sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

MEMÓRIA ORAL (172)*


*Eis a primeira história do ano, ouvida no ano velho, mais precisamente em Natal RN, na tarde de quinta, 11/12/2014 e aqui transcrita hoje.

“QUEM FAZ A REVOLUÇÃO É O EXCLUÍDO” - OSÓRIO RESISTE E FAZ DO CAFÉ SÃO LUIZ O SEU REVOLUCIONÁRIO ESCRITÓRIO NO CENTRO DE NATAL RN

O centro de qualquer cidade possui uma agitação, movimento para lá do normal, concentração desmedida de pessoas. Em Natal, a capital potiguar, dentre os muitos populares locais, concentração natural de pessoas para o bate papo diário, o Café São Luiz, na rua princesa Isabel, esse o mais agitado. Impossível circular pela calçada e não sentir certa atração pelo burburinho dali proveniente. Senti isso na pele e despretensiosamente fui atraído por uma conversa, ou melhor, um discurso sendo proferido por um senhor magro, espevitado e para duas pessoas à sua frente. Parei para ouvi-lo mais de perto. Não é todo dia que alguém discute filosofia na beira da calçada. Assuntei e ali fiquei atraído pelo magnetismo do personagem. Foram quase uma hora de boa conversação e dela acabou saindo a história de tão imantada pessoa. Falo de OSÓRIO ALMEIDA, escritor, desenhista, comunista, torcedor do Botafogo RJ, macrobiótico e uma porção de outras coisas. Com um poder de atração muito grande, a história pipoca em cada frase e transpira pelos poros de tão espevitada pessoa.

“O Japão fabrica motos e as distribui para o mundo todo, mas não quer moto em seu território. Manda tudo para países periféricos. Pode perceber, eles não toleram esse modelo de mobilidade urbana”, diz numa de suas falas. Tudo o que diz é meio polêmico e gerando ampliadas discussões. Algumas vezes fala para as paredes, mas em outras junta pessoas, agrega em torno de si os muitos a fim de papear pelas ruas. Com uma pasta na mão revende seus livros, todos do tipo brochura e com títulos dos mais instigantes. “Capetalismo: um regime do capeta”, “O espírito de nossa época” (com uma manada de boi na capa, esse o referido espírito do mundo atual, segundo ele) e “Alguns temas atuais” (com uma capa de alunos cubanos com o tradicional uniforme vinho). “Meu caro, não se deixe enganar, quem faz a revolução é sempre o excluído. O incluído quer sempre é aumentar a sua própria inclusão dentro do sistema capitalista. Tome cuidado para não cair em armadilhas de alguns progressistas dos dias atuais”, me diz olhando para uma movimentação ali no citado café.

Aliás, do aglomerado de pessoas em torno do café possui restrições mil, mas dali não arreda pé. Encontrou ali o seu palco, mesmo com as reservas todas de tudo o que ouve e sabe estar sendo tratado em algumas de suas mesas. “Isso aqui é o maior antro de toda cidade. Poucos se salvam, mas aqui permaneço, pois a cada dia encontro gente igual a ti, querendo ouvir o que esse velho ainda tem de bom para ser dito”, me diz. Antes que tivesse tempo de respirar, salta mais uma para que o conheça melhor: “Quer saber algo mais de mim? Vá ao youtube e clique Planeta Osório. Vai ter uma pequena noção de quem sou e dos meus aprontamentos todos”. Na seqüência indica um imprescindível filme, desses que, segundo ele, ninguém pode morrer sem ter assistido, o Capitães de Abril, sobre a Revolução dos Cravos em Portugal. “Se quer saber, por aqui vai se suceder do mesmo jeito e ainda quero estar vivo para presenciar a reviravolta. Eu faço a minha parte e só para ter uma idéia quero cadastrar toda Natal com o clube criado por mim”, diz em alto e bom som.

Clube? Ao perceber meu espanto, saca dos bolsos uma espécie de carteirinha e me entrega uma delas. “É sua. Crie uma filial na sua cidade. O Clube dos Excluídos é tudo o que precisamos para fazer a revolução”. Do outro lado da carteira uma lapidar frase de Lênin, retirada do livro O Estado e a Revolução: “É mais agradável e proveitoso participar da experiência de uma revolução do que escrever sobre ela”. Osório vive em função da concretização desse seu sonho de vida, ver a revolução socialista definitivamente implantada e em curso no país. “Já imprimi mil e quando acabar esses, rodo mais quatro mil, depois mais e mais. Para ter mais condições de continuar expondo essa idéia revolucionária preciso chegar a vereança na próxima eleição e já criei uma estratégia para atingir dez mil votos”, revela seus planos futuros. “Existe, meu caro a direita envergonhada, uma que mascara de esquerda, que é a trotskista. Eu sou stalinista e por causa de minhas idéias já tentaram me tirar daqui das ruas, mas não conseguem, pois finquei uma bandeira aqui”.

Na contracapa de um dos seus livros uma foto dele ali no centro de Natal, décadas atrás e ao lado de Luiz Carlos Prestes, o famoso líder comunista. Embaixo da foto a frase que cunhou como a mais adequada como legenda, “A vida é dura para quem é mole”. O Clube dos Excluídos é só o começo, pois em mente a formação de um novo partido político, o Partido da Nova Esquerda (“porque esses partidos da velha esquerda só envergonham o país”) e para tudo vai citando frases e seus autores. Para o espírito do novo partido tem uma do psicoterapeuta José Angelo Gaiarsa na ponta da língua: “Não há melhor educação, nem melhor terapia do que a companhia de gente feliz”. Para ele o significado de gente feliz é com o atendimento de suas reivindicações e daí, dá-lhe uma do poeta Virgilio, bem antes da passagem de Cristo: “Cada um de nós tem um gosto que nos arrasta”. Ele mesmo emenda a continuação da frase: “Tem gente que é arrastada pelo dinheiro, outros não”. Tudo isso extraídos dos seus livros e para comprovar a eficiência dos mesmos dá uma demonstração de que tudo o que diz é a mais pura verdade dos fatos: “Quando vendo meus livros, digo sempre ao comprador. Se encontrar uma mentira, pago um real cada uma. Até agora não pareceu ninguém para me cobrar esse um real”.

