DOIS EMPREENDEDORES MENINOS NO SAGUÃO DO CINE CEARÁ
No saguão do 23º Cine Ceará, grandioso evento
cinematográfico brasileiro, patrocinado por lei de incentivo e com apoios dos
governos do Estado do Ceará e da Prefeitura Municipal de Fortaleza e ocorrendo
no imenso Vila das Artes, Centro Cultural Dragão do Mar, na capital cearense,
esse ano homenageando o cinema português e tendo como estrela principal, a
atriz e cantora Maria de Medeiros muitos chamam a atenção. Ela estreou seu
filme como diretora e fez o show de abertura, mas algo mais a ocorrer por ali durante
a semana do festival desperta interesses. Na noite de abertura, sábado, 07/09,
muitos ficaram de fora do evento de abertura, por absoluta falta de espaço e,
dessa forma lotando o saguão externo, fervilhante burburinho, alto astral
cultural circundando o local.
O vento, sempre presente, amenizava o calor e a efervescência
emanada muito contribuiu para esquentar ainda mais o animo de dois “meninos”,
Alan Nascimento, natural de Fortaleza e Rivanei Alencar, de Juazeiro, ambos com
23 anos e detrás de um diferente balcão de negócios, aliás um imponente
quiosque, localizado num dos cantos. Um pequeno, porém chamativo letreiro,
redondo e com a caricatura de ambos, informava o nome escolhido por eles para o
pequeno e criativo negócio montado, a Guarderia dos Meninos. “Guarderia é um
nome espanhol e é isso aqui que você bem vê, esses balcões cheios de coisinhas,
muitas coisas. Fazemos e vivemos disso”, começa me explicando Alan, após o
interpelar, encantado pelo magnetismo de ambos no contato com o público rodeando
os produtos expostos.
Na verdade, a Guarderia não é um simples balcão, trata-se de
uma micro empresa individual, iniciativa do Sebrae para aquecer novos negócios
de pequenos empreendedores e dessa forma possam abrir pequenas empresas, manter
e gerir algo próprio. “Eu tenho CNPJ e tenho também uma maquininha de cartão de
vendas”, explica Alan. Eles dois tem tudo isso, estão legalizados e os que me
leem poderia me perguntar: Mas fazem o que mesmo? Explico. Vendem brindes, mais
especificamente três, imãs de geladeira, caixinhas de fósforo e bottons. Não
pensem que esses três itens são comuns. Nada disso, a dupla foge do trivial
estampando tudo o que se possa imaginar neles e vivem disso, mambenbeando-os
basicamente em eventos culturais na capital e pelo interior do estado.
“Já deu para perceber gostarmos muito de cor, NE? Não gosto
de fazer peças com fundo escuro. Adoro cor, Frida Kallo, por exemplo, é um dos
nossos ícones”, continua o entusiasmado Alan. Na banca dos meninos prevalece
isso, a alegria e a cor é parte essencial disso tudo, chama a atenção e atrai
os clientes. As estampas dos trabalhos vendidos por eles são quase todas
garimpadas na internet e na maioria das vezes, símbolos universais de domínio
público. Na frente de tudo, duas caixas lotadas de bottons, diversidade
encantadora. Num lugar como esse é rotina ir vendo muita gente escolhendo
vários de uma vez, separando e colocando numa cestinha de ferro. “As cestas eu
trouxe da 25 de Março. Quando estive por lá, bati os olhos e vi ser o que
precisava. Facilita a escolha dos que levam vários de uma só vez”, diz.
Os bottons, carro chefe de tudo o que produzem são vendidos
em dois tamanhos, 3,5 e 5,5 cm e os preços são bem convidativos. Os imãs em
tamanhos variados, cortados do tamanho da estampa e as caixinhas no tamanho
padrão. Essas, pelo que conta acabam sendo utilizadas mais como peças de
decoração do que propriamente para acender algo. Tudo é muito simples de ser
feito e na simplicidade acabam se sobressaindo, pela criatividade empregada,
tudo feito artesanalmente e só revendendo em eventos específicos. “Acabamos de
voltar de um no interior do estado voltado para o jazz. Ficamos numa feirinha
cultural montada por lá, o mesmo feito por aqui. Regularmente estamos também
num bar de comida natural, muito famoso aqui em Fortaleza. Esse é o nosso
público, consumidores de arte, basicamente os que gostam do que também gostamos”,
continua Alan.
