segunda-feira, 27 de março de 2017

UM LUGAR POR AÍ (93)


O RANCHO NA SERRA E A DESCULPA DE REVERMOS O AMIGO – QUERÍAMOS MESMO É BATER PERNA
Se Bauru é uma cidade enfadonha como muitos dos meus amigos gostam de apregoar, a saída é somente essa: de vez em quando bater asas em busca de algo mais palatável. Uma cidade só é totalmente chata quando não estamos enturmados e rodeados de gente que faz e acontece. Ver o bonde passar e nada fazer, nem ao menos tentar pegá-lo (em andamento melhor ainda) é para os que se acomodaram na vida. Eu não me canso de dizer não acreditar em outra vida e assim sendo, se está ruim e diante da imensa possibilidade de não existir outra, por que não melhorar essa mesma. Eu faço isso a cada instante. Sou um provocador, instigador de diante disto tudo, propostas e mais propostas vão surgindo de minha cachola para transformar esse nosso dia a dia em algo, ao menos mais suportável.

Tenho acompanhado as postagens do amigo Reginaldo Tech, um professor que após se cansar de Bauru, acabou por conhecer algo novo em sua vida: um novo amor, desses arrebatadores e propiciando ao sujeito ir por aí em busca de conhecer novos ares. Quer coisa melhor do que, diante de sucessivos batidas de cabeça na parede (reparem como a testa dele está toda marcada?), o encontrar de uma nova possibilidade, com novos ares, tudo renovado diante de si. Tech é professor de cursinho, vive com o stress na ponta do giz. Hoje tenta convencer uma gana de jovens das possibilidades de apostar suas vidas numa carreira de sucesso dentro deste país enveredando por um triste desenlace para sua história. A válvula de escape ele encontrou lá pelas bandas de Santa Maria da Serra, uma pequena cidade lá pelos lados de Rio Claro e Piracicaba.

Continua a viver das aulas, mas ao se mudar para a cidade, motivado pela descoberta de que a mulher amada ali residia e dela não conseguiria viver distante, botou a cuca para funcionar e juntou o útil ao agradável. Vendo que o sogro tinha uma venda na beira da estrada, tendo ao fundo um criação de animais, incrementou a coisa, tentou se mostrar ainda útil para os olhos do novo senhorio, bolou umas novidades para o rancho, modernizou sem se vender pro demo, levou para a beira da estrada uns ensinamentos adquiridos ao longo do tempo e desta forma, deu nova vida para o Rancho da Serra. Está amando o que faz, ele e todos à sua volta.

E tanto fala dele e dessa nova experiência em sua vida que, disse para mim mesmo, qualquer dia vou pra lá, mas em turma. O dia chegou. Podia ser neste domingo ou em qualquer outro. Como não gosto de fazer nada sozinho, consultei a cara metade e comecei a convidar amigos para a empreitada de fazer uma visitinha ao gajo. Treze toparam e para lá fomos em três carros e uma moto, saída no último domingo. O resultado não podia ser melhor. Dois carros com nove pessoas e mais uma moto com um casal saíram ontem por volta das 12h30 de Bauru e se juntaram a um casal de Jaú que nos esperaria na metade do caminho.

A história da ida é a minha história de como gosto de me enveredar por descaminhos de pouco movimento (e também fiscalizações, o tal do Big Brother a nos espreitar). Podíamos ter pego um caminho em linha quase reta, ganhando tempo, mas preferi sugerir o sinuoso, cheio de curvas e de possibilidades. Evitei pedágios e dessa forma não contribui para legitimar isso que Alckmin faz no estado dos paulistas, um caça níquel a cada exatos 30 km rodados. Saímos de Bauru pela que nos levaria até Jaú e entramos pouco antes de Pederneiras para Macatuba, lugar cheio de muita cana. Lá na terra dita como do Patriotismo passamos ao largo, ou seja, pelas bordas e caímos noutra vicinal, uma que leva até Barra Bonita, do lado de cá do rio Tietê, o de Igaraçu. Atravessamos a ponte e caímos no meio de Barra Bonita.

