quinta-feira, 17 de agosto de 2017

DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (106)


CRÔNICA DA PORTA FECHADA


Saio do banco Santander, agência na rua Rio Branco, entre a rua Primeiro de Agosto e Ezequiel Ramos, onde estava tentando saldar de forma suada umas pendengas (contas vencidas) e me deparo com algo mais do que comum no cenário do centro comercial da cidade de Bauru: uma porta comercial fechada. São tantas, mas resolvo escrever desta e por ser única no centro da cidade, a da Padaria Central, há tantos e tantos anos, diria décadas, ali incrustrada naquele cenário.

Fico parado e olhando para aquela porta abaixada e pergunto para um amigo que vem me cumprimentar, o visionário do centro, personagem típico das andanças, conhecedor de cada secreto cantinho da região, o performático Denis Marques: “Faz mais de um mês. Simplesmente não aguentaram mais o alto aluguel e a queda das vendas”.

Trata-se da única (e última) padaria do centro da cidade e isso não pouco (a do Paulistão da Treze de maio não vale). Boas lembranças trago da Torre de Belém, ali na rua Primeiro de Agosto e funcionando 24h por dia, algo hoje meio que impossível nesta "moderna e sem limites" cidade. Aquilo sim era uma padaria e um tempo relembrado só pela saudade de algo ali vivido. Mas essa também possui uma importância muito grande para o comércio central, pois com ela aberta, um marco estabelecido, fincado e resistindo. Esse ponto de peregrinação já não mais existe.

Encontro Kyn Junior, hoje tentando lançar um programa com conversas no Calçadão da Batista, na TV Preve e dele ouço: “Henrique, se tivesse capital, investiria neste ponto comercial, pois não existe padaria aqui no centro. Com ela se foi a última”. Sim, lembro de outra, mas não tão no centro, lá nos altos da rua XV de Novembro, “a do homem que não ri”, como é denominado seu proprietário por uma frequentadora, a pipoqueira Maria Inês Faneco. Lá um pão delicioso, com farinha por cima, inigualável em Bauru. Mas, confirmamos, no meio da muvuca central era a “última dos moicanos”. Lhe digo que, se tivesse dinheiro não investiria mais nada com este governo impopular, cruel, insano e carrasco do povo no poder, ia é combatê-lo com mais força.

Outro que conheço e não lembro o nome disse que “o pão deles já deixava a desejar, esfarelava demais, não era dos mais saborosos”. Isso pouco me importa no momento (eu percorro distâncias enormes atrás de pães de boa qualidade), o que me importava é a nostalgia de não ver mais aquela porta aberta. Poder subir aquela rampa (sim, lá tinha uma rampa para adentrar seu recinto principal), sentar numa das poucas mesas ou mesmo sentar no balcão e pedir um café com pão na chapa já não é mais possível. Se deixavam a desejar (o que não confirmo) no quesito pão, tinham algumas funcionárias, atendentes de primeira linha, atenciosas e conversadoras, como qualquer velhinho como eu adora e clama. Passava pouco por lá e isso foi o que talvez os quebraram, quando muitos deixaram de frequentar com mais frequência o lugar. Ouço horrores do preço dos aluguéis no centro e da irredutibilidade de proprietários em não se sujeitar a rebaixar valores de aluguéis, preferindo manter portas cerradas. Para mim, burrice, para eles, melhor especular.

Mais que isso, a porta baixada é reflexo desta cruel crise, aumentada e ampliada com esse desgoverno golpista de Temer & Cia. O país está sem graça, sem ânimo, sem nenhuma empolgação, se arrastando com tanta desgraça nos seus altos escalões e os do lado de baixo, nós todos aqui ralando na sobrevivência, cada vez mais difícil, impossível para alguns. Esse fechamento é simbólico, de uma incomensurável tristeza. Virando a esquina o bar do Japa, onde muitos se reuniam para um café pela manhã também fechou. Numa placa escrita à mão diz ter mudado de endereço. Não fui conferir para não me entristecer.

Eu que ando muito pelas ruas, entro em cada botequim, muito me entristece ver portas fechadas e elas se espalham em profusão hoje, parecendo praga, doença sem cura. Que a grana anda curta, disso nenhuma dúvida, pois com a sacanagem toda lá do Planalto e de quem apoia aquilo, nada sobra para os da rua. Nem mais migalhas. Não me sairá da lembrança a fisionomia dos donos deste lugar, pai e filho. Nos últimos tempos, via mais o filho e nunca conversei nada com ele além dos cumprimentos normais. Por onde andará? O que foi fazer da vida? Perguntas que gostaria de fazer para todos os que foram obrigados a fechar definitivamente suas portas.

A Padaria Central é somente mais uma, pois tantos outros no entorno padecem do mesmo mal, das mesmas dificuldades e já não sabem mais o que fazer. Fechar ou fechar. Continuar aberto para que, se os clientes se evaporaram com o vento, muito pelo momento bestial vivido pelo país. Antes de me ir, fui lá na porta e dei três batidas, numa espécie de amuleto, chamado para com o além, um clamor para que o som possa ser ouvido por alguém numa instância desconhecida. Nem café tomei em outro lugar naquele dia.


PS.: E o banco Santander onde fui pagar as contas, esse não fecha de jeito nenhum. Se o fizer é só mundança de local de recolhimento de nossa suada grana. 

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