craques no futebol, os políticos folclóricos e os tempos áureos da Rua 13, entre tantos temas.

    ***

    Devia ter uns 14 anos quando resolvi levar umas charges políticas para a publicação no extinto Jornal de Pirajuí. Fui recebido (muito bem, aliás) por Piter Pereira, que me orientou e provavelmente selecionou os poucos desenhos que fiz – demorou pouco para eu perceber que aquela não era minha praia. Após esse primeiro contato, em meados da década de 90, fomos trabalhar juntos novamente a partir do ano 2000, em encontros praticamente diários, regados a textos, crônicas, entrevistas e o café mais gostoso que tomei na vida – feito pela equipe d´O Alfinete.

    Dentre tantas coisas nas quais combinávamos, a principal era a música. Ele era um amante do rock dos anos 70, dos shows épicos do período e dos deuses da guitarra. Certa vez me buscou na rua para que assistisse, em sua casa, a um solo do lendário Paul Kossoff, no Festival da Ilha de Wright (1969). Era maravilhoso vê-lo imitar a guitarra do ídolo com as mãos.

    Tinha como uma de suas preferidas a banda americana Lynyrd Skynyrd, que tem uma pegada country inconfundível. Sua música preferida? “That Smell”, composição emblemática da década de 70, que tem o seguinte trech “Diga que você estará bem amanhã / mas amanhã pode não estar aqui para você”.

    A canção não condiz com a realidade. As letras e a voz de Piter Pereira estarão conosco hoje, amanhã e sempre. Adeus, Professor!

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  2. Henrique,

    O padre Enedir fala todos os dias Às 12h na rádio Veritas, uma mensagem dentro de um quadro intitulado "O Mensageiro da Paz". Ele é do segmento focolar dentro da igreja católica. Assim como partidos, a igreja também é subdividida em agrupamentos distintos. Sua fala é bonita, mas a de ontem, que também ouvi mostra exatamente isso que você ressalta, o milagre aconteceu envolvendo uma entidade focolar deles, isso no atacado, n ão no varejo. O varejo, o dia a dia, os problemas desses iguais a dona Hilda, esses não existe milagre que resolva. A miséria já parece ser compreendida pelos que possuem o algo mais, como condição natural, sem ocorrência de nenhum complexo de culpa, nada. É assim porque é assim e pronto. Não vejo na fala dos religiosos a busca do fim das desigualdades sociais. Não sei se vale a comparação entre o que ouvimos e o que voce escreveu, mas serve como refelxão.

    Marisa

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  3. Caro Henrique, curioso msm é como mts das pessoas que frequentam igrejas, templos, centros, sinagogas, universidades e tantos outros lugares onde se estuda Deus, saem dali mais eloquentes, mais "santificadas", porém menos humanas, menos sensíveis as verdadeiras necessidades de seus semelhantes. Imaginam que pelo simples fato de conhecerem alguma escritura sagrada aos seus olhos, se encontram acima dos demais que não professam sua fé. E esse egoismo provoca a tragédia do pobre ser humano. Precisamos de mais ações, de mais providências práticas em favor dos necessitados no dia a dia, nas pequenas e grandes coisas, num agasalho, num prato de comida, num teto, numa palavra amiga acompanhada de um gesto que supra a necessidade física imediata, e de menos, bem menos retórica. Milagre só é possível se estiver ao meu, ao seu, ao alcance de qualquer um fazer ou receber. O que acontece, é que é mt mais fácil e cômodo, não por as mãos na massa..., ou no bolso. Milagre só acontece onde não existe o egoismo. Existindo, é tudo conversa fiada pra boi dormir na cama, enquanto as Donas Hildas continuam a dormir na rua. As igrejas em suas prioridades que o digam.

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  4. se religiao fosse bom nao tinha para pobre.
    religiao é um dos maiores males da humanidade.
    os indios vivem em perfeita comunhão com o mundo deles, depois de cristianizado fica com o diabo no corpo é só fome, depressao,e outras desgraças do capitalismo.
    lazaro carneiro

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  5. Oi Henrique,

    Fiquei extremamente triste ao saber o acontecido com a D. Hilda.

    Neste novo trabalho, estou isolada, não tenho lido jornais, nem pela internet, pois chego muito cansada, sem animo pra nada.

    Só fiquei sabendo através do seu blog, e claro, estou agoniada, preciso fazer algo por ela. Você foi até lá? Por favor me dê notícia, se puder.

    Um abraço da sempre amiga...

    Luiza

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