quarta-feira, 12 de dezembro de 2018
MEMÓRIA ORAL (234)
A ÁRVORE DE NATAL MAIS BONITA DA CIDADE* * Algo da sensibilidade do catador de reciclados André na calçada defronte sua casa.
Primeiro se faz necessário contar algo desse André, também Luiz Andrade Souza, 44 anos, casado, pai de sete filhos (quatro dele e outros três da esposa, de outro relacionamento), além de um neto. Moram todos juntos numa pequena casa, poucos quarteirões da entrada do bairro Redentor, o primeiro conjunto habitacional de Bauru e defronte uma das tantas praças do bairro, talvez detentor da maior concentração delas. “Crio todos juntos, cheios de muito carinho, amor mesmo. A mais velha, hoje com 21 anos, filha dela. Quando fomos morar juntos tinha apenas 5 anos. Eu sou cria aqui desse lugar. Moro desde meus 9 anos, aqui me criei e aqui crio minha família”, conta.
Sua história é a de muitos hoje na mesma situação. Trabalhou antes em vários empregos, como nas fábricas da Coca-Cola, Sukest e Perdigão, mas quando a família começou a crescer teve que repensar isso do emprego. “Hoje dou opção para a reciclagem e a explicação é bem simples. Vivendo só do reciclado e me dedicando quase exclusivamente a ele e outros bicos meu ganho é um pouco maior do que registrado com carteira assinada. A desvantagem é essa, por não ser registrado e ter deixado de contribuir para a Previdência. No mais, o serviço que faço, o qual chamo de estivador é dessa coleta de matérias pelas ruas e quando surge, pequenos trabalhos de carga e descarga, além de limpeza de terrenos, essas coisas. Quando percebi que ganharia mais fazendo isso do que registrado tive que optar, pois registrado não estava dando para manter a família”.
O que chama a atenção no que faz é a organização na coleta e armazenamento antes da revenda. Tem um procedimento diferente da maioria. Primeiro coleta tudo o que considera aproveitável, junta dentro do pequeno quintal defronte a casa e quando o espaço lota, faz uso da calçada, mas tudo empilhado em imensos e resistentes sacos plásticos, denominado por ele de “bags”. Para facilitar seu serviço combinou com o comprador e primeiro ele junta bastante, depois o aciona e ele vem de caminhão, carrega tudo e juntos no depósito, pesam, com o pagamento ocorrendo na hora. Recebe a visita duas vezes ao mês e o caminhão segue sempre cheio para o depósito. “Já vi muita gente juntar tudo de forma desorganizada nas calçadas e praças, mas isso gera não só reclamações, como problemas com a fiscalização. O problema é a denúncia, daí organizo tudo nas bags, nada fica espalhado. Eu mesmo cuido para não ter bagunça e para não atrapalhar os vizinhos”, segue seu relato.
No início contou com a ajuda de alguns dos filhos, mas nenhum quis seguir no ramo da reciclagem. Todos estão na escola e recebem o incentivo dos pais. Tiago, 10 anos foi quem se predispôs a tentar seguir os passos do pai. Esse cedeu um dos bags e no final do mês a somatória ganha podia ficar com o garoto. “Não dava muito e o que ganhava comprava meus doces. Em alguns momentos cheguei a comprar mistura para casa, mas cansei. Hoje só estudo e quero fazer outra coisa na vida”, conta o garoto. Diante disso, André segue hoje fazendo tudo sozinho, trabalhando 8 horas diárias, em horários esparsos e tendo também mais tempo para permanecer junto dos seus. Sei o dia que a Prefeitura recolhe os reciclados do bairro, me antecipo um dia e trago tudo o que posso”. Faz tudo com um pequeno carrinho de mão, idas e vindas e sem poder reclamar de cansaço ou dores.
“Tiro perto de 2 mil mensais, pouco mais, pouco menos com os bicos realizados no mês. A esposa tem uma aposentadoria de um salário, sendo essa a nossa renda. E agora estamos felizes, pois acaba de chegar nosso primeiro neto. Isso me obriga a trabalhar mais. Claro que preferiria trabalhar registrado, mas para ganhar menos, não posso nem pensar. Com salário de mil reais registrado não compensa. Daqui sai o sustento de todos. Ele vivem me dizendo necessitar de um emprego registrado, mas eles precisam entender que ainda não compensa”, segue contando sua história. Sua rotina de trabalho não se dá muito longe de sua residência, se fixando nas cercanias de alguns supermercados, nos bairros mais próximos e mesmo andando muito, não consegue mensurar a quantidade de quilômetros percorridos sempre a pé.
Diz também não conseguir guardar dinheiro. O que ganha gasta, mas não passa dificuldades, nem possui dívidas. Se vangloria de saber viver com o que tem e das economias feitas toca sua vida feliz e sem problemas. “São dez anos de reciclado. Quando ainda trabalhava na Perdigão durante a noite, fazia minhas catanças durante o dia. Quando descobri que ganharia mais de forma independente fiquei só com o serviço das ruas. Ando muito, saio sempre de manhã e mais no final da tarde. Eu sei o que vale mais, para mim os plásticos de pets. Junto também papel, mas o valor hoje é muito baixo. Papelão é um complemento, como o pouco que junto de alumínio, as latinhas, cobre e pedaços de fios. Não descarto nada, trago tudo e depois aqui na calçada faço a separação e armazeno tudo até o dia da venda”.
Quando termina seu relato falamos sobre sua calçada, hoje com algumas embalagens já lacradas de bags e uma árvore com bolas de natal chamando muito a atenção. Ele explica a origem de tudo. “Eu já tive uma árvore de natal dentro de casa, mas quebrou e jogamos fora. Ficaram as bolas e a fiação. Ganhei mais algumas bolas e resolvi colocar tudo na árvore aqui defronte a casa. A noite eu acendo tudo, não tem muitas bolas, mas o efeito é para perceberem que estamos envolvidos com o espírito do final de ano. Montei só para dar uma simbolizada, mas hoje, a cada noite, não vejo a hora de acender as luzes”. Dessa forma ele tenta estabelecer um relacionamento cordial e fraterno com os vizinhos. Sabe que seu trabalho pode não gerar um visual dos mais bonitos para os que passam na rua, mas pela forma como mantém tudo limpo e as luzes piscando a noite, busca uma aproximação mais calorosa. Diz estar conseguindo seu intento e assim segue, já tendo recebido até algumas bolas novas de alguns deles para enfeitar sua árvore. Dessa forma, espera preenche-la mais e mais até a chegada no Natal e para conseguir esse intento, conta com a colaboração de tudo, todas e todos.
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