segunda-feira, 16 de julho de 2018

O QUE FAZER EM BAURU E NAS REDONDEZAS (103)


O QUE FOI O “JULGAMENTO DE SÓCRATES”, COM TONICO PEREIRA EM BAURU NA NOITE DE DOMINGO?
Platéia surpreendida por Tonico.
Essa a peça que TONICO PEREIRA trouxe para Bauru na noite do último domingo, 15/7, causa comoção na plateia lotando o Teatro Municipal de Bauru. Evidente a interligação com fatos atuais, com esse cruel e insano momento vivido pelo Brasil. Tonico faz isso com maestria e expõe em pouco mais de uma hora de interpretação solo algo a doer às vísceras de quem assiste. Plateia atenta e lotando os quase 600 lugares percebe, só depois do espetáculo já ter tido início que, ali no palco algo mais do que um ator global. Muitos vieram para ver o tal ator, mas se surpreenderam com a intenção da trama teatral, a de expor, jogar na cara da plateia algo mais, escancarar a hipocrisia reinante nos tempos atuais, nessa incestuosa relação dos homens com as tais leis de mercado. Para muitos foi um sonoro soco no estomago, dado ao vivo e a cores, não possibilidades de desistir de ver tudo até o final. Foi divertido constatar isso, a intenção de muitos em ali estar para presenciar um ator global, mas quando ali dentro do teatro, foram surpreendidos com um soco no estomago, um toque de realidade que não esperavam. Tonico saiu vencedor e ao transpor o Julgamento de Sócrates para nossos dias, mostra os vários Sócrates fazendo parte de sua vida e, por fim, faz a tão necessária alusão com o momento presente. No final do espetáculo, inevitável os gritos de “Lula Livre” vindos da plateia e a expressão de espanto da maioria dos presentes, ainda não acreditando no que viam. Muitos engoliram em seco, não tiveram como reagir negativamente, pois tudo havia siso escancarado em suas caras. Foi lindo demais da conta e para finalizar, nada melhor do que explicar o que venha a ser esse julgamento. As alusões com o nosso presente ficam mais do que evidentes e necessárias. Gravar com ele no final do espetáculo, a compreensão do ator diante de alguns atores da cena política local foi a extensão natural para uma peça tão insólita, real e recheada de realidade. Foi algo inolvidável para a cena teatral bauruense.
Ator entre Lázaro Carneiro e Rubens Colacino.


O que venha a ser o JULGAMENTO DE SÓCRATES? Entenda: “Diante do tribunal popular, Sócrates é acusado pelo poeta Meleto, pelo rico curtidor de peles, influente orador e político Anitos, e por Licão personagem de pouca importância. A acusação era grave: não reconhecer os deuses do Estado, introduzir novas divindades e corromper a juventude. O relato do julgamento feito por Platão (428-348 a.C.) a Apologia de Sócrates, é geralmente tido como bastante fiel aos fatos e apresenta-se dividido em três partes. Na primeira, Sócrates examina e refuta as acusações que pairam sobre ele, retraçando sua própria vida e procurando mostrar o verdadeiro significado de sua "missão". E proclama aos cidadãos que deveriam julga-lo: "Não tenho outra ocupação senão a de vos persuadir a todos, tanto velhos como novos, de que cuideis menos de vossos corpos e de vossos bens do que da perfeição de vossas almas, e a vos dizer que a virtude não provém da riqueza, mas sim que é a virtude que traz a riqueza ou qualquer outra coisa útil aos homens, quer na vida pública quer na vida privada. Se, dizendo isso, eu estou a corromper a juventude, tanto pior; mas, se alguém afirmar que digo outra coisa, mente". Noutro momento de sua defesa, Sócrates dialoga com um de seus acusadores, Meleto, deixando-o embaraçado quanto ao significado da acusação que lhe imputava - "corromper a juventude". Demonstra que estava sendo acusado por Meleto de algo que o próprio Meleto não sabia bem explicar o que era, já não conseguia definir com clareza o que era bom e o que era mau para os jovens.
Com o iluminador Silvio Selva, altos papos.

Em nenhum momento de sua defesa - segundo relato platônico - Sócrates apela para a bajulação ou tenta captar a misericórdia daqueles que o julgavam. Sua linguagem é serena - linguagem de quem fala em nome da própria consciência e não reconhece em si mesmo nenhuma culpa. Chega a justificar o tom de sua autodefesa: "Parece-me não ser justo rogar ao juiz e fazer-se absorver por meio de súplicas; é preciso esclarecê-lo e convence-lo". Embora a demonstração pública da inconsistência dos argumentos de seus acusadores e embora a tranqüila e reiterada declaração de inocência - e talvez justamente por mais essas manifestações de altaneira independência de espírito -, Sócrates foi condenado. Mesmo para uma democracia como a ateniense, ele era uma ameaça e um escândalo: a encarnação, para a mentalidade vulgar, do "escândalo filosófico" que, ali mesmo em Atenas, acarretara a perseguição de Anaxágoras de Clazômena, que se viu obrigado a fugir.
Agradecer ao ator pelo ali propiciado.

