A
MANIFESTAÇÃO, O SENADOR E A CANTORA PORTUGUESA - UM CASO À PARTE NA CAPITAL CEARENSE
Fortaleza
CE, sábado, 7/9, 22h, Centro Cultural Dragão do Mar*, pouco tempo depois da
abertura do 23º CINE CEARÁ (www.cineceara.com),
tudo dentro do previsto, a atriz portuguesa MARIA DE MEDEIROS é o foco das
atenções. Vem lançar filme como diretora e fazer o show com entrada franca na
abertura do festival, lançando seu CD “Pássaros Eternos”. Faz a abertura
solene, passa o som com sua banda e aguarda o término do filme,
para finalmente ocorrer a abertura dos portões do anfiteatro (capacidade de 800 lugares) e começar a cantar. Uma pequena fila se forma na entrada.
Ao fundo
desse cenário se ouve o reflexo do que foi o dia nas grandes cidades
brasileiras. Resquícios dos manifestos ocorridos nas ruas durante o dia, alguns
ainda bradando seus slogans na imensa praça, lotada de gente, rodeada de bares.
Algo distante para os que aguardam na fila, imaginando talvez tivessem
escolhido ali para encerrarem sua manifestação, pelo grande aglomerado de
pessoas. Dentre os que chegam e aguardam, um político, senador da República
INÁCIO ARRUDA – PC do B/CE (www.inacio.com.br).
Num pequeno grupo se posiciona não como todos, ao final da fila, mas na frente. Literalmente furou a fila e ali permanece.
Quando se
percebe que o filme terminou é esboçada a abertura dos portões e exatamente
nesse momento, quando Inácio e os seus começar a entrar, como primeiros da
fila, eis que surge do nada outro grupo, muito mais numeroso e ruidoso, o dos
manifestantes. Praticamente cercam o senador e aos gritos expõem algo
inesperado aos presentes. “Inácio traidor. Traiu o Cocó. O Cocó não pode ser
destruído. Não queremos viadutos. Inácio nada fez para ajudar o Cocó. Inácio
não é mais povo”, foram ouvidos em alto e bom som. Constrangido e sem poder
recuar, sentou e foi rodeado pelos manifestantes. Umas trinta pessoas no
máximo, bem articuladas e uma faixa com os dizeres “Legalização do Cocó já!” é
de imediato fixada na frente do palco.
Atônica, a
organização tenta agir rapidamente, Flashes não param de espocar de todos os
lados. Momentos de pura tensão. Ouve-se se seria mesmo viável a realização do show
com o clima instalado. O bom senso prevalece e o microfone principal do palco é
cedido a um dos manifestantes, muito jovem, que fala de forma clara e objetiva.
Explica em pouco mais de três minutos sua versão dos fatos, a de que: “A cidade
não necessita de mais viadutos, pois com eles virão mais carros, enquanto o
povo do Cocó será removido e não é esse o progresso que precisamos”. Ataca as obras, por ele ditas como faraônicas,
tanto do prefeito, como do governador. Mal terminou, outro jovem sobe ao palco,
mais exaltado com o senador comunista, pelo seu posicionamento ao lado dos
poderosos da cidade, pede que esse leve um recado para o “Pinguim” e proclama: “Esse
prefeito depois da eleição não aparece. Avise a ele que o povo do Cocó
resistirá”. Pinguim, para quem não sabe é o apelido dado por muitos se
referindo ao atual prefeito, Roberto Cláudio – PSB.
Quando o
jovem desce do palco as luzes são apagadas e daí a expectativa do que viria a
seguir. Assim do nada, de surpresa, adentra o palco Maria Medeiros, com um
único foco de luz sobre seu rosto, banda a postos e dessa forma tem início o
show. Nenhuma apresentação, nenhum rapapés do pessoal da organização, atuaram com precisão cirúrgica. Ela canta uma canção tendo em alguns momentos referências ecológicas. Os
manifestantes esboçam algo, mas se calam diante da artista, a ouvem quase em
silêncio, chegando ao êxtase nas menções com nítida comparação ao fato ali
ocorrendo. Ao final ela esboça uma fala de conciliação aos presentes, ao
político, aos manifestantes com algo assim: “Que muitas flores sejam plantadas
no Cocó”. Os aplausos foram generalizados.