Na praça daquela cidade reencontramos um velho conhecido, que tempos atrás pintou cenas bauruenses em nossas ruas e hoje voltou para sua terra natal. Atravessamos a cidade e atrás da usina de açúcar União, pegamos outra vicinal, ligando até Mineiros do Tietê. Pouco antes de cortar a cidade, outro trevo e caímos na Jaú/Torrinha. Um casal nos esperaria ali junto ao cemitério, mas cansaram de esperar e foram na frente, abrindo caminho. Ainda paramos num posto pouco antes da entrada de Torrinha e ali no trevo, quando diante do fim desta pista e o cruzamento com outra, à esquerda indo para Brotas e à direita o nosso destino, Santa Maria da Serra.

Mais 17 km, dessa vez com uma serra e curvas bem acentuadas. Avistada a cidade, nada do tal rancho. Seguimos em frente e a descoberta de que não havia pego a localização exata. Perdidos e com fome. Ao pegar a estrada de Piracicaba, eis o tal rancho logo ali, poucos quilômetros à frente de todos. Bela visão do paraíso. Nova descoberta, podíamos também ter vindo por São Manoel, mais uma possibilidade, dentre tantas outras descobertas. Todos reclamavam de fome, pois vir por vicinais nem sempre é vapt-vupt. O romantismo, todos sabemos, tem seu preço. A sorte foi o casal de Jaú não ter esperado pelos retardatários. Chegaram antes e já anteciparam os pedidos de comida. Chegamos tipo 15h e nem bem sentamos, começaram a ser servidos alguns rapapés. Um preço individual foi acertado, bom para todos os lados e a comida sendo servida em sistema de rodízio. A especialidade da casa é porco, servido desde frito e linguiças, essas de dois tipos diferentes e deliciosas, nenhuma com carimbo do SIF, fazendo com que nada sobrasse nos pratos.

Nos fartamos de comer, não gastamos muito, papeamos até não mais poder e uma brisa batia levemente nas mesas colocadas do lado de fora do rancho, tornando a tarde a mais modorrenta deste nosso mundo. O Tech nos contou a história de como foi parar por ali e já tinha gajo quase pedindo asilo ali debaixo daquelas frondosas arvores. Alguns tentaram esboçar falação contra os caminhos tomados na vinda, mas o clima não estava favorável para admoestações e como nenhum ali é golpista, tudo foi devidamente aplacado pelo estado de benfazejo criado ali no lugar. Tem quem trouxe queijo, algumas compotas, eu preferi fazê-lo com um pão caseiro (também sem carimbo, muito menos o queijo). Por onde ando trago pão, um hábito. Quando a noite ameaçou desceu sobre nós, lá pelas 6h da tarde, levantamos poeira da estrada e voltamos. Encurtamos a trajetória, pois já era noite, tudo escuro pela frente e nem passamos em Dois Córregos atrás das famosas macadâmias.

Pouco antes das 20h todos estavam já em suas respectivas moradas e, provavelmente, o Tech, esposa e sogra já haviam abaixado as portas do rancho. Alguém pode ousar dizer: Mas foi tudo tão simples. Nós todos, os treze presentes estávamos ali, rodamos aqueles quilômetros todos exatamente para ir buscar a tal da simplicidade. Esse pessoal todo descobriu que a simplicidade é a melhor forma de tocar vidas em parafuso, desajustadas por causa dos desacertos neoliberais vigentes nesta tupiniquim terra. Para ser simples é preciso ousar, resistir e continuar fugindo da mesmice. Diante de tanta conversa boa propiciada pela viagem, está muito bem alinhavada nova viagem, com roteiro sendo agora definido pelas (escrevi no feminino) que reclamaram das vicinais. Aposto que no frigir dos ovos, vamos nos enveredar por caminhos tão ou mais tortuosos e simples como os trilhados ontem. Escolhemos viver, assim como Tech o fez. Arejamos um bocadinho mais nossas caixas de juntar caraminholas.

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