quarta-feira, 4 de junho de 2014

MEMÓRIA ORAL (162)


BORBOREMA, UM TIME DE BAIRRO RESISTINDO COMO DANTES
Em plena efervescência todos os campeonatos amadores de Bauru, ocupando todos os campos distritais da cidade. Pela Liga de Futebol Amador, 20 times na Primeira Divisão e mais 20 na Segunda, depois mais outro tanto na Liga da Copa Semel, a da Secretaria de Esportes e Lazer da Prefeitura. Campos sendo utilizados até a exaustão e times dos mais diferentes bairros, empresas, grupos, instituições e conglomerados. Dentre esses todos, uns mais abastados, pagando cachê para que jogadores entrem em campo, outros ainda não e também aqueles que insistem que isso não deve ocorrer, fazendo uso de antiga formatação dos varzeanos de antanho, ou seja, o envolvimento do atleta com a bola deve ser com a sua comunidade, o amor não só pelo futebol, mas pelo jogar, por estar em conjunto, junto aos seus, gente próxima de um mesmo bairro. Isso é ainda possível? Sai à busca de uma experiência nesse sentido.

“Remar contra a maré”, esse parece ser o lema do Borborema Atlético Clube, o novo BAC bauruense, time criado em 2008 por Mauro Dias Borborema, 57 anos, um místico dentro do esporte, tendo fincado a sede em sua residência, onde também funciona um bar, no coração do jardim Novo Bauru, proximidades do jardim Redentor. “Nosso lema era até pouco tempo ‘Nasce um novo BAC em rua sem asfalto’, só que o mesmo chegou aqui há um mês”, conta seu idealizador, presidente e uma espécie de faz tudo por lá. O Borborema (o time, não seu mentor) é um bom exemplo de como sobrevive o futebol amador nos bairros bauruenses. Vive e sobrevive da paixão de seu fundador e de uma legião de pessoas com a mesma mentalidade, todos mais ou menos próximos, irmanados pelo gosto de gostar de futebol. A história vivida ali é a de uma paixão, uma chama que não quer se apagar.

Fui conhecer como são os preparativos da equipe antes de ir a um jogo do campeonato patrocinado pela SEMEL. Nesse campeonato não existe o pagamento de taxa de arbitragem, nem de inscrição, só a equipe seguir as regras da competição, colocar o time em campo e fazer o que está prescrito nas regras do jogo, jogar bola. Na manhã de um domingo, 01/junho, antes das 9h lá estava para ver como se juntavam os atletas. Na recepção as camisas estavam todas penduradas num varal onde antes era um balcão do bar e numa mesa em frente um café da manhã era distribuído a todos. Pão com manteiga, leite e café, tudo conseguido com pequenos patrocínios. “Numa semana é a padaria que nos ajuda, noutra o açougue, alguém que doa uma grana e assim tudo é feito, nunca ficamos sem o café e depois do jogo um almoço com bebidas”, conta Paulo Mangaba, 37 anos, técnico do time e durante a semana cabeleleiro num salão ali nas imediações. “No amador não existe treino, nem como treinar. Fazemos alguns amistosos antes do campeonato, entroso o time e daí é jogo em cima de jogo. Aqui é a sede, o time é do Mauro, hoje nosso jogo é às 10h10,m o pessoal começa a chegar as 8h, faz o café e depois distribuo as camisas”, me diz.

Acompanho tudo e Mauro faz questão de citar os patrocínios do dia, da Padaria Padoka e do Açougue Costela de Ouro. Paulo me diz que o time é constituído por 25 atletas e 5 diretores e que todos estão ali muito pela amizade dele e dos demais com o futebol e o bairro.”Tem time que o jogador ganha por partida e estão atrás da gente. Tem quem gaste R$ 1 mil reais por semana e não correspondem. Os top gastam de R$ 1.500 a R$ 2 mil, pagando de R$ 100 a R$ 150 por jogador, já o nosso prpósito é manter a estrutura dessa forma. Não vou pedir dinheiro por aí para pagar jogador, peço para manter o time vivo, aí sim”, explica Paulo.

Quem chega junto do filho é Claudinei Mesquita, 39anos, o quarto zagueiro Nei, construtor durante a semana e jogador há uns 20 anos, tendo jogado no Milan, por 17 anos e também no Juventude. “Amizade em primeiro lugar, isso nos une e nos faz estar aqui toda semana. Vejo muitos no meio da semana, no society, no salão e depois aqui. Tudo isso nos une”, me diz. Pergunto sobre a festa depois do jogo e explica: “Toda semana fazem uma comida diferente para a gente, depois do jogo o churrasco e a cerveja unem mais ainda. Perdendo ou ganhando, voltamos para cá, os torcedores vem junto e muitos ficam até tarde. Eu vou para casa por volta das 14h, mas tem quem passe boa parte do domingo aqui”, conta. Vejo uma vã estacionada ali ao lado e ele me diz que ela busca e leva torcedores e jogadores, mas também quem tem carro próprio ajuda, as lotações vão sendo montadas ali na hora.