Medeiros
soube contornar tudo, ganhando a plateia por completo com seu jeito e
brilhantemente salvou o espetáculo e a noite de abertura do festival. Ao meu
lado um senhor tenta explicar: “Inácio deixa muito a desejar como senador,
pouco faz para o Ceará, mas a decisão sobre o parque do Cocó é irreversível.
Muitos dos que hoje estão lá ganham diárias para protestar e se posicionar
contrariamente. Tudo é política”. Ao seu lado outro intervém: “Não passam de 50
árvores, já replantadas em outro lugar”. Outro sentado no banco da frente
também dá o seu pitaco: “O senador é de um partido comunista, de esquerda e a
manifestação tem a mesma conotação. Quem vocês acham que deixou de atuar
corretamente na questão?”.
A pergunta é
talvez o grande questionamento feito hoje pelas ruas e praças por esses dias,
os motivos do distanciamento da dita esquerda e dos manifestantes nas ruas, ou mesmo das
reivindicações, feitas e defendidas até bem pouco tempo pelos seus
representantes esquerdistas. Maria de Medeiros encantou até o final do show, aplaudida
efusivamente em todas as canções, citando o Cocó em pelo menos mais três. No
meio do show, de forma sutil, dois manifestantes descem até a beirada do palco,
retiram a faixa e todos os demais desaparem na noite. A cantora praticamente dedica o show ao Cocó,
tanto que, no blues de encerramento, ressalta isso alterarando o refrão com um: “Andei
por todo o parque Cocó e não te encontrei”.
Uma pena
isso não ter sido visto pelos manifestantes, que naquele momento já estavam
longe, talvez pelo adiantado da hora, pouco mais de 23h20, movidos talvez pela
dificuldade de locomoção para suas residências e algumas delas, para o próprio
acampamento dentro do parque Cocó.
* Impossível
não fazer uma alusão do ocorrido com o nome do conglomerado cultural na capital
cearense, o DRAGÃO DO MAR. Na placa descerrada de inauguração algo sobre o seu significado:
“Esse foi o termo que o escritor Aloísio de Azevedo utilizou para homenagear
Francisco José do Nascimento, um trabalhador da zona portuária de Fortaleza que
participou da campanha abolicionista no Ceará. Em 30 de agosto de 1881, ele liderou
a segunda greve de condutores de pequenas embarcações, cujo objetivo era evitar
o transporte de escravos entre a praia e os navios negreiros. Ele é um dos símbolos
da resistência popular contra as injustiças sociais, ícone do Patrimônio
Cultural Cearense”. Diante disso, deixo
um questionamento, de minha lavra: DE QUE LADO ESTARIA HOJE O DRAGÃO DO MAR? O
QUE COMBATERIA HOJE? OCORRENDO HOJE SUA LUTA, SERIA COMPREENDIDA PELOS QUE O
HOMENAGEARAM E OCUPAM HOJE CARGOS DE DIREÇÃO NAS ALTAS ESFERAS MUNICIPAIS,
ESTADUAIS DO ESTADO DO CEARÁ? QUEM PODERIA HOJE OCUPAR O LUGAR DO LENDÁRIO DRAGÃO DO MAR?
