sábado, 31 de outubro de 2015

COMENDO PELAS BEIRADAS (07)


EM BRASÍLIA DF, SALVO POR UM TAL DE “PAULICÉIA”
Brasília, a capital federal é uma terra sui generis. Viver por lá não deve ser nada fácil. Todas as vezes que passei por lá, senti uma grande dificuldade de locomoção, tudo muito distante, acessos praticamente impossíveis a pé. Uma cidade toda pensada para o bicho carro. Aqueles imensos conjuntos, tudo devidamente divididinho, juntados de forma separada (sic), ou seja, não misturando as bagunças todas existentes em todos os demais lugares país afora. Aquela sisudez, anexa ao ar seco, calor intenso, torna a cidade pesada, mas quando acrescida do fato político, daí atinge índices estratosféricos de inapetência, falta de ar, muito além do rarefeito. A grosso modo, principalmente para o visitante que vem pela primeira vez ou passa curtos períodos, uma cidade de difícil trato.

Mas qual a saída? Como amenizar isso? Conto uma, ou melhor, duas. Primeiro que, Brasília não é só ela, pois suas cidades satélites são bem diferentes daquela organização que, pensada lá atrás, deu certo só em partes. Nas demais cidades da Grande Brasília, a cara mais permeável do Brasil misturado, temperado e malemolente. Mas quando centro o foco somente nela, o perímetro urbano por ela delimitado, escarafuço a existência de saídas além daquelas amplas avenidas. Algumas conhecidas. Sempre ouvi dizer maravilhas de seus bares. Acredito serem eles a válvula de escape daquele negócio com as engrenagens meio travadas. A vida humana na sua essência pulsa nas transversais da cidade, nos cantinhos mais inesperados, em espécies de oásis embutidos no seu intestino, feito um imenso armário e nele algumas gavetas cheias de maravilhamentos. É isso que salva uma cidade.

Em setembro passei alguns dias por lá num congresso acadêmico. Na escolha do hotel, da rede Bittar, o Grand Bittar Hotel, na SHS qd5 DLA, numa área só com hotéis, nada de bares, um shopping ao fundo e um posto de combustível com uma loja de conveniência de gosto discutível. Mas como se safar disso? Tivemos sorte (eu e Ana Bia, minha companhia na maioria das andanças mundo afora). Na chegada, por pura sorte, demos de cara com uma convenção de reciclagem do programa Mais Médicos e circulando pelo hotel, em dias alternados, quase todos os cubanos trabalhando no país. Foi o que nos fez encarar o entorno com maior leniência, afinal, o bom mesmo estava no hotel. Conviver com os cubanos foi algo pra lá de bom. Trago excelentes recordações deles todos.

Mas o que fazer além do programa acadêmico? Afinal, ninguém vai para um Congresso só para somente se ater ao roteiro do mesmo. Respirar é preciso. Bebericar algo, idem. Famoso em Brasília e com histórias correndo país afora o fato da cidade receber o justo título de Cidade do Choro. Conhecido de todos o fato da grande concentração de músicos chorões e nesse quesito, nada melhor do que conhecer, botar os pés no lugar onde a referência está melhor representada, o Clube do Choro. Como ir lá e não conhecer o tal lugar? Seria o mesmo que ir a Roma e não ir espiar a janelinha do papa. Fomos numa noite de segunda, casa não tão cheia, inscrições musicais por todos os lugares, gente tocando já no hall de entrada, uma escola de choro e um grupo da cidade se apresentando a partir das 21h.

Lugar para esquecer que do lado de fora está a tal Brasília, tendo que conviver com gente como os Eduardos Cunhas, hoje, infelizmente, predominando por tudo quanto é lado. Ali vi poucos desses, pois acredito que esses mais abilolados nem gostem de música de qualidade, muito menos de cevada (ainda bem). A fina flor musical no palco, mas cervejinha só em long neck e um tanto cara. O show acaba, estava numa segunda e tudo se finda. Um lugar difícil de chegar e mais difícil de sair, ainda mais depois das 22h, localizado no Setor Divulgação Cultural Bloco G, Eixo Monumental, para mim incerto e não sabido, mais desencontrado que encontrado. Só de carro, no nosso caso de táxi . Não queríamos ainda ir para o hotel. Lembramos de uma dica dada pela moça que nos vendeu o ingresso do show. Quando lhe perguntamos de um lugar mais maneiro, um verdadeiro botequim candango, ela nos disse algo assim: “Vou dar uma dica, é do meu namorado, o Raul Filho, chama-se Paulicéia, botequim mesmo e na Asa Sul 123. Acho que vão gostar”.

