sábado, 2 de julho de 2016

O QUE FAZER EM BAURU E NAS REDONDEZAS (79)


O ÚLTIMO A SAIR APAGUE A LUZ*
*Crônica que os frequentadores assíduos de bares e afins entendem muito bem. Em homenagem a um que foi grande nesse quesito de ser boêmio enquanto se manteve vivo.

Ontem, final da noite, eu e Ana Bia passamos pela bar do Ico, local também conhecido como Bar do Aeroporto (o único, pois o outro é patifaria). Já era um pouco tarde, as mesas de sua área externa já estavam todas empilhadas e, como sempre, os últimos por lá estavam reunidos em sua parte interna, com aquela redoma de vidro protegendo todos dos ventos que batem naquela região alta da cidade.

Por lá, um dos mais assíduos frequentadores do lugar, Miguel Hernandez, espanhol, não só bom de cozinha (foi o proprietário do Mar Marisco), como de esgrima, ou seja, gosta de parlar em voz alta e dificilmente alguém se opõe quando dá de falar com a voz mais elevada. Bom de contestação.

- Esse aqui é o único bar de Bauru onde os donos quando se cansam largam tudo e deixam a gente tomando conta do lugar, diz. Fecham tudo e nem querem saber se estamos dispostos a tomar a última. Só que fecham e nos deixam do lado de fora.

- É verdade, respondo. Meses atrás estava eu numa animada mesa, lá na área externa, debaixo das arvores e num animado grupo, Ana Bia, Cláudio Lago, Guilherme Reis e Maurício Passos. A conversa estava tão boa que, quando nos demos conta todas as mesas ao nosso redor já haviam sido recolhidas. Restava só a nossa, como uma ilha no imenso do oceano..

- Isso acontece sempre comigo, me diz.

- Pois bem, continuo. O Ico cansou da gente naquele dia. Percebeu que a coisa iria longe e extrapolamos no horário. Veio delicadamente à nossa mesa, como sempre faz, informa que a casa fechou, mas que não interromperia o papo. Deixou mais duas cervejas conosco, pagamos a conta e pediu para quando batesse o cansaço era só deslocar a mesa e cadeiras perto da porta de entrada. Assim foi feito.

Miguel esbraveja um pouco, pois como já foi dono de bar e isso já faz algumas dezenas de anos, sabe que a maioria dos presentes já esqueceu se ficava aguentando até o último freguês ou, como todo espanhol, botava todos para a rua. Nenhum dos presentes tinha lembrança de como ele agia e ficou valendo a sua fala:

- Os donos de bares de hoje não aguentam mais os boêmios e aqueles que querem conversar um pouco mais. Esse lugar tem um algo mais do que especial. Não adianta, por exemplo, alguém com o carisma do Ico abrir um bar a duzentos metros daqui, pois a coisa não tem o mesmo carisma desse lugar. Olhe para os lados, isso aqui é antológico, um aeroporto no meio de uma cidade de 400 mil habitantes, com uma construção de 70 anos. O que nos une é esse lugar, tudo isso à nossa volta. Sair de casa numa sexta à noite, ficar por aqui numa reunião de homens jogando conversa fora e com a família em casa, isso não faria num bar qualquer.

Ico sabe disso tudo, se aproxima, ouve a maioria dos choros calado e lá no fundo, procura entender os clamores dos seus fiéis clientes, mas também não pode abrir muito as pernas, pois do contrário, não teria mais controle sobre horários. E ele bem sabe, depois de certo tempo, bebem bem menos e falam bem mais. Conciliar isso com o sono não deve ser fácil.