Não passa desapercebido, inclusive para pessoas comuns, que os protestos nos últimos meses no Brasil a desembocar nesse 7 de setembro, foi composto por uma massa popular desarticulada,confusa, complexa e violenta. Nesse sentido "(...)Hanna Arendt explicou que os movimentos contra uma democracia ainda em gestação na Europa entre as duas Guerras precisaram de “uma grande massa desorganizada e desestruturada de indivíduos furiosos, que nada tinham em comum exceto a vaga noção de que as esperanças partidárias eram vãs; que, consequentemente, os mais respeitados, eloquentes e representativos membros da comunidade eram uns néscios e que as autoridades constituídas eram não apenas perniciosas, mas também obscuras e desonestas.” (“Origens do totalitarismo”, página 444).
ResponderExcluir(...)Para ela, povo é aquele movimento social articulado a partir de interesses concretos e definidos, inclusive de classe social, que reage para defender seus direitos quando são atacados – e por isso ela identifica povo com a democracia.Já a ralé, no sentido político, é formada por uma massa de cidadãos de várias classes, alimentados por uma “ amargura egocêntrica” que produz uma forma de “nacional tribal” e também o “niilismo rebelde.”
Analisando a estratégia de um dos mais cruéis líderes de um movimento em si monstruoso como o nazismo, Arendt fala que Himmler procurava recrutar integrantes das SS entre cidadãos que não estavam interessados em “problemas do dia a dia” mas somente em questões ideológicas de quem acredita trabalhar “numa grande tarefa que só aparece uma vez a cada dois mil anos.”Vejam algumas semelhanças entre as coisas.
No livro “ A Cozinha Venenosa, “ no qual estuda a emergência do nazismo a partir da história de um jornal socialdemocrata de Munique, a jornalista Silvia Bittencourt lembra uma frase do hino da SS: “a Alemanha desperta.” Nada mais parecido, do que a frase massificada na mídia do Gigante adormecido.
Mara Rocha
Henrique
ResponderExcluirAo ler seu texto hoje pela manhã aqui nas barrancas do estado de SP, tenho de imediato lembranças da antológica música de João Bosco e letra de Aldir Blanc:
O Mestre-Sala Dos Mares
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas
Jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que, a exemplo do feiticeiro, gritava então
Glória aos piratas
Às mulatas, às sereias
Glória à farofa
à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento as pedras pisadas do cais
Mas salve
Salve o navegante negro
Que tem por monumento as pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo
seu amigo distante PAULO LIMA
Henrique
ResponderExcluirVoce fez bem em espalhar esse texto para algumas pessoas daqui de Fortaleza.
Chegou à minhas mãos e o espalhei para os meus conhecidos.
Tudo é mais ou menos isso que voce, mesmo chegando aqui agora, já percebeu. O senador não é la´essas coisas, mas a situação do Cocó também não é tudo isso que os manifestantes afirmam.
No seu texto algo de bom é que deu a entender não se posicionar por nenhum dos lados, nem ter ficado em cima do muro.
Marcou posição, se posicionou e deixou que com o texto sendo espalhado ele possa fluir e gerar debate.
Gostei do tal do mafuá.
Penso seriamente em fazer algo parecido por aqui.
Conte sempre com um porto seguro do lado de cá do mundo.
Rafael Santos
Henrique, uma delícia seu Mafuá! Que legal essa liberdade para escrever e editar tanta noticia interessante ao ritmo das ondas dos "verdes mares bravios" dessa linda Fortaleza. Quanto a nota sobre o Dragão do Mar, é bom acrescentar que em Aracati, espécie de quilombo para onde ele levara vários negros fugidos das senzalas, a abolição aconteceu dois anos antes da assinatura da Lei Áurea, por proclamação ou aclamação dos próprios negros que ali se sentiam libertos.
ResponderExcluirCaremn, uma hoje recificiense de quatro costados:
ResponderExcluirÉ isso mesmo. Obrigado pelo comentário e pela amizade iniciada. Adorei o Urian, faltou é tempo para conversas tantas.
Dragão do Mar hoje teria lutas mil para se envolver, libertações outras e os poderosos todos que o homegageiam viveriam de cablos em pé com seus atos.
Um baita abracito meu e da Ana proceis
Henrique - ainda longe do mafuá