segunda-feira, 7 de outubro de 2013
BEIRA DE ESTRADA (28)
O QUE O CRACK FAZ COM STHEPANY, O FILME SOBRE O TEMA E OS ANDARILHOS EXPULSOS DAS ESTRADAS As coisas acontecem por acaso aqui nessa Mafuá. Tudo vai se encaixando e por fim, tudo acaba virando um texto. Pluft plaft zum. De manhã, quase atropelo uma jovem de cabeça feitas pelos efeitos do crack, bem em cima da linha férrea, rua Antonio Alves, bato os olhos e me vejo diante uma pessoa que conheço há anos, Sthepany Muniz, uma travesti que de top hoje vive em andrajos, morando enfiada em algum canto nos desvãos dos trilhos urbanos bauruenses. Posto o texto na internet e Madê Correa me apresenta algo que não tinha conhecimento até hoje, um rap muito bem feito por uma pessoal de Bauru, exatamente sobre os problemas desses abandonados sociais. Só aí já teria dois temas. Chego em casa e lá a última revista Unesp Ciência e lá um texto maravilhoso sobre os andarilhos da nossa região, as pessoas que vemos circulando pelas rodovias, suas histórias e um algo mais que conto só no final do texto. Não deu outra, juntei tudo e num momento vago entre o serviço, as idas até a geladeira escrevi isso tudo, junto e misturado.
CASO 1 - Morando nas proximidades do quadrilátero dos sem teto, o habitat dos drogados (chamados por uns de “nóias”), fruto do crack e dos mendigos, esse mais envolvidos com álcool, faixa delimitada pela degradada linha férrea do centro da cidade, a estação rodoviária, o Albergue Noturno e o ribeirão Bauru, podem ter absoluta certeza, por aqui acontece de tudo um pouco e muito mais. Uma quase obrigação em ir se acostumando na convivência diária e contínua com os degradados, os emergidos na vida das ruas, os invisíveis e dela acaba acontecendo algo respeitoso. Diante de um problema social dos mais graves, a tristeza é inevitável nos moradores ao ir observando, dia após dia a degradação e a evolução destrutiva do estado dos que vivem nessas precárias condições. São tantas histórias, um querer ajudar sem conseguir quase nada, algo como uma névoa envolvendo essa região da cidade, que já até li sendo denominada de Faixa de Gaza bauruense. Conto o que presenciei com uma dessas pessoas hoje pela manhã.
STHEPANY MUNIZ foi uma travesti daqui, dentre tantas outras, que ganhou a cidade grande cedo. Fez fama, sucesso com filmes pornôs, fotos em revistas do gênero e amealhou algum dinheiro, quase foi atuar pela Europa. Da mesma forma que subiu desceu. A droga destruiu sua vida. O processo foi lento, perdeu a confiança dos à sua volta, voltou para Bauru já sentindo esses efeitos. Entrou numa errada, roubou e assaltou por causa de um gigolô e das drogas, pegou cana dura e cumpriu até o fim sua pena. Devolvida para as ruas, mesmo com o apoio dos seus, que tudo tentaram, porém nada deu muito certo e entre idas e vindas acabou indo morar definitivamente nas ruas. Atravessando a linha hoje pela manhã, trajeto diário pela rua Antonio Alves, a vejo em andrajos, suja, cruzando a rua em círculos e na frente dos carros. Dei-lhe várias vezes dinheiro para comer e alimentos, consegui contato com a família, que insiste em tentar ampará-la, mas pouco consegue. Quem entra nessa parece não ouvir mais ninguém. O chamado do crack deve ser tão forte, doentio, que nada mais desperta interesse do que fazer uso dele novamente. Hoje não tive mais coragem de parar para lhe oferecer ajuda e confesso, tenho até receio de ver todos os que estão numa parecida situação sabendo onde moro. Dou comida a outra na mesma situação e dia desses quando bateu no meu portão e lhe disseram que não estava, arremessou pedras numa janela que tenho de frente para a rua. São duas personalidades distintas, a sob efeito da droga e outra sem o efeito da droga e querendo conversar, desabafar ou pedindo na rua para comprar mais e mais. Com os mendigos outra relação, com muito mais conversa, o álcool não destrói tão rápido. Outro dia conversando com uma amiga drag queen, essa me disse ter sido abordada por Sthepany e o diálogo foi algo dilacerante: “Você sabia que já fui grande? Que já fui quase uma diva? Olha onde estou hoje. Cuidado, isso aqui não tem volta”. Ela está no fundo do poço e já nem sabe direito por onde pisa.
