sábado, 26 de dezembro de 2015

UM LUGAR POR AÍ (76)


O INCÊNDIO NA LUZ E AS RECORDAÇÕES QUE TENHO DA VELHA ESTAÇÃO
Não compro mais os jornalões. Leio quando os encontro pela aí, como hoje no saguão do hotel na despedida da sogra voltando para Sampa. Ali na recepção os dois paulistas, Estado e Folha. Vou direto nos cronistas e na edição de ontem, sexta, encontro um desses textos a me arrebatar. Trago o Caderno 2 na algibeira, dobrado dentro de um livro, tudo por causa do belo texto de um velho conhecido, Ignácio de Loyola Brandão (fez uma apresentação antecipada para um livro que um dia publicarei) que ali escreve sexta sim, sexta não. Dei sorte e ontem foi dia dele. O título já me chamou a atenção, “Uma vida vivida à sombra da Estação da Luz”. Claro, são reminiscências ocorridas após o incêndio que, nessa semana vitimou o Museu da Língua Portuguesa, no andar superior da citada Estação. Eu também chorei ao ver aquele telhado ruindo e vindo abaixo com o poder das chamas. Loyola também morre de amores pela velha estação e conta na crônica de outro incêndio ali ocorrido, 1946. Emocionante ler sobre como os ferroviários todos gostam muito daquela estação. Seu pai certa vez saiu com a família de sua Araraquara só para mostrar aos filhos os detalhes todos do lugar, o encanto em sentir o cheiro do lugar, palmilhar cada cantinho. Sempre que passo por lá, até hoje, sinto esse inebriante efeito. Leiam clicando a seguir a tal crônica:http://cultura.estadao.com.br/…/geral,uma-vida-vivida-a-som….

Não possuo a mesma verve do manejado e calejado escritor, mas tentarei ao meu modo e jeito escrevinhar algo sobre a Luz. Minhas lembranças mais remotas talvez denotem algo com quase a mesma idade que a dele quando lá esteve pela primeira vez, seis anos. Meu pai era da Cia Paulista Estradas de Ferro e o de Ignácio da Cia Araraquarense. Íamos muito para São Paulo, sempre de trem e a chegada era sempre lá na Luz. Ficávamos sempre nas casas de parentes na Capital, primeiro o de uma tia, a Zoel e Henrico Trombetti, ali na rua conselheiro Nébias, perto da antiga estação rodoviária, aquela com o teto todo colorido. Um amplo apartamento, pés altos, área ainda não problematizada com a cracolândia. Quando não ficávamos lá, descíamos na Luz e dali todos íamos de subúrbio para Franco da Rocha, ou melhor, duas estações depois, uma de nome Paradinha, onde tia Helena e tio Carlos, ela irmã de minha avó Olívia tinham uma casa ao lado de um morro. Naquela época o lugar era reduto de pequenas moradas como a deles. Hoje, dizem, o lugar está pra lá de perigoso e nenhum dos antigos moradores mora mais lá. Outras poucas vezes íamos para a casa de um tio de meu pai, o Cassiano, lá pro lados do Ipiranga, ele a cara e o jeitão do Adoniran. Essas minhas lembranças do uso da estação como chegada e partida. Ocomeço de uma paixão eterna e duradoura.

Anos depois quando atingi a maioridade, já trabalhando em Bariri e Jaú pelo Bradesco, pegava o trem e vinha sozinho para São Paulo fazer minhas primeiras incursões boêmias. Passei a conhecer melhor a estação, os horários dos trens, o bucolismo do lugar e tudo ao seu redor. Saia dali e seguia adiante para pegar a Ipiranga ou ia dar uma volta no Parque da Luz do outro lado. Seguindo para a esquerda tinham ruas de comércio, a da Noivas até hoje é naquela imediação, São Caetano. Na outra direção, comprei muita roupa na rua José Paulino. E inesquecível a caminhada até a antiga rodoviária e sempre passando de cabeça baixa diante do prédio do famigerado DOPS. A Luz, como bem escreveu Loyola exerce algo de magnetismo aos que amam a ferrovia. Sua história é longa, bela, uma formosura. Encantou mais do que uma, mas várias gerações. Sabia de cor do nome de todas as estações de Bauru até São Paulo. Anotava todos os nomes gritados pelos garçons do trem e depois transcrevi num caderno. Decorei aquilo tudo.

Não tenho quase nenhuma história a envolver a estação. Uma só que me recordo. Devia ter entre uns dezenove ou vinte anos e conheci uma garota em São Paulo. Gastei muito de telefone em intermináveis conversas. Num dia criei coragem e marcamos o encontro na estação e tão logo o meu trem chegasse. Por sorte naquele dia o atraso foi muito pouco. Eles vinham bem o trecho quase todo, mas chegando em Jundiaí, quando pegava o ramal junto com o subúrbio, dava uma enrolada. Lembro-me dela me esperando e nós dois procurando um lugar seguro, ainda dentro da estação da Luz para o beijo do reencontro. O tempo passou tão rápido e isso me parece mais do que uma eternidade, tanto que, nem me lembro mais do seu nome, muito menos de sua fisionomia. Mas me recordo do lugar do beijo. Subi os degraus que ligavam a plataforma até o saguão e ao atravessar aquela passarela sob os trilhos, feita toda de ferros rebitados, linda, grandiosa, virei á direita num corredor entre uma grade de metal, de onde se via a plataforma lá embaixo e do outro um paredão, a divisa com a calçada da rua defronte a estação. Lembro também das vezes em que meus pais cuidavam da prole toda para que nada lhe acontecesse por ali. Dizia que a malandragem rondava o lugar e eu queria mesmo era conhecer um pouco dessa tal de malandragem. E nós todos, eu até mais, olhava aquilo tudo como se fosse algo de outro mundo. Impossível não olhar para o teto e ver aquelas ferragens todas, os trilhos, sentir o cheiro, o clima abafado, o ar pesado.

A Luz me seduzirá sempre. Senti pelo incêndio e mais entristecido fico quando noto que não é o primeiro dentro do atual governo paulista. Desmandos de quem parece querer descartar algo onde muitos deram à vida. Esse tal de Estado Mínimo teleguiado por Alckmin é o descarte de tudo o que está em nome do Estado, repassando tudo e mais um pouco para a iniciativa privada. Se bobear ele passa tudo, inclusive os museus, lugares onde pessoas como ele enxergam gastos denecessários. Gente assim deixa tudo ao deus dará e mais dia, menos dia ocorrem as tragédias como essa do fatídico incêndio. Pouco retorno hoje para aquela região e a última vez que o fiz foi para visitar o Museu da Língua Portuguesa. Eu, Ana e o meu filho. Tenham certeza, toda vez em que estiver passando ali por perto, baterá a saudade de antanho e mesmo na pressa, terei que ir espiar como anda a Luz. Ela mora no meu coração ferroviário.

E NÃO É PARA CHORAR PELA ESTAÇÃO DA LUZ?

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