Como era de praxe, após o veredicto da condenação, Sócrates foi convidado a fixar sua pena. Meleto havia pedido para o acusado a pena de morte. Mas seria fácil para Sócrates salvar-se: bastava propor outra penalidade, por exemplo pagar uma multa, como chegaram a lhe sugerir os amigos. Afinal, fora difícil obter um veredicto de culpabilidade: havia sido condenado por uma margem de apenas sessenta votos. Qualquer pena moderada que ele mesmo propusesse seria certamente acatada com alívio por aquela assembléia constrangida por condenar um cidadão que, apesar de suas excentricidades e de suas atitudes muitas vezes irreverentes e incomodas, apresentava aspectos de indiscutível valor. Afinal, era aquele o Sócrates que não se havia deixado corromper pelos tiranos, inimigos da democracia, e que lutara bravamente na guerra por sua cidade e por seu povo. Bastava que declarasse estar disposto a pagar algumas moedas - e todos sairiam dali satisfeitos consigo mesmos, por terem cumprido o "dever" de punir um cidadão suspeito de atividades nocivas a cidade, e mais contentes ainda por se sentirem magnânimos, ao permitirem que continuasse vivendo.
Claudio Lago e este HPA o entrevistam sobre o momento atual.

Mas Sócrates não faz concessões. Propor-se a cumprir qualquer pena, mesmo pagar uma multa, por menor que fosse, seria aceitar a culpa de que não o acusava a própria consciência. Na segunda parte da Apologia, Platão descreve o momento em que, novamente diante de seus juízes, Sócrates estabelece a pena que julgava merecer. Nem exílio, nem multa. "Ora, o homem (Meleto) propões a sentença de morte. Bem; e eu, que pena vos hei de propor em troca, Atenienses? A que mereço, não é claro? Qual será? Que sentença corporal ou pecuniária mereço, eu que entendi de não levar uma vida quieta? Eu que, negligenciando o de que cuida toda gente - riquezas, negócios, postos militares, tribunas e funções públicas, conchavos e lutas que ocorrem na política, coisas em que me considero de fato por demais pundonoroso para me imiscuir sem me perder -, não me dediquei àquilo a que, se me dedicasse, haveria de ser completamente inútil para vós e para mim? Eu que me entreguei à procura de cada um de vós em particular, a fim de proporcionar-lhe o que declaro o maior dos benefícios, tentando persuadir cada um de vós a cuidar menos do que é seu do que de si próprio, para a ser quanto melhor e mais sensato, menos dos interesses do povo que do próprio povo, adotado o mesmo princípio nos demais cuidados? Que sentença mereço por ser assim? Algo de bom, Atenienses, se há de ser a sentença verdadeiramente proporcionada ao mérito; não só, mas algo de bom adequado a minha pessoa. O que é adequado a um benfeitor pobre, que precisa de lazeres para vos viver exortando? Nada tão adequado a tal homem, Atenienses, como ser sustentado no Pritaneu; muito mais do que a um de vós que haja vencido, nas Olimpíadas, uma corrida de cavalos, de bigas ou quadrigas. Esse vos dá a impressão da felicidade; eu, a felicidade; ele não carece de sustento, eu careço. Se, pois, cumpre que sentenciam com justiça e em proporção ao mérito, eu proponho o sustento no Pritaneu."
Sócrates não deixava saída para seus juízes. Ou a pena de morte, pedida por Meleto, ou ser alimentado no Pritaneu, enquanto fosse vivo, como herói ou benemérito da cidade. Impossível voltar atrás, desfazer a condenação, inocentar o acusado. Entre a morte e as impossíveis recompensas, ou juízes ficaram sem alternativa real. Para não abrir mão de sua própria consciência, Sócrates optara pela morte. Que então morresse”, Immanuel Kant, Introdução à crítica do juízo. 2 ed, [Tradução Rubens Rodrigues Torres Filho], São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Os Pensadores).



Abaixo a gravação, curta e grossa, sem edição, permitida pelo ator nos bastidores, na saída do espetáculo teatral, um bate bola entre esse HPA e Cláudio Lago com Tonico e das relações da peça com o momento atual. Um registro mais que histórico:

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