Quem não se lembra do antigo mascate, quase sempre de origem árabe, que de mala nas costas varreu esse país de cabo a rabo vendendo seus produtos. Fizeram história e muitos progrediram a olhos vistos dando origem a empreendimentos de grande vulto. Depois deles vigorou por décadas a figura do vendedor atendendo seus clientes rotineiramente com visitas semanais ou mesmo mensais, tirando o pedido nesse contato bem pessoal. Com o advento da internet esse ofício foi perdendo a eficiência, pois tudo poderia ser resolvido com um simples telefonema ou um clicar internáutico. Persistem alguns rodando quilômetros e mais quilômetros em busca dos pedidos e vendas. Alguns desses permanecem mais inusitados que outros.
Dentro desse universo de vendedores ambulantes a categoria dos livreiros sempre esteve ligada a eventos culturais e com o passar dos anos foram praticamente extintos. No último Fórum Mundial realizado em Porto Alegre talvez uma das remotas concentrações de pessoas com essa disposição, a de revender de forma cigana (ou seria mascateando?) livros, camisetas, roupas e adereços voltados para a temática do evento. E fora disso, onde estariam os resistentes? Existem mesmo e já são sabiamente denominados de “Os Últimos dos Moicanos”, alguns persistentes e conseguindo retirar “água de pedra”, para fazer uso de uma expressão popular, merecem ter suas histórias registradas. Conheço uma empresa que atua dessa forma, levando o produto onde o cliente estiver, independente do lugar e tudo isso considerando ser o Brasil um país continente, com uma área imensa e com elevados custos para sua transposição.
A Rio Books faz isso e merece ter sua história contada. Três irmãos estão à frente do negócio: Daverson, Stevenson e Gerson Guimarães, paulistas, mas mais cariocas impossíveis. Montaram uma pequena empresa no ramo de distribuição de livros, não com ampliada abrangência de temas, mas especializados em alguns, como: Arte, Design, Arquitetura, Decoração, Moda, Fotografia, Ilustração e Propaganda. Começaram numa sala em Copacabana, depois no Flamengo e na sequência num lugar que ficou famoso, o 5º andar de um prédio de departamentos no Largo do Machado, área central da capital fluminense. “Desse local tiveram início as viagens, pois para atender um público especializado é praticamente impossível fazê-lo de um lugar fixo, mesmo com o atendimento que sempre fizemos pelo reembolso postal. Acabamos nos tornando especialistas em outro quesito, o de levar o livro ao profissional nas suas feiras, encontros, simpósios, congressos, etc. Deu tanto certo que não paramos mais”, conta Stevenson, com a banca montada num Congresso Internacional da Sociedade Brasileira de Design da Informação realizado em Florianópolis no ano passado.
A banca da Rio Books é ponto obrigatório de passagem de todos os profissionais. “Sou carioca, trabalho em Bauru, na Unesp e mesmo com boas livrarias na cidade, nenhuma é especializada na área. O reembolso é uma coisa e ver o livro ali, ter a facilitação da compra negociada, parcelada, discutir com os colegas reunidos os lançamentos é outra coisa. E quem conhece o trabalho desses abnegados irmãos sabe o que falo”, relata Ana Beatriz Pereira de Andrade, professora de Design, ainda em Santa Catarina e diante de um sorridente Stevenson. Elogios como esse são mais do que comuns e refletem o dinamismo do que fazem, espantando “gregos e troianos”, pois são os únicos conhecidos a continuarem remando contra a maré, sem medir esforços, nem se importarem com distâncias, tudo para bem realizar o trabalho proposto.
“Nos encontramos na UFES, em Vitória – ES e cabe destacar não só o parcelamento, mas o pago quando puder.... devo não nego. Por isto somos cariocas e quando não tem o livro no momento o enviam por Sedex aos clientes. Também dão um super desconto para nós, os que compramos aos monte. Da estória da UFES vale ressaltar que fomos lá como banca de seleção de concurso para professor efetivo no departamento de design e a candidata aprovada ficou cliente por indicação minha. E também vale comentar que sou cliente, eu e um monte de gente há quase 30 anos. Também que eu e o Professor Doutor da UNESP Cláudio Roberto y Goya, no último P&D competimos com malas e caixas para ver quem acabava trazendo mais livros. Depois compartilhamos o excesso de bagagem”, complementa Ana.
