segunda-feira, 3 de março de 2014

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BRASILIANA - O bloco na rua - Cresce em São Paulo a adesão à folia libertária que exige pouco ou nenhum investimento

por Ana Ferraz  — publicado 02/03/2014

Não faz muito tempo, Carnaval de rua de paulistano era mote de chacota de carioca, a dizer que por aqui bloco era de concreto e cordão só se fosse de isolamento. Era quase verdade. Para dar o troco, retroalimentar a rivalidade ou apenas se divertir, a folia descompromissada, que exige pouco mais que alegria e disposição, começou a ganhar fôlego. Do ano passado para este, o número de blocos oficialmente cadastrados pela Prefeitura de São Paulo saltou de 60 para 172. Temáticos, irreverentes como pede o folguedo ou talhados para servir de vitrine a finórios bem-nascidos, os blocos invadiram as ruas no fim de semana que precedeu o Carnaval e prometem arrastar multidões na data oficial.

Carnavalesco de quatro costados, batuqueiro reverenciado, Osvaldinho da Cuíca analisa o fenômeno com o olhar de quem participa do cenário há quase 60 anos e ostenta com orgulho o título de Cidadão Samba Paulistano. “Os blocos vão engolir as escolas de samba, que estão com dificuldade até de vender fantasias, pois, além de caras, engessam o sambista. Enfiam o sujeito num escafandro e ele tem de se arrastar pela avenida e seguir o esquema. É um sacrifício e uma exploração.”

Folião ardoroso, o músico louva o bloco nos moldes tradicionais, em que não se gasta nada, basta uma calça branca e algum gingado diante da batucada descontraída, com andamento que não obriga ninguém a apressar o passo para cumprir o horário do regulamento.

Na semana passada, Osvaldinho, como de costume, apadrinhou blocos que participaram da Pholia na Luz, no Centro. “É um fenômeno espontâneo, sem restrições. A bateria é menor, seu trabalho aparece, você vê a alegria genuína do povo. O bloco Império do Morro saiu com 30 cuiqueiros, coisa que não existe em nenhu- ma escola de samba.” Batuqueiros como ele, diz, estão migrando para a liberdade dos blocos. Animado, Osvaldinho cogita ressuscitar o cordão Ziriguidum, que fundou em 2000. “Acabou porque cresceu, eu não tinha dinheiro para bancar e não quis me filiar a ninguém.”

Situado entre a contemporaneidade e a tradição, o bloco Nóis Trupica Mais Não Cai sai durante o dia, em clima familiar, e cessa a festa quando a noite chega. Fundado em 2010, a partir de outra agremiação, Os Trutas, de 2005, privilegia as marchinhas. No desfile pré-carnavalesco pelas ruas de Vila Madalena, atraiu ani- mada multidão. A algazarra foi bem até que um motorista alcoolizado resolveu ter muita pressa e não esperar os foliões retardatários liberarem as ruas. Acelerou a Pajero e atingiu dez pessoas. A Companhia de Engenharia de Tráfego avalia que a região tenha recebido cerca de 10 mil pessoas em momentos diferentes e anunciou reforço na segurança nos próximos dias.

“Uma hora após a passagem do bloco, o motorista atropelou as pessoas. Ocupamos o espaço de forma consequentee ordenada, em cinco anos de atividade não temos registro de violência”, diz Gustavo Melo, um dos idealizadores do Trupica.

O bloco, assim como outras 39 agremiações, é signatário do Manifesto Carnavalista, surgido em 2011 para reivindicar apoio do poder público para ga- rantir segurança e organização do trânsito. A situação melhorou, faixas foram colocadas no percurso e a PM acompanhou a festa sem interferir. “Mas tivemos dificuldades de logística. Garantimos a limpeza das ruas e firmamos patrocínios para banheiros químicos.”

A falta de hábito de ver as ruas cheias de foliões levou muitos paulistanos a registrar a algaravia por meio de fotos publicadas nas redes sociais. Não é sempre que a Vila Buarque é invadida por comunistas de camiseta vermelha a brandir foices e mar- telos (de plástico). É o Bloco Soviético, surgido há um ano durante tertúlias de botequeiros contumazes. No repertório, A Internacional em ritmo de samba e paródias de marchinhas. “O bloco é uma ironia, não temos pretensão política nem partidária”, esclarece Julianna Granjeia.