CASO 2 - DOM BLACK PART THIGOR MC “PRAGA DO SÉCULO” – Esse o nome do vídeo indicado a mim por Madê tão logo publiquei hoje cedo meu personagem Lado B de hoje, com um travesti que vive nas ruas por causa do crack. Nele um rap bauruense, vídeo publicado no facebook em 05/10/2013 e com o mesmo tema do meu enfoque. Lá algo muito mais consistente do tratado por mim. “Dom Black e Thigor Mc narram a conhecida, porém muitas vezes ignorada trajetória do dependente químico, neste caso especificamente o crack. A "Praga do Século". Ficha Técnica - Direção: Rafael Pessotto, Direção de Fotografia: Conrado Dacax, Direção de Arte: Ana Heloiza Pessotto, Maquiagem: Ana Heloiza Pessotto/ Emanuella Quinalha, Roteiro: Rafael Pessotto. Agradecimentos mais que especiais: A todos que de uma forma ou de outra nos ajudaram, e sempre nos ajudam. Citaremos alguns nomes, morrendo de medo de esquecer alguém: Priscila Woelke, Rebeca Farinelli, Renato Magu, Amanda Brunet”, está no texto de apresentação. Cliquem a seguir e assistam o vídeo:https://www.youtube.com/watch?v=-_BZ7ZKRudM.
CASO 3 - “VIDAS ERRANTES” E O PAPEL DAS CONCESSIONÁRIAS DAS ESTRADAS: Numa bela matéria, a “Vidas Errantes”, a última edição da revista Unesp Ciência (nº 45, setembro_2013), texto escrito por André Julião, com fotos de Gui Gomes, algo sobre os errantes andarilhos dos trechos rodoviários pela nossa região. O trabalho todo de observação são de pesquisadores de Assis SP, encabeçado pelo professor José Sterza Justo, que durante anos viajou diariamente no trecho entre Assis, onde trabalha e Marília, onde mora. Impossível não reparar nos andarilhos, daí a curiosidade cresceu e o professor foi ter com eles. Nasceram diálogos esclarecedores sobre essas pessoas, o que pensam, os motivos de fazerem os que fazem, onde comem, dormem e como vivem. “Caminhando sem destino na beira da estrada os andarilhos formam um grupo quase invisível de excluídos. Pesquisadores de Assis estudam suas origens, seus hábitos e as ações dos municípios e das concessionárias de rodovias para mantê-los bem longe”, diz o texto. O que mais me causou estranhamento foi o papel das concessionárias, que no intuito de manterem a rodovia limpa e usando do artificio de ser um perigo eles continuarem errantes pelas beiradas das rodovias sob sua jurisdição, os capturam e os deportam para bem longe. “O único território que não tinha dono, em essência, eram as estradas. As concessionárias acabam confundindo a limpeza da via com a retiradas desses homens”, denuncia o texto num certo momento. Vale a pena ler, conhecer um bocado mais desses personagens bem junto da gente e ao mesmo tempo tão longe. Leiam o texto e vamos pensar juntos numa forma de sensibilizar esses hoje se dizendo donos das rodovias paulistas, expulsando andarilhos e mandando o problema para bem longe dele, ou melhor para debaixo do tapete:http://www.unesp.br/aci_ses/revista_unespciencia/acervo/45/estudo-de-campo.