Num salto do tempo, o P&D, o bianual Congresso Nacional, o mais importante em Design, esse ano aconteceu em São Luís – Maranhão (em sua décima edição pela primeira vez no Nordeste) e quem será que esteve abrilhantando os salões nos horários do coffee-break? Exatamente e tão somente a empresa dos Son – assim são chamados pra quem esquecer ou se embaralhar com os nomes esquisitos. Tiveram que dividir o país em duas regiões, a sede continua carioca, Stevenson cuida dos estados da região Sul, abaixo de São Paulo e Daverson com os do Norte, acima de São Paulo. Gerson, o outro irmão está mais afastado dos negócios no momento atual. E lá em São Luís a confirmação do dito por Ana Bia, na fala de outro mestre, o também Professor Doutor José Guilherme Santa Rosa, também carioca, lotado na Universidade Federal do Rio Grande Norte: “Todo Congresso é uma obrigação ter um livreiro. Ele faz parte do Congresso. Imagine um coffee-break sem a presença deles. Acompanho o que fazem e quando o estudante ou mesmo o professor diz que não tem o valor para a compra ele chega a parcelar em até dez vezes. Não perde o negócio e conquista a todos. Tenho alunos meus que estiveram com eles uma só vez e seis meses depois lembram inclusive não só do nome da empresa, mas também o deles. São únicos no que fazem”.
Daverson faz questão de registrar as dificuldades por exercer essa venda viajando longas distâncias. Nesse do Maranhão despachou todos os livros por transporte aéreo e foi junto, dessa vez levando a família, que o ajudou e no final todos passearam nas horas de folga. “O custo na ponta do lápis nessa viagem não foi lucrativo, mas deu para empatar. Hotel caro, despesa alta e a compensação pelos reencontros e possibilidades futuras. Nesse Congresso foram mais de 800 profissionais e a maioria, confesso já saber o nome de outras oportunidades”, diz Daverson. E isso pode ser percebido nos contatos e nos abraços, como os antigos amigos fazem ao se reencontrarem. E ali eles vão estabelecendo parcerias futuras, como no diálogo com a designer de Engenharia Têxtil, Ana Cristina Broega, da Universidade do Minho (cidade de Guimarães - Portugal – capital cultural da Europa em 2012), que aproveitou o mês para participar de três encontros acadêmico-científicos na América do Sul, sendo um em Cartagena, na Colômbia. “Em Portugal não existe algo tão específico como vi na banca do Daverson. As livrarias portuguesas não investem como antes, muito por causa da crise e por não estarem despertadas para esse mercado. Sou obrigada a comprar aqui e algo impensável por lá foi ter iniciado um dialogo, uma provável parceria para a publicação de um livro com minha tese de doutorado sobre moda. Eles deixaram um canal aberto e vamos começar a conversar. Quem sabe não os levo para um Congresso em Portugal”, diz Ana.
Guilherme Santarosa relançou o seu “Design Participativo”, em conjunto com a recém falecida Professora Ana Maria de Moraes, uma das maiores especialistas em Ergonomia no Brasil no Congresso do Maranhão, com a chancela da Rio Books e é só alegria com essa possibilidade, pois sabe que a melhor distribuição é feita por quem está dentro e entende do específico segmento onde atua. “Nem tudo são louros nesse negócio. Pergunte para o pessoal daqui e de outros lugares quando foi a última vez que um livreiro veio visita-los? Digo para olharem bem, pois pode ser a última vez. Muitos ainda não prestigiam nosso trabalho e por meros R$ 6 reais de diferença acabam comprando pelo reembolso. Esse trabalho, a aproximação pretendida é para tentar continuar fazendo algo com muita dignidade, onde o reconhecimento ocorra de forma satisfatória”, desabafa Daverson. É incontável os lugares por onde já arrastou seus livros, desde Manaus, interior de Minas, incontáveis capitais nordestinas e onde mais puder estar montando seu viajado aparato.
Difícil sim, mas prazeroso o trabalho desses dois irmãos, o Stevenson hoje já residindo em Curitiba e o de Daverson morando no Rio de Janeiro, a sede da empresa e de lá batendo asas Brasil afora, ambos quase sempre acompanhados das respectivas esposas. São os verdadeiros e autênticos mascates do Século XXI, perpetuadores de algo que muitos já acreditavam mais do que extinto, a venda quase porta a porta. Da insistência deles, a certeza que é mais do que perceptível no semblante de ambos: além de todo o relatado, o contato humano estabelecido em cada viagem é o que os move, a pilha que os recarrega para continuarem não querendo mudar de ramo e de procedimento. E assim eles continuam viajando, distribuindo livros e principalmente, fazendo amigos e proporcionando alegria por onde passam. Sempre carregando suas malas, de um lugar para outro, como os velhos mascates.
ResponderExcluirOi
Muito bom. Henrique deixa sempre transparecer o antropólogo que mora dentro dele...
Bj,
Ana Maria Rebello
Isso Henrique
ResponderExcluirabraços
Sérgio Losnak
Muito bacana.
ResponderExcluirParabéns para o Henrique.
Ficou óitmo.
beijos,
Guilherme Santa Rosa
quisera eu hem...rose barrenha
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