Enquanto os comunas avançaram pelo Centro, brincantes na Avenida Sumaré cantavam You say you want a revolu- tion. Pode soar estranho, mas o bloco do Sargento Pimenta, importado do Rio de Janeiro, mistura Carnaval com Beatles. No Centro, abrigo de baladas descoladas, o Acadêmicos do Baixo Augusta cantou a paz e o amor e trouxe Alessandra Negrini como rainha de bateria.

Nos Jardins, a banda Gueri-Gueri arrebanhou socialites, artistas, modeletes e aspirantes, boa parte com a camiseta exclusiva vendida no Shopping JK Iguatemi. De shortinho de paetês, a madrinha da bateria, Adriane Galisteu, distribuiu sorrisos e fez pose com convidados da nobreza paulistana, como o conde Chiquinho Scarpa. Radiante, Roberto Suplicy explicou a um site que a iniciativa de trazer o bloco para as ruas após dez anos de inatividade foi da herdeira, Fernanda, sobrinha do senador Eduardo Suplicy. Com a candura dos ditosos, o patriarca relembrou como a agremiação nasceu, em 1986, em seu bar, o Supremo. “Pusemos uísque e champanhe numa Saveiro e saímos tocando pela Oscar Freire.”

DEPOIS DESSE TEXTO DA CARTA CAPITAL, REPRODUZO A REPERCUSSÃO AO NOSSO: 
1) ENTRELINHAS, Jornal da Cidade, edição de ontem, 02/03 - Inspirador: Trecho da marcha entoada pelo bloco “Bauru Sem Tomate É Mixto” faz referência direta ao comentário do médico e vereador Raul Gonçalves de Paula (PV), segundo o qual médico não trabalha por mixaria. O parlamentar achou graça ao saber que suas palavras serviram de inspiração. Diz ter razão, já que a administração municipal continua com dificuldade em contratá-los por conta dos baixos salários oferecidos. Concorda também que médicos cubanos, assim como a maioria dos brasileiros, ganham mixaria.  
2) Tradicional bloco faz crítica social - Caderno Geral, edição de domingo, 02/03 -
‘Bauru Sem Tomate é Mixto’ atraiu gente de todas as idades para o desfile que saiu da Praça Rui Barbosa e percorreu o Calçadão da Batista - Luciana La Fortezza, Jornal da Cidade:


Toda de vermelho, vestida de “Havana cubana”, em menção à polêmica réplica da Estátua da Liberdade instalada por uma loja de departamentos na entrada de Bauru, Tatiana Calmon dispara: ‘Carnaval não é alienação’.

A frase simboliza bem o tom adotado pela maioria dos foliões do bloco “Bauru Sem Tomate é Mixto”, que desfilou ontem pelo Calçadão da Batista de Carvalho.

Com críticas, ironias, sátiras e, principalmente, bom humor e alegria, os foliões se concentraram sob o sol e o calor do meio-dia, na Praça Rui Barbosa, onde também juntaram as vozes para cantar a “Marchinha Bauru, Alegria sem Mixaria”, composição de Tatiana com Silvio Selva.

“Nosso bloco vem com esse conceito desde o ano passado, de brincar sem deixar de fazer a crítica àquilo que está acontecendo de ruim na cidade”, acrescenta a “Havana cubana”.

Para “derrubá-la”, Guilherme dos Reis Pereira, o conhecido Tio Gui, trouxe de casa um rodo. Pudera fosse fácil assim resolver a polêmica em torno da estátua local. Em clima de descontração, pessoas de variadas idades e perfis, entre elas artistas, petistas, militantes e simpatizantes de esquerda, por exemplo, seguiram o bloco.

Também esteve presente o pré-candidato tucano a deputado federal, Ricardo Carrijo, cuja família sempre foi ligada ao Carnaval de Bauru. “Acho muito legal essa proposta de fazer crítica. É a essência do Carnaval em muitos lugares do Brasil, onde (a festa) é usada como oportunidade para reflexão e crítica social”, afirmou.

Cuba
Muito mais comedida, sem interesse em críticas de qualquer natureza, também participou do bloco “Bauru Sem Tomate é Mixto” a médica cubana que trabalha em Agudos, Jackeline Josephs.

Ela disse ter aceitado o convite de participar da brincadeira. Com postura tranquila e reservada, desejada por Dilma Rousseff e os irmãos Castro, a clínica geral afirmou estar gostando do trabalho no Brasil, país onde já conquistou o carinho e o respeito dos pacientes.