Osório, como percebem é envolvente, mas nesse texto ainda falta algo dele. Falta o seu perfil, suas origens e daí a trajetória até os dias de hoje. Nasceu em São José de Campestre, interior do RN em 1947, chegando à Natal aos 13 anos. Em 68 foi ser ator como forma de terapia para a timidez. Foi quando conheceu a cidade do Rio de Janeiro, indo para uma atividade teatral e por lá permanecendo. Quatro anos vividos intensamente, até botar o pé na estrada e tornar-se hippie. A contracultura o arrebatou e por dois anos andou de um lugar para outro, chegando até a Argentina. Voltou para Natal após seis anos andarilhando e tornou-se comunista, pois na casa onde se mudou existia uma abandonada biblioteca de esquerda. Foi paixão a primeira vista. Magro, óculos fundo de garrafa na cara, boina revolucionária na cabeça, bolsa 007 no ombro, tornou-se figura popular por revender seus escritos pelas ruas. O que faz, segundo ele próprio, o motor de sua vida é difundir suas idéias revolucionárias, as que transformarão o país. “Há 34 anos transformei o banco da praça defronte o São Luiz no meu escritório. É aqui que encontro as pessoas, converso, discuto política, a Brasil, a história mundial e os fatos que ocorrem no Rio Grande do Norte e no planeta”, disse certa vez numa entrevista concedida para Enéas Cesário.

Na verdade, Osório vai cavando trincheiras, pequenos portos de onde possa ir divulgando a sua receita de salvação do planeta. Vive para escrever e divulgar suas idéias. Faz isso ininterruptamente e por todo o dia, bastando estar acordado para estar conspirando contra o capitalismo. O jeito inusitado, folclórico para alguns sempre é merecedor de matérias em periódicos variados. Muitos que o analisam e a maioria, a grosso modo o consideram excêntrico, uma figura para ser mantida, preservada, mas não o levam muito a sério. Mas tudo o que diz e escreve é muito sério. “O mundo é que está de pernas para o ar. Eu continuo muito lúcido, mas a maioria das pessoas, não. Estou fora da política partidária. Não dá mais para estar em nenhum dos atuais partidos. Tudo virou uma espécie de geléia geral, portando, podem me considerar um comunista autônomo”, afirma. E para repassar suas idéias vai criando seus meios, ora imprime um panfleto (um deles chama-se Tudo Já), em outros os livros (“tinha uma senhora da alta sociedade que bancava as impressões para mim, mas ela morreu e hoje tudo está bem mais difícil”), entrevistas e por fim, no falatório diário ali no Café São Luiz.

De sua inseparável pasta e ao sabor dos expectadores vão sendo retirados papéis e mais papéis. Ciente de que a pessoa está atenta ao seu inflamado, contundente e verossímil discurso, tudo pode sair daquele reduzido espaço. Inexplicável como cabem papeis por ali e segundo ele, a renovação do estoque se dá somente uma vez ao dia e nada mais. Dali saem seus livros, as versões dos panfletos, cópias de entrevistas, as carteirinhas do Clube dos Excluídos e dependendo do assunto, sempre um algo mais. Osório é incansável no que faz. Vive com muito pouco, mas sonha alto, com um mundo mais justo, onde a desigualdade desapareça e no seu lugar, a justiça social possa ser de fato implantada. Pela forma convincente com que fala, eu ali fiquei, ouvi tudo atentamente, li seus escritos todos, concordei com a maioria e discordei do excesso de pragmatismo em outros. Mas de uma coisa não tenho como discordar, o mundo precisaria de muitos iguais a esse Osório para se aprumar novamente, deixar de ser tão materialista e tentar ao menos olhar para o semelhante à sua frente em pé de igualdade. É por causa disso que Osório não sai das ruas, ele acredita na possibilidade disso tudo um dia vir a ocorrer.

3 comentários:

  1. Henrique

    Feliz ano novo para ti e todos os seus.
    Suas histórias são sempre muito saborosas.
    Estou em Bauru até domingo, vamos nos ver da Feira do Rolo. Faz um tempão que não volto para lá. Não quero perder o oportunidade de passear lá antes de viajar.

    Gostei demais do texto desse senhor.
    Conheci alguém muito parecido com ele, um revolucionário das antigas, quase da mesma idade e pregando nas ruas, se não me engano ferroviário.
    Acho que o motivo de minha escrita foi para salientar algo que percebi com o texto. Existirão revolucionários com esses ainda hoje? Dentre os velhos, os que já estão abandonando esse mundo ainda alguns e resistindo, mas entre os joven, essa mentalidade predomina ou tudo está perdido.
    Não vejo mais esse espírito revolucionário impulsionando as pessoas.

    Essa minha tristeza e acredito, também a sua.
    Paulo Lima

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  2. Muito legal o seu texto, não entendo muito de comunismo e socialismo mas fiquei com vontade de conhecer esses livros e o próprio Osório! Continue assim!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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