segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

O PRIMEIRO A RIR DAS ÚLTIMAS (65)


CRÔNICA DO FIM DO MUNDO

Acordo cedo, último dia do ano. Segunda, 31/12, 7h30 da manhã me coloco a caminho da fisioterapia. Mas por que ainda cuidar de si mesmo quando tudo desanda em ruínas bem ao seu lado? Sem responder a esse questionamento sigo em frente, meu braço dói e ainda antevejo alguma utilidade para ele no que virá pela frente. No sinal, o que vai me levar para a Getúlio Vargas, três pessoas se aproximam da janela do carro e me entregam folhetos publicitários. Nenhum me interessa, mas pela carinha deles, recolho e cumprimento a todos. Quem ainda pode estar trabalhando num dia como hoje? Esses, com certeza. O menino chega com uma embalagem de paçoquinha e me oferece uma. Duas por R$ 1 real. Quantas terá que vender hoje para levar algum para sua casa e que lucro tem desse trabalho todo?

Nem deu tempo de filosofar a respeito, pois ao virar e entrar na Getúlio, onde até dois dias atrás funcionava o supermercado Paulistão e hoje, tudo fechado e aguardando, pelo se diz, uma nova agência da FIAT, sigo em frente e no quarteirão da frente percebo alguns acordando cedo como eu. São os frequentadores matinais, madrugadores do Fran’s Café. Parecem representar um grupo unido, coeso e batendo cartão na mesma frequência com certa assiduidade. Riem em voz alta e ouço o som de suas vozes do carro, parado ao meio fio, aguardando abrir o sinal. Olho para eles e fico imaginando a conversa e a incontida alegria irradiando por todos os poros, diante dos acontecimentos que desaguaram no que teremos no país a partir de amanhã. Não quero a companhia de gente sorrindo dessa forma diante de tudo o que foi feito e mais, o que teremos pela frente.


Sigo meu caminho e no quarteirão da frente a cena é bem diferente. Uma pequena churrascaria funcionou ontem a noite e deixou sacos lacrados do lixo na sua parte externa. Dois catadores estão diante do saco e um deles, com meio corpo dentro dele, quase oculto e envergado, tenta subtrair dali algo de aproveitável para si e os seus. Aqui não existem risadas, nem conversa, pois estão mais que entretidos em outra coisa. Devem ter saído bem cedo de suas casas, talvez até mais cedo do que os da quadra anterior, mas com objetivos bem distintos. Enquanto sigo meu caminho, tento imaginar o que estaria passando n mente de uns e outros e qual a expectativa que cada um teria diante do ano novo chegando alo ali, na dobrada da esquina.

Chego na clínica e só o fisioterapeuta está atendendo hoje, numa deferência para com seus diletos clientes. Estou na oitava fisio, dois procedimentos, um gel com pomada e depois os eletrodos por 20 minutos. Meu plano de saúde paga a coisa e lá estou em busca de melhoras. O profissional puxa conversa, quer ser agradável para comigo e com todos. Procura perceber a linha de cada um e a conversa flui enquadrada. Hoje me pergunta dos motivos de todo dia passar o tempo ali lendo algo, grifando tudo, anotando e escrevendo. Digo de ter sido professor de História, escrever e procurar ocupar meu tempo com algo útil. Ao saber historiador, diz ser a categoria “dos loucos”. Rimos e lhe digo que, “agora sim enlouqueceremos, pois além de nos vigiarem nas aulas, teremos que ensinar o que querem e não o que fato ocorre”. Sua resposta me conforta: “Isso que vem aí, a gente tendo que seguir preceito militar pra tudo não vai legal. Continência, reza e ordem segundo o que acreditam vai ser um problema”. Concordei.

A esposa me leva ao mercado. Adentro o Tauste e não aguento. Faço minha fezinha na lotérica da entrada e só de ver as expressões das dondocas, me dá uma vontade de ir lá pro Jaraguá, pro Tangarás ou pro Nova Canaã. Ando sem saco pra quem demonstra indiferença para com a bestialidade em curso e o que virá pela frente. Paramos o carro na entrada da padaria Copacabana na Pinheiro Brisola e um cara me olha atravessa por causa dos adesivos no carro e o boné do MST no para-brisas. Estaciono bem defronte sua mesa e nem dou bola para suas provocações. Ao voltar, um cara tenta agredir um dos nossos que hoje está indo para Curitiba passar a passagem do ano na vigília no Acampamento Pró-Lula defronta a Polícia Federal. Deleto o caro, bloqueio e nem quero levar a sério as ameaças que me faz e que diz, ocorrerão a partido do dia de amanhã. Se for levar a sério, deixo até de dormir. No momento lavo meu cachorro e quero assistir um filme com meu filho na parte da tarde, algo escolhido por ele e me diz, deverei gostar muito, “Capitão Fantástico”. Tchau, agora só volto a escrevinhar algo no ano novo. Novo?


ENQUANTO ISSO...

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