Fecho o assunto com um algo para ser colocado nos anais (ui!) do estabelecimento:

- O Ico confia em todo mundo aqui, tem um certo horário a cumprir, sempre cede com uma modesta prorrogação, mas não é bobo de deixar a chave da casa com nenhum de nós. Tem medo não de que sumam com algo, mas de que façam bagunça na sua cozinha, com experimentações etílicas e sui generis na calada da noite. Daí vai conciliando, levando em banho maria, como hoje, ali com o cotovelo encostado no balcão e demonstrando uma paciência além do comum. Ele sabe que, uma hora a gente cansa e depois de já ter falado de tudo, do governo, da seleção, da vida, do golpe, das mulheres (tudo contra), bate a vontade de ir pra debaixo das cobertas.

Foi quando apertamos o botão para chamar a garçonete, queríamos uma nova rodada de bebidas. Só então nos demos conta de que já não havia mais ninguém no lugar. Começou uma algazarra no lugar, pois iriamos tomar posse do estabelecimento. Planos era feitos e Miguel já ameaçava inventar uma comidinha madrugadora para todos. Foi quando se deu a surpresa. Ico e os seus saem debaixo do balcão e rindo na cara de todos, verdadeiro estraga prazer diz:

- Brincadeirinha. Última rodada e fechando as contas, estamos no limite dos limites.

PS.: Escrito feito em homenagem a um dos últimos verdadeiros boêmios do lugar, falecido dias atrás, o Wagão, Wagner Orozimbo de Carvalho. Eis também o que já havia escrito do Bar Aeroporto, do Ico e seus frequentadores: http://mafuadohpa.blogspot.com.br/search?q=Bar+Aeroporto.

PERFIL DO BOÊMIO: WAGÃO,UM DOS MAIORES BOÊMIOS DA CIDADE ESTÁ FESTANDO EM OUTRAS PARAGENS
A boêmia tem figuras em seus quadros de tudo quanto é tipo. Desde o falastrão que pouco faz, mas investe numa grandiosa propaganda sobre seus feitos. A noite sabe reconhecer os que por ela passaram e souberam a levar na maciota, sem alardes, sem propagandas, fazendo tudo de forma discreta. Esses, sem que muitos tomem conhecimento, foram de fato verdadeiros e originais boêmios. Histórias de uns e de outros não faltam nos bares e redutos de reunião dos notívagos da noite. Hoje, com tudo já recheado de muito saudosismo, com lembranças do tido, “isso não volta mais”, relembrar algo de uns poucos com sapiência na forma como souberam desfrutar das benesses da noite é para terem seus nomes colocados numa placa, homenagem mais do merecida. Esse aqui é meio que imbatível nisso tudo.

WAGNER OROZIMBO DE CARVALHO, 63 anos é o popular WAGÃO, como todos conheciam o bonachão boêmio que nos deixou no último dia 19 de junho. Figura marcante na cidade, solteirão convicto, com um bom emprego durante sua vida toda, atuou como representante de empresas de combustível e morava lá na rua Alberto Segalla, junto do aeroporto. O que amealhava de um lado soube gastar com galhardia de outro. Dizem seus amigos ter se enamorado das mais exuberantes mulheres de Bauru e região, pois extremamente sensível, era visto como um lorde, na delicadeza e de como sabia tratar os semelhantes e,principalmente as mulheres. Fala mansa, sempre baixa, sem se alterar, rodeado de muitos amigos, rodou todos os bons bares da cidade, era desses que não sabia dizer “não”. Pagou muitas contas pela aí e emprestou outro tanto quando lhe pediam. Quando se apaixonava ou simplesmente vivenciava um novo amor, sabia fazer a corte, tratamento vip, impecável, daí a fama de bom vivant. O apelido no aumentativo era por causa do seu tamanho, grandão, mas nada espalhafatoso, sabia resolver tudo na surdina. Os mais chegados, o ironizaram e ele ria, quando lhe diziam ser um “Dom Juan com cara de Sancho Pancha”. Nunca foi dado a falatórios de seus envolvimentos, sabia ser discreto, algo pouco comum hoje em dia. Reservado, soube deitar fama, uma que, mesmo na sua ausência percorre os lugares de boêmia na cidade: “Não vai ser fácil encontrar outro igual a ele”.

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