Mafuá do HPA

CHARGE ESCOLHIDA A DEDO (53)

GENTILEZA ESTÁ NO SESC E VARME EM RECUPERAÇÃO – RUAS MAIS TRISTES SEM ALEGRES PERSONAGENS
A história do profeta Gentileza sempre me chamou muito a atenção. Primeiro porque sempre viajei muito ao Rio de Janeiro, nas minhas incursões profissionais com as chancelas (mais de 20 ininterruptos anos) e chegando na rodoviária Novo Rio, via avenida Brasil, nos viadutos ali nas imediações da antiga sede do Jornal do Brasil, inscrições em todos os pilares com a grafia daquele homem barbudo e com dizeres de apaziguamento humano. O que sempre me instigou é por ele não fazer questão nenhuma de converter ninguém, aquela chata babação de ovo dizendo ser essa ou aquela religião melhor que a outra. Criou uma vestimenta própria, barba comprida, chinelos nos pés, bengala e sempre com muitos parangolés na mão. Consigo aproximar o que faz com a obra de outro “maluco beleza”, o Bispo do Rosário e, porque não, com a obra de Hélio Oiticica. Esses visionários, misturando a arte das ruas e um visual inusitado sempre me chamaram muito a atenção. Depois fiquei sabendo que ele, o profeta havia nascido aqui pertinho de Bauru, na vizinha Cafelândia. E algo mais me intrigava, pois já uma espécie de lenda nacional, apregoavam que ele havia ido para as ruas, por causa da família toda ter morrido no famoso incêndio de um circo em Niterói em dezembro de 1961. Juntava tudo isso no mesmo balaio e aquela história me fascinou durante anos.

Anos depois os murais todos lá debaixo dos viadutos foram restaurados. Vi uma exposição muito bela de sua obra lá mesmo na rodoviária carioca e agora algo promovido pelo SESC está em exposição aqui em Bauru até dia 29 de abril. Fui ontem e maravilhado fiquei, com a indumentária do seu preparo. Os caixotes de frutas, pintados cada um de uma cor e dentro, como se fossem oratórios, peças a lembrar de Gentileza. Confesso, fiquei com vontade de trazer algumas para casa e ter como peças de decoração ou tentar fazer algo parecido. Ficaram lindas. Deram uma visibilidade incrível para a exposição. Nos painéis, a história de sua vida e da trajetória de sua obra, tudo contextualizado com a época em que viveu. Um primoroso e apurado trabalho. O SESC é muito bom no que faz. Sempre foi assim.

Gostei e muito. Quero levar amigos para conhecer um pouco de tudo aquilo e vislumbrar possibilidades outras com caixotes e afins. Para finalizar algo que o texto dos painéis esclarece de uma vez por todas, os familiares de Gentileza não estavam no tal circo incendiado. Tudo é mesmo lenda. E na revista Brasileiros (http://www.revistabrasileiros.com.br/) , edição de março, uma matéria das mais interessantes também toca no assunto. “O trágico final do espetáculo” é o título e ali algo sobre o lançamento de um livro sobre o famoso incêndio (talvez o maior do Brasil, com mais de 500 mortos). O livro chama-se “O espetáculo mais triste da Terra”, de autoria do jornalista Mauro Ventura, uma ampla e necessária reportagem retrospectiva sobre o tema, que no final do ano passado completou 50 anos. No livro, Gentileza merece citações explicativas sobre o histórico mal entendido. Ambos valem muito a pena, uma visita na exposição e a leitura do livro. Afinal, quem mais nos dias de hoje distribui flores e mensagens de amor pelas ruas. Aqui em Bauru, o pastor Varme faz uma tentativa nesse sentido, sem o mesmo carisma, mas com a mesma persistência. Adoentado, está recluso e nossas ruas ficam mais tristes e opacas, porque ele, assim como Gentileza não é carola de ficar tentando converter ninguém, a missão deles é sorrir e entreter, ser a antítese da crueldade opaca e dura das esquinas brasileiras. Gosto muito de gente como eles.

UMA EXPLICAÇÃO: A similaridade com a charge do título é pela exarcebada grafia nos muros cariocas, verdadeiro trabalho gráfico de propagação de um ideal de vida.

UMA INFORMAÇÃO DE ÚLTIMA HORA: Sai hoje a edição nº 690 da revista semanal mais importante, original e sincera desse país, a Carta Capital, com uma singular capa, tendo ao fundo uma foto do inspetor Closeau e uma manchete, "Exclusivo - Alunos de Closeau: E ainda chamam de inteligência - A atuação da Stratfor no Brasil revela espiões amodores, fontes irrelevantes e patéticos jogos de sedução" e nela um texto de minha lavra, na seção "Brasiliana", páginas 14 e 15, com o título "No enterro de Arcôncio Silva, uma breve tregua entre as correntes de esquerda". Escrevo mais disso aqui nos próximos dias.