É degradante ler e ver histórias assim, pessoas que tiveram tudo e de repente esse crack tirou todas as expectativas . Outro dia bateu um em casa pedindo comida, o rapaz era lindo , deveria estar no começo dessa trajetória louca, falei um pouco com ele e disse que ele não se parecia um habitante da rua, ele abaixou os olhos com vergonha e disse eu não era das ruas . Não quis mta conversa, com vergonha mesmo, dei comida e ele se foi , lindo mesmo .....uma judiação....
ResponderExcluirHelena Aquino
Henrique
ResponderExcluirO crack é realmente tudo de ruim. Nunca vi droga tão perversa.
Aqui na região onde trabalho vejo os andarilhos e sinto o mesmo que li no texto do professor, uma vontade de entendê-los. Já conversei com muitos e é isso mesmo. Nenhuma mulher andarilha, só homens. Cada um tem uma história diferente. Tem uma rodovia com bastante circulação de carros entre Prudente e Assis e já cheguei a ver o carrinho da concessionária recolhendo essas pessoas. Agora, com o que li sei o que fazem com eles. Deportam para bem longe dali. Não resolvem o problema e os remetem para outros o fazerem. Grandes fdp.
A matéria da revista eu vou copíar e encaminhar para os setores que cuidam de gente, de cada prefeitura daqui da região. Gostei demais. Esse trabalho todo deve ser muito bom. Parabéns ao professor que teve a sensibilidade de perceber e a partir daí deu visibilidade a uma parcela deles.
E um abraço para ti que também com muita sensibilidade postou isso dando a devida atenção para o trabalho feito.
Paulo Lima
CARO PAULO
ResponderExcluirÉ isso mesmo. Nós que somos estradeiros (uma espécie de andarilho) sabemos muito bem o que é viajar falando sózinho dentro de um carro, cantando canções que o rádio toca e pensando na vida enquanto o destino não chega. E assim sendo, somos observadores do que se passa na margem da estrada. Achei maravilhoso o trabalho do professor de Assis e fiz a denúncia aqui do triste papel das concessionárias, insensíveis dentro da crueldade do dia a dia de um estado neoliberal que nos conduz cada vez mais para o consumo, o belo, rejeitando o diferente. Nossa percepção veio dessa sensibilidade social adquirida nos bancos escolares, coisa de quem estudou Humanas e v~e o mundo cada vez mais desumanizado.
Henrique - direto do mafuá
Henrique
ResponderExcluirTô de cara ... confesso que por não ser adepto do hip hop, 'fui meio que' sem fé para o clip, e fiquei orgulhosíssimo ao ver o cenário da cidade servindo de fundo para um clip tão legal. Devido a já ter sido dependente de crack, álcool e cocaína por 20 anos, e ser produtor de TV, eu já tinha pensado em fazer um Blues, justamente na linha do trem, na Estação Ferroviária e viaduto da Treze ... e claro ... com esse tema, exatamente. Agora, se um dia eu vir a fazê-lo mesmo, já terei como referência um super trabalho anterior. Parabéns de coração àqueles que participaram da produção, e muito obrigado a todos por nos ajudar na ingrata missão de esclarecimento da população, sobre essa pandemia que assola o Brasil. E um abraço, e 24 horas, para todos os irmãos em recuperação. Assim Seja.
Paul Sampaio Chediak Alves
Henrique
ResponderExcluirEu acho que conheci a Sthepany. Ela não morou em Tibiriçá. Fiz uns trabalhos por lá de assistencia social e se não me engano ela morava numa casinha muito simples com a mãe e a avó. Dava trabalho, pois havia voltado se São Paulo, mas estava tudo sob controle. Conversava muito com sua avó, uma senhora boníssima que fumava fumo de corda e guarda tudo numa caixinha, picadinho, pronto para enrolar o cigarro. Muito triste.
Aurora