Pronto foi o suficiente. O táxi no deixou na porta. Ao descer o achava com cara de restaurante meia boa, mas ao adentrar espiei as paredes e nela vi quadros e inscrições variadas e um jovem barbudo detrás do balcão, o tal Raul e lá no fundo um quintal. E nesse quintal, mesas debaixo de árvores e quase aos fundos de um dos conjuntos residenciais. Achamos o que queríamos. Foram dois dias (noites, viu!), num com três pessoas e noutro com seis. Veja o que achei deles numa resenha gastronômica: “A memória afetiva de muitos brasilienses encontra abrigo na parte de trás do Paulicéia, onde mesas de plástico são protegidas pelas sombras de árvores. Neste bar, aberto em 1966, o clima descontraído faz com que o cliente se sinta em casa e dê pouca importância à simplicidade do lugar. Quem contribui para esse astral é o português Raul Cautela, no comando do endereço desde a inauguração. Prestes a comemorar cinquenta anos, o boteco mantém como trunfo a deliciosa picanha assada na brasa (R$ 75,00 o quilo) e a feijoada servida aos sábados (R$ 38,50 o quilo). Para gelar a garganta, nada como um copo de Original, Heineken ou Serramalte (R$ 8,50 cada uma).”.

O Paulicéia virou nossa embaixada na sisuda e quente Brasília. Lá o papo fluia gostoso, num dos dias o jogo do Botafogo rolava numa TV e noutro um do Vasco, dois cariocas, um ganhando e outro perdendo. Nas mesas, uns choravam e outros riam, tudo em voz alta e com o churrasqueiro com seus apetrechos no meio do descampado e atendendo pedidos mil de churrasquinhos aos estilo “gato”. Provamos alguns e com cevada, todos aprovados. No blog candango “Nós dois – Comida, cerveja e viagem”, um algo mais deles: “Pessoas, que o Paulicéia tem a melhor picanha na brasa da cidade a gente já sabia. Daí, bastou uma referência a mais para marcamos um encontro por lá. A idéia era simples: bater papo, comer picanha e beber Original. (...) A picanha realmente é de comer de joelhos. Não é barata, verdade seja dita, mas é muito, muito boa e eu já quero voltar com mais frequência. A peça custa R$ 28,00, serve bem, como petisco, 2 a 3 pessoas chega na mesa ao ponto, macia, suculenta e acaba com uma velocidade incrível. (...)Comemos também queijo coalho, por R$ 3,00, e a Linguiça de Formiga, por R$ 18,00. O Paulicéia é também famoso pela feijoada, aos sábados, e pela comida nordestina pesada, tipo dobradinha, rabada... tem para todos os gostos. (...) Gostei muito! Bom para ir de turma, sentar lá fora embaixo das árvores, bater papo, beber e comer muito bem. Recomendo!”.

Os caras, o Raul pai e o Raul filho estão no facebook e podem ser espiados clicando a seguir:https://www.facebook.com/PauliceiaBareRestaurante/?fref=ts. Raul veio falar conosco várias vezes, assim como o churrasqueiro e os garçons, todos simpáticos. Conhecemos também o Raul pai, o que abriu o negócio, um pequeno botequim e ele foi se firmando ao longo dos anos, com mais e mais clientela. Deu para perceber que, saem do trivial do barzinho todo arrumadinho, desses com tudo no devido lugar, mas com flatulência no quesito principal, o de sacar como deve ser isso de botequim. Ali tudo em cima. Olhar os recortes de jornais, textos já publicados, frases copiadas e emolduradas, tudo junto dá a bela cara desse lugar, escolhido por nós como um oásis por lá. Dessa forma, recomendamos. Quando tudo estiver pra lá de bravo, clima de fim de mundo, situação insustentável, difícil de ser vergado, nada como uma passadinha no Paulicéia para o devido recarregar de baterias.

São lugares assim que salvam uma viagem...

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