Alan é o interlocutor dessa dupla de pequenos
empreendedores, pelo menos nesse momento, pois enquanto fala comigo, seu
parceiro e sócio, Rivanei, mais tímido, fica a atender os clientes. E ele conta
mais de como surgiu o interesse, principalmente pelos bottons: “Fazia uns
serviços para uma igreja e lá conheci um colega que fazia isso. De início
fiquei observando e depois criei coragem, fiz uma parceria para pequenas
revendas até criar coragem e comprar o equipamento. Depois de começar, veio a
ideia de ampliar, daí começamos a fazer também os imãs e as caixinhas”.
Aproveito para perguntar sobre sua cidade, Fortaleza e me
explica aquele algo mais não existente em nenhum catálogo turístico: “A cidade
possui intensa vida cultural, 70 teatros, mas os jornais locais falam pouco
disso. A verdadeira programação do que rola diariamente pela cidade passa
batido das páginas culturais dos jornais. O próprio turista que lota a cidade
desconhece os seus extremos. Num deles uma ponte, onde o rio Ceará encontra o
mar, no outro a Serra da Caucaia e o rio Cocó, esse também dando no mar,
desaguando na praia de Sabiaguaguá. Fortaleza infelizmente ostenta ser a 11ª
cidade com maior índice de desigualdade do mundo. Quer ver a pobreza vá até a
periferia, porém lá é também fonte de muita cultura e resistência”.
A banca deles ferve de gente, interesse renovado no público
permanecendo por aproximadamente duas horas por ali à espera da abertura do
portão para o show com a cantora portuguesa. Ela circulou pelo saguão, deu
entrevista para o Canal Brasil, posou para fotos, tudo ali, quase ao lado dos “meninos”.
Eles bem que gostariam, mas mal puderam estender seus olhos para os lados, tal
o movimento da banca. E mesmo com o agito todo, boas vendas, o que fazem não é
algo assim tão lucrativo, pelo contrário, sobrevivem. Dormem nas viagens em
albergues, pousadas, cavam patrocínios, viajam como podem, contam os tostões,
tudo para continuar fazendo o que gostam, como gostam e no meio de pessoas que
gostam do que fazem. E são felizes dessa forma, sem tirar nem por, isso
estampado nos seus rostos.
Henrique
ResponderExcluirAlgo bem parecido com o que você faz, hem?
Escreveu isso propositalmente, né?
Tocante o desprendimento dos que tocam suas vidas sem necessidade absoluta por enricar a qualquer custo.
Siga em frente.
Paulo Lima, seu chapa.
Paulo,
ResponderExcluirObrigado.
A vida me ensinou a mamberbear e faço disso minha maior arte.
"Mas é preciso viver e viver não é brincadeira não", diz uma acertada letra musical.
Brinco e encaro tudo sempre com a bandeira a meio pau, mas como agora, saio á luta sem pedir licença, pois contas me batem à porta.
Tchau e um abracito aqui de longe
Henrique
fagulhas de nossa brasilidade e diverdidade.
ResponderExcluirum abração carioca em voces
Paulo Humberto e Roseli - Rio RJ
Henrique
ResponderExcluirDiante de um grandioso festival de cinema na capital do estado do Ceará você foi se ater a dois meninos e suas coisinhas. Seus relatos de Memória Oral revelam isso, que as histórias mais simples, a dos anônimos em muitos dos casos são tão ou mais importantes que a dos atores principais. Enfim, quem são mesmo os atores principais?
Valéria
Querido, que texto lindo, perdão não ter agradecido logo, nossa vida ficou um loucura durante o Cine Ceará.
ResponderExcluirObrigado mesmo, terminamos o texto com os olhos molhados.
Que nesse e-mail possamos trocar figuras e construir uma amizade.
Grato
Alan Nascimento