Quem faz esse transporte de vã é Tiago Alves, 25 anos, proprietário da empresa brito Vans, prestando serviço durante a semana no Wal Mart e Confiança, morador do Geisel, ali perto e além de jogador, fez uma parceria de ajudar na condução. “Veja isso aqui, como não colaborar com algo tão gostoso. Enquanto isso aqui existir dessa forma, calor humano de todos, além de gostar de jogar, quero que mais e mais pessoas possam nos acompanhar. Naquele dia não pegou uma das camisas distribuídas pelo técnico, pois ainda estava com a boca inchada, resultado de uma ida ao dentista dias atrás, mas confirma que para a próxima semana estará tinindo e pronto para jogar.

Uma das que logo se acomodam na van é Tereza Bispo Santos, 47 anos, doméstica e considerada por todos como a torcedora símbolo do time, dessas que não perde jogo, faça sol ou chuva. “Nem me recordo dos jogos em que não estive presente. Estou em todos e vou sempre de van. Todos aqui me respeitam e compro discussões por causa deles todos. Isso é paixão. Além de tudo, dou também minha contribuição com um pequeno patrocínio dentro de minhas possibilidades, uma ajuda para o meião e até mesmo para os re3médios”, diz pouco antes de se acomodar na van, na janelinha, diga-se de passagem, quando todos já estão ocupando seus lugares, pois o jogo do dia ocorreria na vila Dutra, do outro lado da cidade.

Os grupos vão se desfazendo pouco a pouco. Os carros vão sendo lotados, todos já tomaram seu café, as conversas foram colocadas em dia, o técnico falou algo mais nos ouvidos de um e outro, o barulho dos motores acelerando, prontos para a partida é a deixa para os atrasados correrem. Mauro acompanha tudo e nada parece escapar de sua aguçada olhada de soslaio. Outros dirigentes o ajudam, Paulo idem e por fim, sempre surgem alguns atrasados que são enviados meio que às pressas em outros carros. Numa casa em frente reside Kelly Cristina Luchetti, 24 anos e me diz: “Eles não criam problema nenhum para a gente. Movimentam isso aqui, dão vida e alegria para o lugar. Nenhum problema, no final acabamos ficando alegres junto com eles quando ganham e tristes quando perdem”.

Quando a maioria já se foi Mauro me chama para a cozinha. Num panelão arroz branco e noutra carne de galinha. “Eu acordo em dia de jogo umas 4h30 da manhã e começo a preparar tudo. Ganhamos as galinhas e hoje vai ter galinhada”, me mostra juntando o conteúdo das duas panelas numa só e me fazendo provar. Marinalva Alves Ferreira, 52 anos, a esposa, não aocorda junto dele, mas assume a cozinha quando ele vai ao campo. “Isso aqui é uma coisa que ele gosta e eu não vou empatar, NE! Eu acabo me envolvendo. É do coração dele e os meninos são tudo gente boa, não merecem serem destratados”, me diz e logo a seguir tomo também conhecimento ser ela a tesoureira do time, a “que prende e manda soltar” por ali. O lugar já está quase vazio, resta Mauro dar os últimos retoques na cozinha, para tomar rumo ao campo de jogo, em mais um jogo do seu Borborema.

Na calçada quem o espera no último carro da trupe está Mauro Silva, dirigente e jogador veterano do time, funcionário aposentado do Almoxarife da Prefeitura, morador de outro bairro ali perto, o Tangará. “O amador de hoje não é a mesma coisa de antes, antes mais amável, mas o bacana é ver que algo ainda resiste. A molecada gosta muito do Paulo, ele faz um esforço danado para trazer a molecada para cá, livrando eles de coisas ruins. Tem até que livrar da balada no sábado, pois do contrário não consegue jogar no domingo”, me diz e logo a seguir saem em disparada, deixando a rua deserta até o retorno, que naquele domingo ocorreu por volta das 13h. Depois fico sabendo, o Borborema perdeu de 1x0 para o Ressaca e está no momento, dentre 17 times em 11 lugar na tabela de classificação. Não sei como foi o retorno, mas pelo que me disseram não sobra nada de comida e Mauro já estava pensando numa lazanha para o próximo domingo, mas isso vai depender se o patrocínio esperado vingar a contento.

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