Ela foi convidada a participar do evento por Darcy Rodrigues, que permaneceu exilado em Cuba por 10 anos. Ele deixou o Brasil após abandonar a carreira no Exército para lutar contra a ditadura militar. Todos eles participaram do bloco que prestou homenagem a Esso Maciel. Vestido de onça, o artista plástico foi padrinho da bateria e puxou o “Bauru Sem Tomate é Mixto”, que atraiu dezenas de pessoas.

“É uma honra. É o bloco mais alegre, mais maluco, mais ‘f’. É o que mais tem a ver comigo”, bradou. Por conta da irreverência, o grupo chamou atenção do público no entorno, como é o caso de Tatiana e Letícia Batista, mãe e filha. Ambas acharam interessante a proposta e pediram até a letra da marcha.

“As pessoas me perguntam se as críticas são ao prefeito. Não. São problemas que existem no dia a dia, nenhum prefeito vai acabar com todos. Me perguntaram por que a gente não fala do mensalão, mas tem tenta coisa próxima, em volta da gente, que demora muito chegar até Brasília. Aliás, intelectualmente falando, Dostoiévski já dizia que temos de falar da nossa aldeia”, conclui o também autor da marchinha, Silvio Selva.

3) SAMBA, SUOR E CERVEJA - Bloco na rua faz do protesto uma festa - Ontem foi dada a largada do Carnaval de Bauru com o desfile do bloco 'Bauru sem Tomate é Mixto' no calçadão - publicado no BOM DIA BAURU, edição de ontem, 02/03 - jornalista Gabriel Duarte

Já passava das dez da manhã e o grupo, aos poucos ia crescendo. E quem passou pelo Calçadão da Batista não conseguiu ficar indiferente. De camisetas vermelhas e muita animação, o bloco 'Bauru sem Tomate é Mixto', pelo segundo ano consecutivo, abriu o Carnaval no coração de Bauru.

Ao meio-dia o bloco atravessou o centro comercial da cidade entoando "o viaduto não terminou, a verba estourou, lá na Cohab a casa caiu, dívida cresce e o dinheiro já sumiu", trecho da marchinha do desfile deste ano.

No bloco, onde "vem quem quer, vem todo mundo" é assim: a folia anda de mãos dadas com o protesto, sem nunca deixar para trás a alegria.

"É muita imoralidade que está acontecendo em Bauru", opina a aposentada Eliza Carulo,68, que acompanhou o bloco ontem. "É um pouquinho de sátira com os 5,7% de aumento que foii oferecido aos servidores da cidade, um disparate", reclama.

É falta de água, são muitos os problemas", afirma Valdir Ferreira de Souza, 51. Um dos foliões, para ele juntar Carnaval com protesto está mais do que certo. "Eu acho excelente, o povo tem que fazer isso mesmo, colocar o bloco na rua".

O vereador Roque Ferreira (PT), também acompanhou o desfile. "É muito bom esse tipo de manifestação, era o que também fazia quando era de escola de samba", afirmou.

Entre protestos, alegria e confetes, Esso Maciel, a onça, vinha na frente do grupo. Não era para menos, esse ano ele foi o "madrinho" do bloco. E o que fazer para animar os foliões? "Nada, a galera já é muito animada durante o ano todo", disse.

2 comentários:

  1. ENGAJAMENTO - TRANSCRIÇÃO DO PING PONG COLUNA LIVRE PENSAR, PRODUÇÃO DO JORNALISTA LUIS VICTORELLI, publicada edição de hoje no Jornal da Cidade Bauru:

    Com quem?
    Ana Bia Andrade

    Quem é?
    Professora da Unesp de Bauru e doutora em Design. Membro e foliã do Bloco Carnavalesco bauruense “Bauru Sem Tomate é Mixto”.

    Como surgiu a ideia de criar o bloco?
    Vindo para Bauru, 4 anos atrás, conheci o HPA (Henrique Perazzi de Aquino) e ele acabou me introduzindo nisso tudo. Não entrei de gaiata no navio e sim, caí de cara no meio de gente que instiga algo diferente sobre Bauru pelas 24 horas do dia. O bloco nasceu da cabeça de gente irreverente, antenada com os questionamentos todos desse mundo atual, uns que gostam de festar e de até nesse período continuarem se posicionando.

    Uma folia engajada...
    A proposta é festar e aproveitar esse momento para não deixar de lembrar de nossos problemas, que são muitos. União do útil ao agradável.

    Quem pode participar?
    A participação é a mais ampla possível. O que não pode é vir com preconceito, racismo, intolerância e mau humor. Do restante, tudo é permitido.


    Luís Victorelli

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  2. Adorei esse texto ;)
    Letícia Ravanini

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