quinta-feira, 19 de abril de 2018

UMA MÚSICA (159)


VENDO A BANDA PASSAR E SEM NADA FAZER – A INDIFERENÇA/TRISTEZA NOS RODEANDO
Somos mesmo cagões. Mino Carta, meu jornalista sempre de plantão repete a todo instante: “Falta sangue na História do Brasil”. Uns podem dizer que o povo resiste. Sim, vejo a resistência, sou parte dela, mas a imensa maioria segue bovinamente. Ando pela rua e ontem no Calçadão da Batista sento num banco e me ponho a olhar para a fisionomia das pessoas. O momento atual é ruim para todos, mas não vejo nenhuma expressão de revolta na face das pessoas, tipo querendo virar a mesa. As explicações para essa apatia são muitas, algumas me contentam, outras não. Quem resiste e coloca a cara para bater contra esse estado de coisa, esse ilegítimo desGoverno golpista a nos apunhalar são poucos, muito poucos. Poucos se expõem. O mesmo Mino citado lá no alto voltou a dizer dias atrás: “Estive num evento grandioso antes da prisão de Lula e fiquei observando para os lados. Cheguei a triste constatação, não vai haver resistência, alguns falam, mas poucos estão de fato dispostos a sangrar pela devolução do país como o tínhamos. A maioria dos que que resistem não saem das palavras, nada mais”. Sei disto.

No sinal de trânsito, paro o carro e vejo um senhor cambaleante se aproximar, bem vestido, roupas simples, limpo, mas muito empobrecido e fazendo algo que até então nunca o tinha visto, esmolando nos sinais. Mora no Gasparini, o via varrendo sua calçada, sempre sorridente, cumprimentado a todos. Com a diminuta aposentadoria, diante do desolador quadro atual foi parar nos sinais. Me reconhece, dou o que tenho nos bolsos e sem saber como reagir, ofereço carona. Recusa, agradece e diz precisar de mais para pagar suas contas em atraso, dispensa vazia e permanecerá mais algumas horas por ali. Já era perto das 18h, saio quase em pratos e no jornal o economista à serviço da crueldade diz que tudo está se encaminhando a contento, que o país está sendo reparado. E nós o deixamos mentir descaradamente diante dos fatos comprovados na rua, dia após dia. Nem reagir o fazemos a contento.

A amiga liga, cabelereira conhecida, diz não poder mais gastar, investir em algo sem retorno. Os salões a chamam para trabalhar, mas tem que gastar para ir e voltar, comer no serviço e esperar que os clientes apareçam. E eles não surgem, permanece lá esperando e gastando o que não tem. Diz não querer mais trabalhar neste ramo e na ligação desaba, diz que conheço muita gente e se souber de alguém necessitando de faxineira, que a acione, faz qualquer negócio. Reafirma antes de desligar: “A situação piorou demais, nem os clientes que vinham em casa, esses sumiram de vez. O que aparecem são os querendo fiado, mas não posso mais trabalhar assim, pois alguns me prometeram pagar e hoje, passados meses, ficam bravos quando cobrados”. E na TV, vejo o ilegítimo presidente dizendo fora do país que o país hoje está melhor, tudo encaminhado, situação promissora. E nada fazemos para dizer nas ruas das mentiras repetidas todos os dias como gozação na nossa cara. Calados continuamos. Ruim era o barbudo que um dia fez algo de bom para todos, bons são os que hoje arruinaram o país.

As injustiças dessa vida todas se sucedendo e se repetindo a todo instante. Um quase vizinho chora copiosamente conversando comigo na esquina. Como consigo ser feliz, com ele numa situação desesperadora. Num sentido desabafo diz passar fome e em todos que vai buscar uma palavra amiga, quando o vem no desespero se afastam. “Dizem que nada existe à minha altura, mas a minha altura hoje é minha fome, eu tenho necessidade de comida. Eu nunca antes passei pelos bares da Rodrigues, nas vitrines aqueles salgadinhos e sempre tive dinheiro para compra-los, hoje tenho desejo de um simples salgado, o estômago, a cabeça e tudo em mim dói e nem para isso tenho algum”. Na outra esquina, parece brincadeira, o outro ficou doente e tirou licença, ao voltar, foi comunicado pelo enquadramento da nova legislação trabalhista vigente que estava dispensado e sem muitos direitos. Seu lamento dói fundo: "Onde irei arrumar outra coisa para fazer na vida na minha idade e com portas e mais portas se fechando?".

Como posso querer ir fazer algo com alegria diante de cenas iguais a essa se repetindo a cada virada de esquina. Tem muita gente no total desespero e os que ainda não chegaram neste ponto não estão se dando conta da situação estar só piorando, mais e mais. Como ajudar esses e todos os que clamam pelas ruas se a coisa pega também pro meu lado e se bobear logo mais posso estar na mesma situação? Como reagir e enfrentar o baú de maldades despejado sob nós e o povão com a cabeça a mil, completo parafuso?

Ligo a vitrolinha num velho LP do Chico Buarque de Hollanda, “A BANDA” e ao ouvir pela terceira, quarta vez entendo cada vez mais o que ele queria dizer com aquela banda passando e a gente só assistindo ,abatendo palma, mas ela passa e tudo continua. Entendo e choro. Não tenho vergonha de chorar, choro por todos que não posso estender a mão e ajudar. Choro pela reação que gostaria de ter neste momento contra nossos algozes, mas ainda não tive, aliás, eu também, vendo a banda passar:

“Estava à toa na vida/ O meu amor me chamou/ Pra ver a banda passar/ Cantando coisas de amor./ A minha gente sofrida/ Despediu-se da dor/ Pra ver a banda passar/ Cantando coisas de amor./ O homem sério que contava dinheiro parou/ O faroleiro que contava vantagem parou/ A namorada que contava as estrelas/ Parou para ver, ouvir e dar passagem./ A moça triste que vivia calada sorriu/ A rosa triste que vivia fechada se abriu/ E a meninada toda se assanhou/ Pra ver a banda passar/ Cantando coisas de amor./ Estava à toa na vida/ O meu amor me chamou/ Pra ver a banda passar/ Cantando coisas de amor./ A minha gente sofrida/ Despediu-se da dor/ Pra ver a banda passar/ Cantando coisas de amor./ O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou/ Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou/ A moça feia debruçou na janela/ Pensando que a banda tocava pra ela/ A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu/ A lua cheia que vivia escondida surgiu./ Minha cidade toda se enfeitou/ Pra ver a banda passar cantando coisas de amor/ Mas para meu desencanto/ O que era doce acabou/ Tudo tomou seu lugar/ Depois que a banda passou/ E cada qual no seu canto/ Em cada canto uma dor/ Depois da banda passar/ Cantando coisas de amor/ Depois da banda passar/ Cantando coisas de amor”. Eis o link: https://www.youtube.com/watch?v=OBDfWikT34M.

Se possível, não façam como esse contumaz chorão, louco para reagir, mas inerte, prostrado em sua poltrona e vendo a banda passar.

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